
25 março 2009
20 março 2009
sobre leituras
"é o leitor que lê o sentido; é o leitor que confere a um objeto, lugar ou acontecimento uma certa legibilidade possível, ou que a reconhece neles; é o leitor que deve atribuir significado a um sistema de signos e depois decifrá-lo. Todos lemos a nós e ao mundo à nossa volta para vislumbrar o que somos e onde estamos. Lemos para compreender, ou para começar a compreender. Não podemos deixar de ler. Ler, quase como respirar, é nossa função essencial."
O autor desse pensamento é autor de alguns bons livros. O trecho acima está nas páginas 19 e 20 de Uma história da leitura, da Cia. das Letras. Manguel foi um dos leitores que Jorge L. Borges teve quando da perda da visão. Vale a pena ler.
19 fevereiro 2009
fala mestre
"Ser tolerante não significa negar o conflito ou dele fugir. O tolerante, pelo contrário, é tanto mais autêntico quanto melhor defenda suas posições, se convencido de seu acerto, com denodo. O tolerante, por isso mesmo, não é uma figura pálida, amorfa, pedindo desculpas toda vez que arrisca uma discordância."
Paulo Freire in 'Cartas a Cristina...', 2.ed., UNESP, 2003.
29 janeiro 2009
na função
Nunca trabalhei tanto estando em férias. Cimento, concreto, terra, brita, cortina, abajour, flores artesanais, resina acrílica, piso, toseto, massa corrida, tintas, muitas tintas. Pá, terra, serra, água sabão. Cansaço, muito cansaço. Exaustão.
Estou na correria, com a Lu, a fim de preparar tudo antes de abril quando, então, finalmente, teremos nosso presente divino: a Maria Flor. Ando acordando às 7h e dormindo lá pelas 24h. Mas tudo me tem dado um enorme prazer. Os dias parecem correr fora do normal.tem sido difícil continuar a leitura de Terapia, do David Lodge, empréstimo da querida amiga Camila H. e bem recomendado pelo leitor e fraterno amigo Guto A.. Também está brabo de pegar minha única aquisição da Feira do Livro de POA: A cabana, o badalado romance cristão, lançado em 2008 pela Sextante. Mas, ainda bem, posso deixar de fundo musical a linda Teresa Cristina – presente de uma colega de trabalho docente. Ouvi-la cantando “pra que discutir com madame”, “coração leviano” e “o meu guri” é uma obra. Salve Teresa e o samba!
Tenho sentido saudade do mundo virtual. Fico querendo ler blogs, ver e-mails, mandar e receber mensagens. Por outro lado, é bom relembrar que preciso dominar o “sistema” e não ser dominado por ele. Assim, tenho me disciplinado e tenho dia para ler eletronicamente, para mandar, receber e responder às mensagens que chegam.
Tenho olhado muito para a Lu. É provável que não a veja grávida outra vez. A emoção toma conta de nós quando a Flor parece notar que está sendo olhada. É lindo sentir seu pezinho ou mãozinha mexendo-se enquanto converso com ela. É por isto que trabalhar bastante agora tem sido um prazer: poderei dedicar-me a ela inteiramente depois.
Enquanto isso, quem acostumou com minhas respostas rápidas terá de exercitar a paciência. Tão logo possa, responderei.
[fórum social mundial – outra vez. “...e o tal de mundo não se acabou”]
Mais um FSM em nosso país. Provavelmente somos os campeões em edições desse evento. Sim, para mim ele é um evento. E só. Participei das edições ocorridas aqui, no Rio Grande do Sul. Sei do que estou falando, assim como de uma penca de conhecidos ditos de esquerda que ficarão incomodados com meus termos. Eu diria, com todo o respeito que eles merecem (e merecem!), que fazem parte de uma esquerda acrítica, não muito chegada ao diálogo e mais simpatizante do monólogo. Essa esquerda é representada por gente que quer se perpetuar no poder (direta ou indiretamente). Gente que escolheu a política partidária como “carreira” e não como um ideal cujo centro é o povo. Para esses, há muito o povo não interessa senão no financiamento de suas regalias.
Nas edições de Porto Alegre, vi boas discussões, boas intenções, grandes caminhadas, li bastantes faixas de protesto. Mas pouco, quase nada mudou – efetivamente. Os medalhões vieram, palestraram, botaram ‘pilha’ nos que podiam (por ‘n’ razões) estar lá para ouví-los (pois, sejamos sinceros conosco, a grande massa estava suando a camisa em seus postos de trabalho1) e foram embora. Voltaram para suas Universidades, para seus gabinetes, donde escrevem livros de maneira confortável. As temáticas não mudaram. Continua-se dizendo que “os países ricos deveriam subsidiar a dívida dos pobres; que estes precisam ser mais ouvidos por aqueles” e blá-blá-blá. Defensores da natureza vêm com teorias idealizadas sobre a defesa do meio ambiente, enquanto órgãos do governo não fiscalizam como deveriam e outros desmatam tanto quanto as empresas privadas. Resumindo, há muito discurso, muita idealização, mas pouca, muito pouca, ação.
Acho que os governos de esquerda precisam esquecer os de lá e fazer o que precisa para que seus países comecem a andar. Não gastarei mais a sola de minhas sandálias (porque o chique nesses eventos é andar de sandálias ou chinelo) nesses eventos inócuos. Quero curtir minha filha, minha mulher, meus discos, meus livros, meus poucos amigos. Quero continuar acordando cedo e vivendo. Quero ganhar meu dinheirinho suado, mas honesto. Não quero depender de vãs promessas politiqueiras. Ando cansado de ver as mesmas caras, os mesmos trejeitos, as mesmas indumentárias. Quando se fala de política partidária, por exemplo, vê-se uma velharia – gente desde antes da ditadura está lá no poder. E não largam o “osso”.
Temos de nos ligar mais às pessoas. Há mais vida fora do mundo político-interesseiro. Há mais prazer no mundo fora dos holofotes, fora do poder pelo simples poder. Façamos bem a nossa parte. Reclamemos a quem de direito quando for o caso. Porém, os aglomerados não resolvem o problema. Eles são como sino: fazem um eco temporário. Sem contar que no meio deles é mais fácil notar uma turma do gargarejo: riem, batem palma, assoviam, pulam, repetem palavras de ordem. Nem sabem dos porquês. Querem contatos. Contatos imediatos.
Uma outra vida também é possível.
04 janeiro 2009
[retrospectiva 2008, em dois fatos] - levi nauter
Oscar Wilde
Minha vida bem poderia ser resumida em dois fatos neste 2008. Logicamente eles não se dão a sós. Isso é o que justifica, por exemplo, o aumento da minha carga-horária de trabalho semanal. Tudo o que se passou a fim de culminar nos dois fatos foi entremeado de outras ocorrências.
O primeiro fato importante foi a aquisição da casa própria. Durante treze anos sonhamos, planejamos e poupamos para isso. No inicio parecia-nos impossível, razão por que considerávamos a hipótese de um apartamento. Eu e a Lu estudávamos. Pagar os estudos era um ‘rombo’ nas economias. Continuamos; formamo-nos. À área da educação devemos nossas aquisições. De repente, descobrimo-nos numa cidade próxima a Canoas; calma e pequena. O preço era viável. Adquirido o terreno, mais alguns anos de trabalho e a casa sairia.
O sonho tornou-se realidade. Sonhar é sempre bom. A gente raramente sonha algo ruim. No sonho tudo se concretiza. Nele ocorre, penso, a romantização do que queremos. A questão é que temos de acordar para torná-lo real.
Nunca tive tanta dor de cabeça como durante a construção da casa. Todas as pessoas com as quais negociávamos queriam uma ‘mixaria’ do nosso suado dinheirinho (no diminutivo porque era pouco mesmo). Gastamos muita sola do sapato, muita gasolina, ouvimos todos os tipos de conselhos possíveis. Poucos nos incentivaram; a maioria nos achava loucos por fazermos algo além das nossas posses (e era verdade). Retínhamos o que nos parecia bom. Líamos revistas, jornais e seguíamos a cata do sonho acalentado. É difícil viver num mundo cuja renda financeira é tão díspar. É necessário estar atento a tudo. Como já disse, todos querem ganhar. Nós? Nada ganhamos a não ser a saúde para trabalhar – graças a Deus. O lado bom é que sabemos do valor do sonho e do suor para concretizá-lo. Sabemos também o quanto é mais fácil desencorajar que incentivar.
A construção durou um ano. Gastamos o que tínhamos e o que não tínhamos. Descobrimos ser verdadeiro a maioria do que dizem a respeito dos construtores de casas de alvenaria. Lidar com eles é um exercício de paciência. Sobretudo, é preciso seguir – à risca – o conselho de Jesus Cristo com eles: “...prudente como a serpente”. Nosso conselho, a partir de agora, será encontrar estranhos a confiar em ‘conhecidos’. Optem por quem fala pouco e age mais. Não queira alguém religioso, sem conhecer sua prática. Desconfie dos que contam só vantagem, dos que são fissurados em histórias extraordinárias. Estes trabalham pouco. Raras vezes terminam o que começaram. Faça contrato e preveja uma ruptura na qual você não seja o perdedor.
Outra descoberta da construção é que alguns profissionais (muitos mesmo) dão preço pela aparência da casa e não pelo serviço a ser feito. Sei de uma pessoa que corta grama e o preço tem a ver com o tamanho da residência e sua localização e não com a quantidade do serviço a ser prestado. Isso é lamentável, mas existe. As aparências ainda falam alto. Um dos pedreiros que por aqui passaram, enquanto instalava uma torneira, deixou escapar: “torneira de rico”. Confunde-se gosto estético com ter dinheiro – uma relação que nem sempre é diretamente proporcional.
Apesar das muitas dificuldades, estamos muito felizes com esse feito. Ela demonstra 90% do nosso sonho (nunca é 100%). Olhá-la interna e externamente tem para nós um sabor todo especial. Ela tem a nossa ideologia, nosso suor, nossas lágrimas, nossos medos e ousadias.
“Crianças gostam de fazer perguntas sobre tudo. Nem todas as respostas cabem num adulto.”
Arnaldo Antunes
O segundo fato transcende a tudo que podemos imaginar. Também foi sonhado, também foi querido. Nossos olhos sempre brilharam com a possibilidade da concretização. Sempre nos pareceu que a vida não seria completa sem essa realização; que não completaríamos perfeitamente a parábola do Filho Pródigo, ou seja, que haveria um momento de ser o filho mais novo, o filho mais velho e – por fim – o momento de ser pai. Agora é a nossa vez de sermos pais.
Nosso melhor presente de 2008 chamar-se-á Maria Flor. Certamente será o melhor presente de aniversário que poderei ganhar, em comemoração aos meus trinta e cinco anos. A sensação é a de que nada mais importa a não ser minha Flor. Trabalhar manhã, tarde e noite ganhou nova motivação, ganhou um cheiro. Cheiro de Flor. Nossas conversas são a três. Nossos sonhos são a três. Não sei na numerologia, mas, para nós, três está perfeito.
Chegou a hora de demonstrarmos nosso cuidado para com um ser. O momento de praticar o que lemos, o que ouvimos e vimos e que, obviamente, nos pareceu bom. Tempo também de descartarmos aquilo que consideramos erros na nossa criação. Nossa vez de sermos imitados. Sem ilusões, no entanto, sabemos que cometeremos erros (que graça terá uma vida certinha?). Finalmente veio a hora de demonstrar nosso lado divino (pai, advogado, medico...).
Em 2008 entramos na essência da vida. Saímos da parentela, fomos para o nosso mundo; geramos outra vida. Estamos sendo e fazendo.
Que em 2009 tenhamos mais fatos!
NOTA
Soundtrack: “Hallmark Presents The Spirit Of Christmas”, da bela e elegante Amy Grant. O CD é de 2001. A orquestração é linda.
Um texto tem me ajudado a aperfeiçoar minha percepção de pai. Trata-se de Abba, pai, do psicólogo Karl Kepler.
25 dezembro 2008
às mestras
Tive o privilégio de trabalhar com elas. Muito peleei com a Andréia na tentativa, às vezes frustrada, de melhorar o acesso e a permanência do educando na escola. Foram dias de riso e choro. As fotos do Sarau Poético preenchem a saudade daqueles tempos. Parabéns, Andréia!
Com a Ingrid aprendi a rir e fazer o que precisa ser feito. Sua base sociológica era cotidianamente ratificada pela reflexão freireana. Sua garra e latinidade extrapola o senso comum. Fico admirado com tua capacidade de querer ir além, além, além... Felicidades, chavista!!!
Notas, harmonias, trilhas, documentários. Faltou tempo para discutirmos sobre arte ao longo deste e de outros anos. Com o Jorge, formaram uma dupla do barulho (afinado) cujo eco se fez ouvir pela Europa. Sou um privilegiado: ouço músicas diversas (ritmicamente, poeticamente) e dialogamos sobre as possíveis relações entre as teorias musicais e as teorias pedagógicas. Era uma questão de tempo, Áudrea.
Meu desejo é que vocês não ‘entrem’ no ‘mundinho’ acadêmico – indiretamente denunciado pelo Paulo Freire e escancaradamente denunciado pelo Rubem Alves. Que a academia não gesse o pensamento, tampouco faça diminuir em vocês o espírito do diálogo pela do monólogo. Que as múltiplas vozes não se tornem uníssonas. Que as mesmas vozes estejam afinadas e dissonantes. Que sejam instrumentos.
Força para vocês.
27 novembro 2008
paradinha estratégica
Minha pausa tem a ver com a correria do dia-a-dia, com minhas inconformidades, com minhas tristezas, com minhas poucas alegrias. Ando curtindo minha mulher, a criança que, crescendo, se mexe bastante. Estou desligado do mundo. Pouco vejo TV (principalmente noticiários), pouco ouço rádio. estou recolhido a minha insignificância. Mas, como diria o Zé Ramalho:
Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo
07 novembro 2008
às flores da minha vida
Depois de uma noite e um dia de cão, passado dentro de um hospital (outro texto tratará disso), fico cada vez mais admirado com a minha mulher – a mãe da Flor. Não posso cansar de dizer que Deus foi extremamente generoso comigo dando-me a oportunidade de conviver com ela. Por isso, meu agradecimento pelas muitas forças que recebo para continuar vivo. E para as duas flores da minha vida, ofereço uma música linda: Linda Flor (o link abaixo permite ouvi-la. Originalmente, Zélia canta essa música no CD Eu me transformo em outras – boa pedida!).
Linda Flor
Henrique Vogeler, Luiz Peixoto e Marques Porto
Ai, ioiô
Eu nasci pra sofrer
Foi olhar pra você
Meus zoinho fechou
E quando os óio eu abri
Quis gritar, quis fugir
Mas você
Eu não sei porque
Você me chamou
Ai, ioiô
Tenha pena de mim
Meu senhor do Bonfim
Pode inté se zangar
E se ele um dia souber
Que você é que é
O ioiô de iaiá
Chorei toda noite, pensei
Nos beijo de amor que te dei
Ioiô, meu benzinho do meu coração
Me leva pra casa, me deixa mais não
Chorei toda noite, pensei
Nos beijo de amor que te dei
Ioiô, meu benzinho do meu coração
Me leva pra casa, me deixa mais não
http://www.youtube.com/watch?v=ErDQY6sPwHE
24 outubro 2008
luxo só
Minha querida amiga Liliane Barsante, com quem tive o privilégio de estudar, escreveu um belo texto sobre esse (pseudo)conforto alardeado pelas empreiteiras e, não esqueçamos, subscrito pelo Estado – Caixa, por exemplo. Leiam, vale a pena: http://intransitiva.blogspot.com
Quando pensamos em onde morar, aproximadamente há um ano e meio, fomos visitar alguns lugares. Vivemos isso na prática. Cheguei ao ponto de dizer: “só um pouquinho, quanto custa sem isso tudo?”.
Graças a Deus, adquirimos um modesto terreno num lugar no qual a felicidade não mora. Por ora, não tenho cerca ao redor do pátio. Assim é que tenho de manter contato com meus vizinhos. E isso é ótimo. Tem sido uma experiência maravilhosa conversar com eles; fazer 'ponte' na bateria do carro, combinar carona, tomarmos um suco e, em época de gravidez, ganhar revistas e paparicos (isso é o que a Lu tem vivido).
E tem mais: qual a razão de tanto conforto sem o saudável suor do dia-a-dia? Por que é necessário espaço pra isso ou pra'quilo? Que monótono deve ser a vida sem suor, sem o esforço, sem as devidas opções de escolha que nos deixam genteficados. Reitero que tem sido uma bela experiência cortar grama, capinar, carregar tábua, comprar materiais de construção, dormir tarde, acordar cedo, dar um beijo na Lu antes de sair de casa, não ter bateria no carro, ter de ser um pouco pedreiro, um pouco jardineiro, um pouco bisbilhoteiro, um muito cansado.
Mas o melhor de tudo é acordar às 5h da manhã e, uma hora depois, encontrar esse presente divino que coloquei acima. O sol estava nascendo sob o fundo musical dos pássaros. Ou seja, às vezes a felicidade me encontra pelo caminho – graças a Deus.
DIÁLOGOS SOBRE A EDUCAÇÃO - minhas leituras

A pedido, este texto será parte de um trabalho feito por um grupo de estudantes de pedagogia de uma grande universidade. Isso aumenta a responsabilidade do que vou dizer; ao mesmo tempo, enobrece meu suor na tentativa muitas vezes infeliz de tentar polir meu texto. Tudo começou com a pergunta “como te tornaste um leitor?”. Dei pequenas explicações, mas senti-me eufórico ao começar a conversa. Lembrei do Nietzsche que escreveu Ecce Hommo e deu o seguinte subtítulo: de como a gente se torna o que a gente é. Obviamente que não tenho a sagacidade nietzscheana, talvez no final de meus dias terreais chegue mais perto. De outra parte, porém, não sou acrítico – o que já é um bom começo.
Minha incursão no mundo da leitura, que passou pela escrita e chegou na pesquisa vem desde a minha tenra idade. Nada tem a ver com a escola. Esta aprimorou uma alfabetização adquirida na infância pela minha mãe. Quase todos os meus irmãos chegaram com um bom nível de desenvolvimento na escola. Nela houve uma melhor sistematização daquilo que sabíamos, o acréscimo de mais algumas informações e a poda de muitas outras coisas que, segundo as professoras, era cedo saber. Na escola e em casa fui forçado a fazer muitas atividades que eu não gostava.
Meus pais pertenciam a uma religião que classifico como fundamentalista. O resultado disso foi que durante um bom período de minha infância minhas leituras se restringiram a textos bíblicos. Os evangelhos, as cartas paulinas e, claro, os salmos e os provérbios. Muita coisa eu não entendi, ou seja, li muito sem levar em conta o contexto e sem saber o significado mesmo. Lembro-me, agora, das tantas vezes que – por não haver dicionário – eu ficava tentando adivinhar o que poderia ser dracmai. Lia a parábola e não fazia a menor idéia do que fosse. Tinha apenas uma certeza: era algo de valor, do contrário, como perder tempo atrás de algo sem importância?
Outra característica desse tempo foi minha acriticidade. O sagrado foi de tal modo incutido em mim como algo irremediavelmente dado; seria perder tempo querer questionar. Até meus dez anos (acho) vivi assim.
Eis que entra minha mãe em cena. Diarista, certo dia ela ganhou uma sacola de gibis. Trouxe para casa e foi obrigada por meu pai a consumir com aquelas ‘bobagens’. Consegui salvar um exemplar debaixo do meu colchão. Sei que era da Walt Disney. Não lembro uma história sequer. Apenas recordo um título parcial sobre um belo desenho: cai a noite em Patópolis.
Na escola jamais tive momentos de leitura. Nenhuma professora ou professor falou apaixonadamente sobre algum autor – nem nacional, nem internacional. Mas castigo havia. Até a sexta série muito fui castigado. Confesso que não fui flor de se cheirar. Mas também confesso que sempre me incomodou lembrar das vezes em que cheirei o quadro-negro, com as mãos para trás. Lembro de uma colega (com quem tenho um bom contato até hoje) que muito chegou da escola com o nariz pintado de giz. Essa diabólica professora – de quem jamais esqueci o nome – adorava dar lições de moral em nós. Cortou minhas unhas, deu-me um banho com sabonete na pia do banheiro e, certa feita, proibiu-me de tossir por causa de alergia ao giz. Para ela, aluno que incomodava tinha que ficar de castigo na biblioteca. Biblioteca era lugar de silêncio, o espaço ideal para quem não ficava calado em meio as suas explanações. Lá a bibliotecária era carrancuda, odiava alunos. Já saíra da sala de aula porque nela só havia aluno. Aluno dava-lhe ojeriza. Ironicamente, porém, foi lá e por ela que ouvi a primeira história contada: As Bodas. Não lembro de que se tratava nem sei quem é o autor. Sei que gostei porque ia na contramão do que eu lia sobre as Bodas Celestiaisii.
Param por aí minhas lembranças da infância.
No final da oitava série, quase iniciando o ensino médio, agarrei uma mania devido ao meu comportamento de alguém que não é mudo: semanalmente ia para biblioteca como castigo por conversar em demasia. Essa mania carrego até hoje. Sou sócio em três bibliotecas municipais. Adoro ficar verificando as relíquias do acervo. Já aconteceu de um sócio estar procurando um determinado exemplar e eu ouvir o bibliotecário dizer “este não temos” apesar de eu saber exatamente onde se encontra o dito cujo. Consciente ou não as atitudes questionáveis dos professores muito contribuíram para o meu ingresso na leitura. Eles não me indicaram obras, jogaram-me no meio e, como que dissessem “te vira”, eu tive que fazer algo.
Ser leitor é querer saber o que se passa na cabeça de outro, para compreender melhor o que se passa na nossa. Jean Foucambert
Então comecei a ‘perder’ tempo olhando títulos, autores bem como a disposição das obras nas prateleiras. Alguns títulos começaram a chamar minha atenção. Li O guarani, do José de Alencar, odiando. A professora nos obrigou. Mas por prazer li É tarde pra saber, do Josué Guimarães. Quanta diferença ler por prazer e ler para fazer!
Já estagiário, minhas leituras mesclavam interesses literários com os profissionais. Estes enveredaram para a Qualidade Total e para a área da Informática. Foi aí que descobri a escrita. Igualmente percebi que o lido vinha à tona na hora de escrever. Um léxico se aprimorava na medida em que ia testando-o no interior de frases, períodos e parágrafos. Euforicamente notava que escrever me libertava de amarras ideológicas, isto é, eu era livre para dizer o que bem entendesse sem ser condenado por isso – afinal, eu não precisava mostrar meu texto a ninguém. Escrevia, nessa época, como uma terapia, tal ato me aliviava.
Tive dois grandes saltos literários, por assim dizer. O primeiro deles foi quando iniciei um curso técnico em segurança do trabalho. Nele os professores me ensinaram que um jornal possui mais que páginas esportivas e policiais; aprendi a ler, por exemplo, o caderno de economia. Tive aulas de redação, um português chamado instrumental e leituras que mesclavam auto-ajuda e ficção. O segundo salto foi minha entrada na faculdade de letras. Além de aprofundar bastante as leituras, aprendi a contextualização de um texto. Após a crítica e a teoria literárias comecei a perceber o lado bom de ter-se referenciais teóricos. No entanto, nunca ficar preso a eles. Aprendi que preciso duvidar dos livros, que é necessário fazer perguntas. Ler muito, e buscar referenciais é o que nos vai tornando pesquisadores. Assim é que vamos como que duvidando daquilo que nos dizem e as leituras vão sendo ampliadas. Nossas deficiências começam sobressair e vamos buscando saná-las. Torna-se um processo circular: lê-se, escreve-se, ratifica-se ou retifica-se as bases teóricas e se faz tudo novamente.
É por isso também que as leituras vão ficando mais seletivas. O processo de escolha delas vão passando pelo crivo da criticidade. Alguns textos, a meu ver, podem ser chamados tão-somente livros; outros, no entanto, de obras. Estas é que ficam. Elas nos fazem ranhuras e, sem notarmos, começa em nós um processo bem descrito pelo poeta-músico Gilberto Gil: “morrenasce, trigo, vive morre, pão”. Ou seja, a leitura nos alimenta. Torna-nos melhores.
i Lucas 15.8-10. Minhas leituras eram na terrível versão Almeida Revista e Corrigida. Anos mais tarde, chegou ao Brasil uma versão que me salvou, A Bíblia Viva: “...uma mulher tem 10 valiosas moedas de prata e perde uma...”. ufa!
ii Mateus 25, especialmente o verso 10.
22 setembro 2008
GRAVIDADE 2 - a foto

A cada dia ficamos mais ansiosos para termos nossa criança ao nosso redor.
Agora é fato. A Lu realmente está grávida; de uma única criança (quantos gêmeos nascem nesse mundo?). Ainda não sabemos o gênero, mas isso é o que menos importa.
Ele tem o tamanhão de 2 centímetros e tem feito um belo estrago lá por casa. A Lu anda enjoando tudo aquilo de que mais gostava até a gravidez. Tenho curtido tudo isso com a curiosidade de uma criança. Tudo é uma novidade, uma santa novidade.
Essa criança foi tremendamente esperada.
Que venha logo!!!
01 setembro 2008
GRAVIDADE – criança feliz
A janela abrirá devagarinho:
fará nevoeiro e tu nada verás...
Hás de tocar, a medo, a campanhia
e, silenciosa, a porta se abrirá.
Mário Quintana1
Nesta semana tive, até agora, a melhor notícia já recebeida.
Eu e a Lu, a mulher da minha vida, estamos grávidos. Ainda não fizemos os exames definitivos, por assim dizermos; porém, os realizados indicam aquilo que esperamos há um bom tempo. Um filho ou uma filha está a caminho.
A alegria é indizível. Faltam-me palavras para expressar um sentimento guardado por anos – alguns deles por opção. Quando desconfiamos desse momento, nos abraçamos e a emoção tomou conta. Além disso, ao longo da semana recebi muitos abraços e felicitações, outra novidade pra mim. Nenhuma pessoa me desejou sorte; ninguém disse “criar filhos é difícil”. Apenas sorrisos, apenas alegrias. A vida é maior e compensa qualquer eventual esforço.
Exatamente hoje, 01-09, a Lu completa 36 anos. Há presente melhor que receber um filho ou uma filha? Estamos muito felizes. Se tudo correr bem, em maio será a minha vez de ter como presente o nascimento da criança. Aniversários assim são presentes do maravilhoso e gracioso Deus.
Nossos sentimentos se misturam – o texto parece truncado, não sai da mesmice. Mas a felicidade tem disso: a gente ri, e os assuntos giram em torno da razão da felicidade. Por vezes ficamos apreensivos em como educar uma criança; noutros momentos pensamos que isso será o de menos. Como dar conta de tantos compromissos e ainda atender uma criança que depende da gente? Sei lá, sei apenas que desejamos muito tê-la.
Ficamos imaginando o rosto (com quem será parecida?), o cheirinho. Sentimo-nos – guardadas as devidas proporções – como se fôssemos deuses: estamos fazendo uma mistura de nós dois que resultará numa singularidade: ou no João Vitor ou na Maria Flor. A euforia toma conta.
De minha parte, quero escrever um texto mensal até o seu nascimento, compartilhando os acontecimentos dessa fase. Posso adiantar que também ando enjoando – eu que tanto ria de quem contava histórias parecidas. Também me parece ótimo notar a Lu com algumas sensações estranhas: achando horrível o cheiro do café e de alguns perfumes, entre outras.
Também é minha intenção ser um bom pai. Conversar muito com o filho ou filha. Não intento que a criança tenha medo de mim. Quero dar muitos abraços, muitos beijos, dizer a toda hora que a amo e que ela foi muito desejada.
Depois conto mais.
1 QUINTANA, Mário. Nariz de vidro. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2003.
18 agosto 2008
férias de julho - levi nauter
As férias de julho estavam boas. Retomei meu Calvino preferido: o literário, não o teológico. Para este é necessário um árduo trabalho de desconstrução do discurso e da ideologia apreendidos; para aquele, basta o ócio. O Ítalo me dá prazer; o João me deixa nervoso. Ambos têm peso ideológico e precisam de contexto. Mas só o literário propõe o espanto estético.
Ando enredado com ‘Se um viajante numa noite de inverno’. O que me atrai numa obra de arte é o espanto, é o fora do comum, a surpresa, o inesperado. Com Ítalo Calvino sou impelido a voltar páginas; ele vai como que me forçando a tornar-me leitor atento. O seu enredo muitas vezes me enreda. Por isso gosto desse cubano-italiano que conheci por outra figura: Umberto Eco.
O bom da literatura é não seguir a via comum das vitrines midiáticas. Do contrário, tornar-se-ia apenas moda e, com poucas exceções, passaríamos os olhos em vez de lermos. Essa leitura mais best-seller bate na tecla comum e pouco exige do leitor. A não-midiática propõe o silêncio, o despojamento da correria cotidiana e envereda para a contemplação, para as minúcias.
A literatura best-seller é como aquele motorista da cidade grande no semáforo fechado: parece que vai tirar o pai da forca – fica acelerando o carro e não titubeia em buzinar tão logo o sinal abre. Com motoristas assim fico nervoso, quero me livrar deles dando passagem ou, na pura demonstração de uma humanidade, trancá-lo a fim de ver o estrago.
A outra literatura, que me parece a mais profunda, tem a ver com o caminhar desleixado no qual cada passo é uma descoberta, uma tentativa despreocupada de se aproximar mais da realidade que vai sendo representada.
Bom, Calvino faz isso comigo. Leva-me a lugares interessantes, representa minhas mazelas e traz saídas com cara de divinas. Foi um prazer reencontrá-lo.
Vale a leitura.
12 junho 2008
LU
Não casei com a mulher melancia, nem com a moranguinho; tampouco com quaisquer dessas que andam por aí a procura de um ambiente a fim de se mostrarem assim por alguns trocados.
Casei com uma mulher maravilhosa. Humana, inteligente, discreta e que, mesmo em silêncio, me surpreende. Seu sorriso, sua voz, seus dedos. O corpo. As idéias, sua cosmovisão. Seu senso estético crivado de historicidade. Seu gosto musical. Aquilo para o que me faltam palavras. Tudo me encanta.
Outro dia, quando falava com ela por telefone, perguntei “que música tu estás ouvindo?”. Ela pôs o telefone perto do som e eu ouvi uma letra linda, quem tudo a ver com ela, de um CD que não nos cansamos de escutar. Leiam o trecho:
"Minha beleza não é efêmera
como o que eu vejo em bancas por aí
Minha natureza é mais que estampa
é um belo samba que ainda está por vir”
O som é lindo! Cantado com a bela voz da Céu, os instrumentos são um violão, uma caixa de fósforo e alguns efeitos de voz. Coisa de prima.
Lu, te amo!!!
CD "Céu", da cantora Céu. excelente pedida para esse dia 12. quatorze músicas muito bem tocadas, uma brasilidade à flor-da-pele
05 junho 2008
DIÁLOGOS SOBRE A EDUCAÇÃO - sensação no concurso 2

O céu está desabando neste domingo. Acordei cedo, tomei banho, café e estou com uma louca vontade de ficar em casa. Não posso, tenho de fazer outra prova de concurso público. De antemão sei que encontrarei questões absurdas; vou pelo menos fazer jus ao que paguei no ato de inscrição.
As ruas não possuem sinalização, nomes. Onde fica a rua que procuro? Como saber - se todas as pessoas estão 'entocadas' nas suas casas e nenhuma placa que informa? Demorei, mas encontrei. Se há um lado bom nisso foi conhecer escolas antes a mim desconhecidas.
A escola na qual tive de fazer a prova é feia. Apertada, há poucos espaços para lazer e mais parece uma prisão. É limpinha, claro - e nem poderia ser diferente. Só que isso não basta. A sala de aula possui cadeiras de todos os tipos, mesas com tamanhos diferentes. As janelas dão para uma parede de um vizinho, uma casa velha, mal pintada. Fiquei imaginando como deve ser ter aquelas aulas chatas numa sala com aquele visual.
Chegou a prova. Fiz com calma. Estranhamente eu não estava lá, mas muito mais na biografia que lia minutos antes: Dom Hélder Câmara (publicada pela Civilização Brasileira). A leitura me fora mais atraente.
Feita a prova, sei que não passei. E não pelo português, área em que sou formado. Não passei porque absurdamente (perguntem aos deuses) não sei por quanto tempo uma empresa de ônibus tem direito legal de transportar passageiros numa cidade. Muito menos sabia a qual Secretaria pertencia o Departamento de Desporto. Tampouco sabia sobre podas de árvores, sobre Defesa Civil.
Tenho absoluta convicção de que muitos outros professores serão sortudos (ou por saberem desses assuntos ou por terem feito um belo 'chute') e estarão lá. Saberei, contudo, que outros tantos na sala de aula nunca abordarão tais temas.
Ou seja, um concurso público não avalia o professor visando seu preparo "docêntico". A seleção é fria, importa o papel - literalmente. A exigência posterior será completamente contrária a do seu ingresso. Não poderá ser frio, nunca deverá considerar o aluno como um papel. Dicotomia total. Todas as formações dirigidas aos professores, todos os discursos e obras dessa área seguem um mesmo paradigma. De tempos em tempos, há uma moda a ser seguida. Houve um tempo, por exemplo, que descobriu-se o norte-americano Howard Gardner. Tudo girava em torno das múltiplas inteligências. Depois, a bola da vez passou a ser o suíço Perrenoud. Muitos nem sabem o que significa, o que quer dizer uma termo e/ou outro, mas acham um jeito de encaixar ‘habilidades e competências’ nos falares. Atualmente abrasileirou-se. Agora é afeto, amor, vida, qualidade, letramento, entre outros criativos subterfúgios.
Prefiro a poesia, o romance, o conto, a crônica etc. Estes possuem mais humanidade.
Os discursos pseudopedagógicos incomodam-me profundamente. A realidade é sempre outra. A educação está um caos. Minhas esperanças estão se esvaindo.
ILUSTRAÇÃO: gravura do pernambucano José Francisco Borges para a obra As palavras andantes, de Eduardo Galeano, publicada pela L&PM, 5 ed., em 2007.
DIÁLOGOS SOBRE A EDUCAÇÃO - sensação no concurso 1

Agora são 13h20m de um domingo bastante quente. Estou numa sala de aula aguardando o início das provas de um concurso público. Já enfrentei um trânsito frenético de aproximadamente cinqüenta quilômetros e cá estou entre pessoas que estudam e revisam conteúdos de concursos passados; olham, conversam com os concorrentes vizinhos; saúdam-se e dizem "quanto tempo?!". De minha parte, optei por escrever a ficar tentando aprender o que não consegui ou não quis ao longo dos dois meses anteriores. Alguns dos meus concorrentes estão nitidamente nervosos; eu também. Disperso minha tensão falando com um possível leitor. Ah, sou a única pessoa do gênero masculino - por enquanto. Não tenho problemas com isso, embora reconheça que as mulheres tenham mais paciência com os alunos do que nós. Algumas das candidatas, contudo, despertam minha curiosidade. Gostaria de vê-las ministrando aulas; estão nuns trajes muito além das possibilidades da maioria do alunado, e isso pode ser (não disse que é) um entrave.
Meu texto intenta dissipar a apreensão. A possível chatice vai ao encontro da sensação que sinto exatamente agora. Há uma pasmaceira no meu entorno.
Opa, três companheiros do meu gênero adentram a sala. Já não estou só.
É sempre boa a companhia de alguém, a solidão parece uma assinatura de incapacidade comunicativa. Não me refiro do saudável momento em que se reflete a sós, tampouco de uma burra unanimidade de opinião, que a mim equivale a estar só. Refiro-me, sim, aos momentos em que estar só pode ser o começo de uma tragédia. Nós seres humanos precisamos de companhia. O outro ratifica ou retifica nossa identidade. Nesse contexto de prova, algumas colegas parecem ter resolvido a questão pelo estômago: muito salgadinho, iogurte, bolacha, água mineral, além da ilusória H2O, são algumas das iguarias que vejo.
Ouvi, há alguns minutos, uma das conversas. "Quantas questões caem na prova?", perguntou uma senhora. "Seis de legislação, vinte e quatro de Conhecimentos Específicos e dez de Língua Portuguesa" - uma resposta firme.
Fiz perguntas a mim mesmo: por que não redação? Por que não há poesia? E a arte? Esse povo gosta de literatura? De que tipo? Gosta de música?
Nunca saberei. Apenas sei que não estudei. Não agüentei o Hernandez, o Zabala e outros tantos que mal lembro o nome. Optei por ouvir música, ler ficção, visitar minha casa nova, carregar terra, voltar das férias, pensar num filho/a. Não estou nadando no dinheiro; estou vivo. Passar num concurso exige uma morte momentânea. Morre-se para os pequenos prazeres da vida e finge-se vivo para os estudos de inutilidades (na maioria das vezes). Ressuscita-se, depois, com ou sem uma nova condição financeira.
E a sirene deu o sinal. A prova vai começar. Depois retomo a escrita.
Neste momento, às 16h, deixei a grade de respostas. Sei que não passei. Ao mesmo tempo, considero uma idiotice certas questões. As pessoas que tiverem sorte poderão dar aulas não porque sabem tudo da Constituição Brasileira, por exemplo, mas porque foram boas de chute na resposta da prova. Continuo achando que saber sobre 'mandado de segurança' em nada contribui para meu desempenho de sala de aula. Saber se 'vislumbrar' é ou não rizotônico1 pouco auxilia na minha relação com os alunos. Muito menos ajuda eu saber a ordem dos capítulos da obra de Mizukami - outra questão questionável (aliteração proposital).
Portanto, volto pra casa com os mesmos dilemas. Sei da minha dedicação ao dar aulas para o ensino médio noturno (numa escola particular). Igualmente sei que muitos medalhões palestram sobre os mesmos dilemas e ganham muito mais do que eu. Não é ciúme, claro, é a denúncia de mais uma das tantas injustiças que se comete aos professores. Fica o anúncio de que ler poesia provavelmente seja mais frutífero que ouvir o blá-blá-blá de senso comum nessa que deveria ser a área de maior investimento governamental: a educação.
O único alívio é saber que um concurso público não prova minhas habilidades (ou falta delas) na sala de aula. Ao contrário, ratifica a dicotomia entre o que se deve ensinar e o que se exige numa prova seletiva. E isso me parece lamentável e desesperançoso.
Ultimamente ando possuindo poucas esperanças com a educação.
ILUSTRAÇÃO: gravura do pernambucano José Francisco Borges para a obra As palavras andantes, de Eduardo Galeano, publicada pela L&PM, 5 ed., em 2007.
1 Significa ter a vogal tônica no radical. A forma arrizotônica é o contrário (Pulava, vendia)
29 maio 2008
DIÁLOGOS SOBRE A EDUCAÇÃO - leituras

Abençoado seja o espírito de curiosidade (...) uma vez mais seja louvado o deus dos curiosos
José Saramago
Meu café está sobejadamente maravilhoso. Olho para o pátio da nova casa, a chuva faz aquele burburinho irresistível nos convidando para dormir ou assistir a um bom filme. Nada disso posso fazer agora. Mas não reclamo. Não reclamo, porém dou-me o luxo de parar a correção das aproximadamente 40 redações que me olham desaforadas. Sobre a mesa, repousam ‘Cabeça de porco’1 – obra que um dos meus alunos do ensino médio pediu que eu lesse – e ‘Crônicas de educação’2, obra da maravilhosa Cecília Meireles. Se eu pudesse, largaria tudo para me dedicar somente à leitura desses dois livros. Por ora isso não me é possível.
Ah, não posso deixar de fazer menção à música que serve de cortina para este texto. Trata-se do ótimo trabalho do guri John Mayer e seu CD ‘Room for squares’3 (como é bom ir a um balaio de grandes magazines e encontrar pérolas).
A pausa que dei nas redações para escrever este texto tem a ver com a leitura. Em outra escola que trabalho, recebemos a revista ‘Carta na Escola’ sistematicamente. E nessa última edição, um texto do professor Edmir Perroti chamou minha atenção. Em Sonhos e bibliotecas4 ele discorre sobre o quanto poderia ser útil uma biblioteca pública atual. Faz um pequeno levantamento histórico da situação em São Paulo, a partir dos anos 30, terminando com uma severa crítica aos ‘depósitos’ de livros, bem como sugere discretamente algumas alternativas.
Sinceramente, eu gostaria de crer que todas as/os bibliotecárias/os e auxiliares de biblioteca (ou outro nome que se queira dar) lessem tal artigo. Mais que isso, captassem não só a crítica mas as possíveis alternativas de reversão do quadro caótico que essas casas se encontram. Sou sócio em três bibliotecas públicas e em quase todas lembro da minha infância, ou tempo escolar.
Nunca esquecerei minha primeira ida a uma biblioteca escolar. Estava na quarta série, último ano de unidocência. Deveriam preparar-me para a multiplicidade de componentes curriculares; resolveram começar pela famigerada ‘casa de livros’. A professora-bibliotecária era uma anciã que botava medo em todos nós. Sua carranca não poupava nem os próprios colegas de profissão. Era impaciente com os curiosos alunos, entre os quais me incluía; odiava ser contrariada; amava mandar alunos “para a diretoria” - no tempo em que lecionava ciências. Agora, estropiada pelo tempo, fora colocada no seu derradeiro afazer: cuidar de livros. Fechados, os livros não resmungam, não contrariam, não retificam nem ratificam nada. São como os mortos. Abertos, vivos, fazem o que bem descreveu Caetano Veloso na sua poesia-música chamada ‘Livros’5: lançar mundos no mundo. Na mesma música, ele diz que “os livros são objetos transcendentes”, mas se pode amá-los “do amor táctil”. Pois na minha primeira vez na biblioteca isso era impossível. “Nada de tocar nos livros”, disse com voz cansada, “peçam para mim”. Visitamos todos os corredores, sentamos todos numa mesa parecida com a da Santa Ceia; recebemos o mesmo livro didático, abrimos na mesma página e lemos o mesmo texto: As Bodas. Não sei quem é o autor até hoje (talvez Freud explique), mas lembro-me muito bem do título. No ensino médio retomei minhas incursões à biblioteca; à noite, não havia bibliotecária. Era uma festa, eu pegava os livros, folheava-os, cheirava-os, dava leves batidinhas com os dedos para ouvir os sons que deles saíam. Desde então, música e leitura fazem parte de mim.
“A biblioteca não pode simplesmente existir, entregando ao acaso sua dinamização” (p.41), afirma o professor Perrotti. É necessário estratégias, metas, eventos, entre outras iniciativas que visem trazer os leitores, os novos leitores e os não leitores. Dentre as sugestões do artigo está o “buscar e coletar a memória da comunidade, registrá-la, dar-lhe forma e sentido, recriá-la, disponibilizá-la sob diferentes formas, como exposições, boletins, livros e álbuns fotográficos” (p. 41). Eu acrescentaria a indispensável parceria entre os professores de linguagem com os servidores da biblioteca (pública ou escolar). Acho, por exemplo, que poderiam ser feitas oficinas de textos na biblioteca e não numa sala de aula; ou seja, uma oficina de texto rodeada de livros de todos os gêneros. Sessões de filmes, documentários e vídeos em geral cujo tema central seja a leitura e/ou a escrita pode ser uma alternativa.
Sobretudo, necessitamos de profissionais que gostem de ler. Há muita gente ‘escorada’ na biblioteca, isto é, não serve para a sala de aula nem para uma função mais administrativo-burocrática. A biblioteca não deveria ficar a mercê de quem odeia livros, produção textual. Mas não falo da leitura mecânica, aquela em que se lê para fazer um trabalho (apresentar aos colegas). Também não falo da leitura do Zeca (já que ninguém gava...) cujo objetivo é simplesmente estatístico: “já li tantos livros esse ano!”. Esse tipo de leitura é deseducativa, desestimulante e desgraçada. Essas leituras, paradoxalmente, cegam. Muito menos falo da leitura para “tirar uma mensagem” (conheço professores que me perguntam: “você tem alguma passagem de livro pra gente usar como mensagem no evento tal?”. Huurrrrrrr). Refiro-me à leitura que mescla prioritariamente o prazer. Que prazer? Do ato de ler, do lugar em que se está para ler, dos acompanhamentos da leitura (um café, uma música instrumental, um bloco para anotações, caneta ou lápis). Falo também do prazer de desenvolver a percepção daquilo que está escrito, ou seja, notar o suor do autor para dizer muito em poucas linhas; observar como foi dito o que se leu e poderia ter sido dito de uma outra forma. O prazer estético entranhado no jogo das palavras, na escolha e lapidação de cada frase, oração, período, parágrafo, capítulo. O prazer de verificar a liberdade do autor e o uso inteligente da mesma. Prazer, parece-me, também é esquecer o mundo real por alguns minutos ou horas e, tendo assinado um contrato de mentirinha com o autor6, mergulhar noutro mundo.
Como síntese do parágrafo anterior, diria que a pessoa atuante na biblioteca precisa ser mais exigente. Tem de conhecer o seu espaço, saber que livros estão por perto, quais ainda faltam, ter um certo nível de informação (não necessariamente de conhecimento) a respeito do acervo (o máximo possível) e, uno-me a Pennac7,
...é preciso dizer se é um romance, um ensaio, uma antologia de contos, uma coletânea de poemas, que a palavra “livro”, em si, na sua aptidão de tudo designar, não diz nada de preciso, um catálogo telefônico é um livro, assim como um dicionário, um guia turístico, um álbum de selos, um livro de contabilidade...
O serviço de biblioteca exige bem mais que uma pessoa que não deu certo em algum lugar. Se queremos uma educação de qualidade, uma geração de leitores e uma nova perspectiva estética temos de apressar o diálogo, as políticas públicas e privadas, bem como as ações efetivas.
Está lançado o debate. Continuemos!
1 Obra de Celso Athayde, MV Bill e Luiz Eduardo Soares, publicada em 2005 pela editora Objetiva.
2 A obra é uma parceria da Fundação Biblioteca Nacional e editora Nova Fronteira e publicada em 2001. recomendo a todos os professores e/ou educadores.
3 O CD (Sony-BMG) foi lançado em 2001 e é atualíssimo. Para quem não conhece o cara, sugiro que digite o nome John Mayer no YouTube e curta um monte de coisas boas. Há um show com a Norah Jones de tirar o chapéu e com a londrina que virou tema de novela brasileira, além de um show acústico no qual ele canta a boa ‘Neon’. Vale conferir.
4 Refiro-me a edição de maio, pp. 40-41. O site, na versão eletrônica, é www.cartanaescola.com.br
5 Há o clipe dessa música no DVD Prenda Minha.
6 Sobre esse assunto, vale a leitura de um bom livro: ‘Seis passeios pelos bosques da ficção’, de Umberto Eco, publicado pela Cia. das Letras.
7 PENNAC, Daniel. Como um romance. Tradução de Leny Werneck. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. tradução de Comme um roman. (p. 23)
ILUSTRAÇÃO
de Eva Furnari para o seu livro ADVINHE SE PUDER, 2.ed., Ed. Moderna, 2002.
06 maio 2008
[notas musicais - showzaço] – levi nauter
Eu e a Lu fomos ao Theatro São Pedro domingo, dia 27-04-08, às 18h. Saímos uma hora e meia depois mais leves, mais alegres, mais sensibilizados. Amando ainda mais a boa e versátil música brasileira. Assistimos ao show de lançamento do CD ‘Noites de gala, samba na rua’, da maravilhosa Mônica Salmaso, com participação – tanto no show quanto no CD – do grupo Pau Brasil (um quinteto sensacional que conta com grandes nomes da música instrumental: Nelson Ayres – piano; Paulo Bellinati – violão e cavaquinho; Teco Cardoso – sax e flautas; Rodolfo Stroeter – baixo; Ricardo Mosca – bateria e percussão). Todas as músicas são de autoria do sempre bom Chico Buarque.
Mas o bom do show é que a gente consegue ter a comprovação do quanto é maravilhosa a voz da Mônica. Ela não desafina um instante, faz solos junto com as flautas, com o piano. Seu ritmo é perfeito e provavelmente explicável porque ela também faz percussão em algumas músicas. O teatro estava lotado e todas as pessoas cantavam alegremente as canções. Num momento de rara beleza e sensibilidade, ouvia-se o fungar das pessoas em meio a entoação de ‘Você você’, música que Chico compôs para o neto. Em ‘Quem te viu, quem te vê’ a platéia mal se segurava na poltrona, que vontade de dançar! ‘Morena dos olhos d’água’, com baixo e piano foi uma bela surpresa. Os arranjos em contratempo da bela ‘Bom tempo’ quase encerrava o espetáculo que ainda reservava ‘Beatriz’ com o primoroso piano do Nelson.
Foi um show lindo, que instigava a aquisição dos raros CDs que ainda restavam no hall de entrada. Voltei pra casa embalado pelo meu exemplar. E ouvi-lo depois de escutar as histórias de sua produção é ainda mais interessante, ganha mais significado.
Suavidade, sensibilidade, virtuosismo e simplicidade marcaram a noite.
Fiquei sabendo mais tarde que este fora o show mais lotado do final de semana. A cantora e compositora Vanessa da Mata estava por aqui. Desafina bastante ao vivo, mas os três CDs valem a pena – tanto pelo instrumental bem alinhado quanto pela conceituação das letras. Maria Rita, que apelou pelo modismo midiático do samba, também estava na capital. Considero-a uma boa cantora e a admirava mais antes da fama, quando participava de músicas instrumentais (como no bom CD do Chico Pinheiro). Nenhum deles, conforme informações jornalísticas, lotaram tanto quanto as duas noites de ingressos esgotados da Mônica. Estive lá, estava excelente.
Salve, Mônica! Salve Pau Brasil! Viva a música brasileira!!!
27 fevereiro 2008
DIÁLOGOS SOBRE A EDUCAÇÃO - de volta ao batente
Neste ano terei três locais de trabalho: um público, dois privados. Meu contato com alunos será bem maior. Meu tempo dedicado a leituras bem menor. Terei de me espremer para conseguir um tempo a fim de poder registrar minhas encucações e elucubrações. De uma parte estarei como imaginava, trabalhando muito. De outra, não exatamente como queria: sem tempo pra nada. Vida de professor com contas a pagar.
Fico pensando: será que darei conta? Conseguirei cativar – no bom sentido – os alunos? Como vai ser minha relação com os colegas? Como corrigir trabalhos e provas de tanta gente? E as minhas leituras? E o tempo que ficava em frente ao computador pensando numa palavra, numa frase ou num parágrafo melhor para dizer o que penso? E os finais de tarde balançados por muita música?
Pois agora tudo muda. Volto a acordar às 5h30m, mas agora com a novidade de ir, depois das 17h, para um outro local no qual ficarei até às 22h. Aos sábados, minha atividade docente continuará, intercalada – às vezes só à tarde, às vezes o dia todo. Menos mal que nesse mesmo ritmo estará minha esposa. A Lu e eu formamos um casal de fibra. Assim, mais do que nunca, os poucos momentos juntos serão intensos.
Finalmente terei a desculpa de que o texto está ruim devido a falta de tempo. Agora, por exemplo, é uma hora da manhã (como corrigir um texto a essa hora?). Estou digitando e ouvindo o relaxante Norman Brown e a bela música ‘You keep lifting me higher’, um “smooth jazz” de primeira linha. Mas ninguém é de ferro, tenho que dormir.
Boa noite!