29 janeiro 2008

DIÁLOGOS SOBRE A EDUCAÇÃO [na pressão]

29 janeiro 2008 1

Levi Nauter




Há pouco ouvi “Na pressão”, com o maravilhoso Lenine[1] e, terminada a canção, fiquei pensando em um outro tipo de pressão que estou vivendo. Esse é um ano de concursos públicos, em diversas áreas. Na da educação, tenho procurado ‘entrar pela porta da frente’ – ser um professor nomeado. Ou seja, estou buscando uma das poucas vagas à disposição na região metropolitana, onde moro. Aí está a pressão.
Em 2007 ansiava pelos dias nos quais poderia – mais calmamente – ler aquelas obras que fui deixando de lado devido os afazeres profissionais. Os feriados do final de ano me fizeram ler avidamente. Cerquei-me das aquisições literárias, bem como dos empréstimos, mas não esqueci do que parece ser fundamental na área de minha formação. Contudo, ocorreu um problema.


Estavam sendo ‘devorados’: minha principal aquisição teológica, “Pecados do espírito, bênçãos da carne”, do teólogo americano Mathew Fox. Também passaram a ser lidos em doses homeopáticas “O caçador de pipas”, do afegão Hosseini; “A menina que roubava livros”, do australiano Zusak; “O Deus das pequenas coisas”, da indiana Arundhati Roy (estes, empréstimos da minha cunhada e educadora Ane de Mira). “Ética”, do teólogo e filósofo alemão Bonhoeffer, presente de uma mãe de aluno, terá de aguardar no gabinete; assim como o professor/pesquisador e teórico da análise do discurso Van Dijk
[2]. Na pequena cidade onde moro, faço um esforço para não passar na frente da aconchegante biblioteca pública na qual sou sócio. Estou na pressão de não poder ler exatamente o que quero.
As causas são os concursos públicos.


Sim, eles são os vilões. Claro que intento passar, claro que penso em ser o melhor professor possível. Devo esclarecer, desde logo, que não vislumbro um acomodamento pós-estágio probatório. Tampouco me imagino cansando da busca pela excelência. Afinal, querer e buscar o aprimoramento parece estar na minha gênese profissional. Igualmente a consciência de que não sou melhor que ninguém. Talvez diferente, nada mais.
Ocorre que um concurso público me força a ler autores e obras a mim extremamente chatas. Eu leio Paulo Freire constantemente porque um dia quero ser freireano; hoje estou tentando ser. Mas, sobretudo, leio-o não porque alguém disse que eu deveria lê-lo. Leio porque nossa história, guardadas as devidas proporções, em alguns momentos é próxima. Leio-o como um curioso, como alguém que quer contextualizá-lo (seguindo seu próprio conselho), como alguém que gosta de ouvir histórias de vidas. Leio Freire porque aprendo sobre um Brasil que não está nas novelas. Não o leio para passar num concurso, nem para escrever sobre ele (muitos há que fazem isso muitíssimo melhor que eu). Lê-lo me faz bem e isso basta.


No entanto, um concurso me força a ler uma gente que não conhece a minha realidade. Autores que, com raras exceções, não conhecem dificuldade, pobreza, falta de grana e de oportunidades profissionais. As seleções mais parecem um bom negócio porque não cobram um preço razoável, senão um alto custo para que se arrisque uma vaga. Ademais as leituras em nada atestam minha capacidade em sala de aula. Gabaritar a prova não garantirá que terei uma boa relação com meus pares e/ou com meus educandos. Acrescente-se que a bibliografia, às vezes sugerida, pode ser ‘viciada’ ou no mínimo tendenciosa. Noutras palavras, significará que eu e todos os outros candidatos deveremos apreender o que estará querendo a banca examinadora com as perguntas que constarão da prova.


O que os autores pedagógicos intentam com suas publicações? E quando uma organização opta por este e não aquele autor, o que significará essa atitude? Quantos educadores ponderam o que leram durante o período preparatório pré-concurso e reconsideram depois, já atuando? E quantos destes problematizam as leituras pedagógicas? O que os pedagogos dizem dessa ‘chuva’ de publicações como se a educação fosse qualquer coisa? O que explicaria nosso frisson pelos autores estrangeiros em detrimento dos nacionais? Agora, acima de tudo, se lemos tanto, por que a educação está como está? Por que temos a sensação de os alunos de hoje andam aprendendo menos que ontem?
Ainda sonho com o dia em que bastará dizer o que penso sobre o mundo, sobre a arte, sobre a poesia, sobre estar vivo para poder compartilhar com outras pessoas e, assim, chamarmo-nos, concomitantemente, educador/educando e vice-versa.
Por que preciso parar de ler “O caçador de pipas” e ler o ECA; isso me tornará mais humano, mais compreensivo e compassivo para com os demais?


Sempre que busco conteúdo que devo estudar para um concurso, imprimo-o e lembro do Schopenhauer. Ele dizia que “quando lemos, outra pessoa pensa por nós”. E acrescentava que a leitura gradativamente ia tirando-nos a capacidade de pensar. E pode até ser duro, mas muitas vezes quando leio alguns teóricos da educação minha impressão se une com a do filósofo alemão: “leram até ficarem burros”
[3].

Paremos por aqui. Vamos retomar a audição de Lenine?







ILUSTRAÇÃO

Ilustração de Philip Reeve para “ISAAC NEWTON E SUA MAÇÔ, de Kjartan Poskitt, Cia das Letras, 2001.




[1] Parece chover no molhado comentar esse excelente músico, compositor e produtor. Então, apenas sugiro que se adquira o CD Na pressão. É muuuuiiiiiito bom.
[2] Respectivamente, o que citei foi publicado pela editoras Verus, Nova Fronteira, Intrínseca, Companhia das Letras, EST/Sinodal e Contexto.
[3] In “A arte de escrever”, L&PM, pp. 127/128.

01 janeiro 2008

BOAS DE 2007

01 janeiro 2008 0
Levi Nauter


A gente não deve constituir-se num enigma apenas para os outros, mas também para si mesmo. Sören Kierkegaard

Várias coisas boas aconteceram nesse ano. Claro que vou me restringir a cultura. Algumas coisas que fiz – sozinho ou com a Lu – foram gratificantes e confortadoras; recomendo-as.

AQUISIÇÕES MUSICAIS
O último (1) CD de Chico Buarque é simplesmente chover no molhado de tão bom que costuma ser. (2) Não me canso de ouvir a maravilhosa voz e os arranjos do seu maravilhoso CD de estréia que, pra variar, faz mais sucesso nos EUA e na Europa que aqui na sua terra (carioca da gema). Estou falando da excelente Céu – como disse num rodapé de outro texto: o disco é um céu afro-brasileiro.
Com muita alegria, encontrei o primeiro presente que dei ao amor da minha vida, a Lu. Meio sem querer, esbarrei no maravilhoso (3) CD ‘Sobre todas as coisas’, da Zizi Possi, que há muito estava fora de catálogo. Nesse ritmo, adquiri também o CD que serviu de trilha para o nosso primeiro beijo: (4) George Michael. Reler os encartes – antes enormes porque eram LPs – foi emocionante.
Agora possuo, com orgulho, os três discos daquela que, devo admitir, desafina ao vivo, mas encanta em estúdio: (5) Vanessa da Mata. (6) Jorge Benjor veio pra minha casa numa coletânea bem legal. (7) Caetano (em DVD) com o excelente show ‘Prenda Minha’ – velho mas bom. Falando em velho, ela sempre é demais: (8) Marisa Monte arrebenta duplamente, o CD de sambas está furado no meio de tanto que ouvimos. Os maravilhosos conterrâneos que nos deixam orgulhosos de ser gaúcho: (9) César Oliveira e Rogério Melo e o sempre bom (10) Pirisca – com o seu ‘Bem de bem’. Além do sempre manso DVD de Norah Jones.
Não podia deixar de fazer menção aos preciosos amigos que me abastecem com coisas boas – em todos os sentidos. Dois em especial. O gaudério pastor Guto, marido da doutora Camila. Com ele consegui algumas preciosidades: (11) Dave Matthews Band e os respeitados do (12) Buena Vista Social Club. O outro amigo, o estudioso Marco Aurélio, a quem carinhosamente chamo Charlie Brown, apresentou-me o Smoth Jazz. Que maravilha! Pelo menos uns cinco CDs. Além disso o seu gosto pela música instrumental, especialmente pela guitarra e o violão mostraram-me os super-excelentes violonistas Andy McKee, Don Ross e Antoine Dufour.

AQUISIÇÕES LITERÁRIAS
Minhas aquisições literárias precisam ser subdivididas. Há o que adquiri comprando e o que adquiri lendo. O que não comprei apreendi pela bondade de alguns amigos leitores que me emprestaram obras lidas. Guto e Camila me permitiram “comer” as palavras de Sören Kierkegaard. Ane me fez perceber que já não gosto de Max Lucado como antes, ele é bastante repetitivo no conteúdo e não apresenta nenhum contraponto ao que chamo de norte-americanismo. Em contrapartida, estou adorando Zusak. A Dra. Karin apresentou-me Mathew Fox, além de ratificar meu gosto pelos excelentes Rubem Alves, Leonardo Boff e Paul Tournier.
Outras descobertas literárias emprestadas vêm da elegante biblioteca municipal da cidade nova na qual estou morando: Nova Santa Rita. É pequena, aconchegante, com atendimento praticamente personalizado e com livros que ainda cheiram a novos. Nela encontrei boa parte da obra do maravilhoso Ítalo Calvino, além dos sempre recomendados Garcia Márquez e Guimarães Rosa.
Quanto às aquisições, lembro-me apenas da última: ‘A mensagem secreta de Jesus’, de Brian D. McLaren. Um livro que me surpreendeu e que merece uma resenha no devido tempo.

Em 2008 todas as minhas aquisições vão ser restringidas devido ao gasto que estamos tendo para realizarmos o sonho da casa própria. Ficarei na espreita de empréstimos (he, he, he, he). Amigos, se toquem!!!

RETRO 2007

Levi Nauter


As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa. Ítalo Calvino


Há um ano escrevi:

“Eu espero continuar brigando com quem quer simplesmente aproveitar as situações do dia-a-dia para tirar proveito próprio. Estou farto disso. Também não pretendo ajudar quem tem mais a dar do que receber. Darei oferta aos que realmente carecerem e não aos que nos amedrontam mostrando um mapa do inferno ou as maldições por eu ser “canguinha” ou, ainda, aos que intimam colocando no meu colo um santinho, um incenso, uma caneta ou algo assim. Chega!”

Incrivelmente, continuo com a mesma opinião, com poucas diferenças e uma constatação um tanto desesperadora: o mundo é dos vivos.

Embora eu não seja tão midiático assim, não consegui resistir aos apelos e resolvi escrever minhas retrospectivas. Elas pouco têm de pretensão, querem apenas ser registradas para deleite próprio. Afinal, esse tipo de programa (em geral sob o título Retrospectiva 2007) só interessa a quem apresenta. Ando com um hiato em meus escritos. Posso, guardadas algumas proporções, me unir à Clarisse Lispector (sempre espetacular): “Escrevo porque sou desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias.” [in A HORA DA ESTRELA]. Eu também estou de saco cheio. Menos mal que muito do que sonhei ou sonhamos (eu e a Lu) deu certo. A conclusão mais drástica desse ano é que, no geral, as pessoas querem levar vantagem em tudo. Chego a essa ponderação por tudo que vivi ao longo do ano.
Nesse ano terminei um bom período de psicanálise. A Dra. Karin Wondracek[1] fez o que pôde para eu me tornar mais criativo (penso que nem tudo está perdido). Foi um dos poucos momentos em que não me senti usurpado.
Minha relação com a Lu completou doze anos; ela entrou para os últimos cinco anos na casa dos trinta e eu cheguei à idade de Cristo. Minha valorosa mulher trabalhou bastante numa jornada de sessenta horas semanais. Oh, fibra! A Lu é meu braço forte.
Encontrei, cara a cara, alguns dos poucos amigos que merecem esse título. Vê-los foi me conhecer um pouco mais. São aquelas pessoas que não julgam, conversam, acrescentam, não ficam ‘chorando as pitangas’. Com esses poucos amigos a gente não emburrece, aproveita belos momentos de estar vivo.
Em contrapartida, briguei com outros que estavam mais para colega que para amigo. Não suporto autoritarismo, fatalismo, arrogância, falta de humildade, falta de diálogo. Por isso, ‘quebrei os pratos’. Ah, faria tudo de novo. Vá mandar nos capangas não em mim. Não sou empregado passivo, sou servidor. Alguns que conheço tenho até pena de suas mulheres.

A boa-nova desse ano é a efetivação do sonho da casa própria. Finalmente, depois de doze anos, conseguimos dar o pontapé inicial e quase acabado do nosso ninho. Nunca gastei tanto dinheiro na vida. Demoramos anos para juntar e em meses quase que vai tudo. Aí foi onde mais vi ‘atravessadores’. Cada um queria tirar um pouquinho. Que tristeza! Minha leiguice quase me fez sucumbir, isso só não ocorreu porque não somos bestas de ninguém. Estamos sofrendo para lidar com a ansiedade, aprendendo a negociar, a pedir descontos, a rogar por mais prazos. Nunca as previsões do tempo tiveram tanta importância nas nossas vidas. Foi um bom aprendizado notar pessoas considerando rápido aquilo que achei que demorou bastante.
Nesse ano aumentei minha carga-horária na docência. Sofri na tentativa de preparar aulas mais interessantes aos alunos. O feedback foi além das minhas expectativas.
Li muito, adquiri livros, CDs, DVDs. Comprei uma bicicleta (com a qual pouco andei, é verdade). Conversei com muitas pessoas, conheci um senhor de esquerda – agora, justificadamente, decepcionado. Ele foi duas vezes à Alemanha Oriental. Outros bate-papos teriam sido melhores se não tivessem ocorridos. Como ainda há quem tenha um bom discurso e uma repudiante prática. Como é fácil falar mais e fazer menos. É triste ouvir mais porcaria que sabedoria da boca de educadores. Conversei com uma pessoa extremamente preconceituosa e como foi ruim ter que – para ser coerente – ‘brigar’ com ela.
Estou numa ‘casa de passagem’. Morando enquanto a minha está sendo construída. Tenho convivido com coisas que não gosto: música, pra mim, de péssima qualidade; cachorros, visão de mundo completamente diferente da minha. É um outro aprendizado, bem difícil. Minha admiração pela cidade continua, agora mais crítico, mais ponderado. Não menos admirado.

Minhas aspirações para 2008 são:
A conclusão da nova casa, esperada e sonhada por doze anos (é ruim ser proletário). Desejo continuar me aperfeiçoando tanto na leitura quanto na profissão, se possível partindo para um vôo mais alto. Mas nada, absolutamente nada supera o sonho da paternidade. A maior emoão da minha vida será um resultado positivo de exame de gravidez com a mulher que amo. Até um quarto está sendo construído com esse fim.
Que venha 2008!

[1] Autora de algumas obras que recomendo com entusiasmo. Dentre elas, o último lançamento da editora Ultimato, Caminhos da Graça.
 
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