04 outubro 2011

Namore um cara que lê

04 outubro 2011 3

Ah, se eu fosse mulher...

Eu seguiria algumas dicas deste texto que li.

 

Levi Nauter

 

 

 

Namore um cara que lê[1]


 

Namore um cara que se orgulha da biblioteca que tem, ao invés do carro, das roupas ou do penteado. Ele também tem essas coisas, mas sabe que não é isso que vai torná-lo interessante aos seus olhos. Namore um cara que tenha uma pilha de três ou quatro livros na cabeceira e que lembre do nome da professora que o ensinou as primeiras letras.
     Encontre um cara que lê. Não é difícil descobrir: ele é aquele que tem a fala mansa e os olhos inquietos. Ele é aquele que pede, toda vez que vocês saem para passear, para entrar rapidinho na livraria, só para olhar um pouco. Sabe aquele que às vezes fica calado porque sabe que as palavras são importantes demais para serem desperdiçadas? Esse é o que lê.
     Ele é o cara que não tem medo de se sentar sozinho num café, num bar, num restaurante. Mas, se você olhar bem, ele não está sozinho: tem sempre um livro por perto, nem que seja só no pensamento. O rosto pode ser sério, mas ele não morde, não. Sente-se na mesa ao lado, estique o olho para enxergar a capa, sorria de leve. É bem fácil saber sobre o quê conversar.
     Diga algo sobre o Nobel do Vargas Llosa. Fale sobre sobre as novas traduções que andam saindo por aí. Cuidado: certos best-sellers são assunto proibido. Peça uma dica. Pergunte o que ele está lendo –e tenha paciência para escutar, a resposta nunca é assim tão fácil.
     Namore um cara que lê, ele vai entender um pouco melhor seu universo, porque já leu Simone, Clarice e –talvez não admita– sabe de memória uns trechos de Jane Austen. Seja você mesma, você mesmíssima, porque ele sabe que são as complicações, os poréns que fazem uma grande heroína. Um cara que lê enxerga em você todas as personagens de todos os romances.
     Um cara que lê não tem pressa, sabe que as pessoas aprendem com os anos, que qualquer um dos grandes tem parágrafos ruins, que o Saramago começou já velho, que o Calvino melhorou a cada romance, que o Borges pode soar sem sentido e que os russos precisam de paciência.
     Um namorado que lê gosta de muita coisa, mas, na dúvida, é fácil presenteá-lo: livro no aniversário, livro no Natal, livro na Páscoa. E livro no Dia das Crianças, por que não? Um cara que lê nunca abandonará uma pontinha de vontade de ser Mogli, o menino lobo.
     E você também ganhará um ou outro livro de presente. No seu aniversário ou no Dia dos Namorados ou numa terça-feira qualquer. E já fique sabendo que o mais importante não é bem o livro, mas o que ele quis dizer quando escolheu justo esse. Um cara que lê não dá um livro por acaso. E escreve dedicatórias, sempre.
     Entenda que ele precisa de um tempo sozinho, mas não é porque quer fugir de você. Invariavelmente, ele vai voltar –com o coração aquecido– para o seu lado.
     Demonstre seu amor em palavras, palavras escritas, falas pausadas, discursos inflamados. Ou em silêncios cheios de significados; nem todo silêncio é vazio.
     Ele vai se dedicar a transformar sua vida numa história. Deixará post-its com trechos de Tagore no espelho, mandará parágrafos de Saint-Exupéry por SMS. Você poderá, se chegar de mansinho, ouví-lo lendo Neruda baixinho no quarto ao lado. Quem sabe ele recite alguma coisa, meio envergonhado, nos dias especiais. Um cara que lê vai contar aos seus filhos a História Sem Fim e esconder a mão na manga do pijama para imitar o Capitão Gancho.
     Namore um cara que lê porque você merece. Merece um cara que coloque na sua vida aquela beleza singela dos grandes poemas. Se quiser uma companhia superficial, uma coisinha só para quebrar o galho por enquanto, então talvez ele não seja o melhor. Mas se quiser aquela parte do "e eles viveram felizes para sempre", namore um cara que lê.
     Ou, melhor ainda, namore um cara que escreve.











[1] In: http://acepipesescritos.blogspot.com/2011/07/namore-um-cara-que-le.html





07 junho 2011

SÓ FALTOU A RECEITA

07 junho 2011 0
Levi Nauter




Muito bem, até que enfim saiu quem já deveria ter saído há tempos. Aliás, existem muitos outros na política brasileira que tanto mandam e desmandam quanto enriquecem e dão-se por coitados. O que mais me espanta é ainda existir quem ache argumentos para sustentar um safadeza dessas.
Só faltou para nós, pobres brasileiros, a receita de COMO ENRIQUECER em 4 anos. Seria um Best-seller.


04 fevereiro 2011

prédica e prática

04 fevereiro 2011 0

Levi Nauter





“A maioria das metas não é alcançada da noite para o dia. / Se quiser ficar gripado, fique perto de pessoas que estão com gripe.”
TJ Hoisington[1]



 
Neste momento sobem os créditos de um bom filme. É a segunda vez que o vejo. Tenho a impressão de que o verei mais vezes, como ocorre com outros aqui em casa. Os atores não são, por si só, daqueles que justificam a plateia. Ele, Aaron Eckhart, não chega perto de um Al Pacino nem faria o tipo de homem que me agradaria – se por homens eu tivesse atração. Ela? Bem, ela me lembra mais outras pessoas do que suas próprias atuações. Por exemplo, o azarão com o Brad Pitt ou a morna sensualidade em Separados pelo casamento com aquele ator feioso, sabe[2]? Ela também me lembra o John Mayer, baita músico.
Sei lá como, mas aqui a combinação dos dois atores ficou boa. Soma-se a isso a ótima fotografia, o jogo de cores ficou maravilhoso. Seattle como cenário romântico funciona tão bem quanto para a medicina. O desfile de ‘echarps’ é admirável; aquele carrinho da Ford seria um sucesso em Nova Santa Rita. Eu também adoraria meditar no mesmo lugar em que o Burke Ryan foi libertar o passarinho. Um comentário musical vale para a maravilha de interpretação da Priscilla Ahn em Dream (fiquei feliz em ter conseguido o EP bem antes do lançamento do filme).
Gostei do filme porque não me pareceu um romance barato. Há uma crítica a essa febre norte-americana de se tornar guru de alguma coisa. Lembrou-me doutra critica vinda do bem humorado Pequena miss sunshine. Neste, o pai da menina tinha um discurso dicotômico: pregava algo que a família estava longe de viver.
Em O amor acontece o protagonista Ryan escreve sobre como lidar com perdas. Para cada situação adversa que alguém da plateia o confrontava, ele dava como receita algum capítulo de seu livro, quase sempre articulado com uma frase de efeito (normalíssimo nas obras de auto-ajuda). O contraponto colorido vem pela Eloise (papel da Jennifer). Ela vai fazendo-o notar que ‘falar é fácil, fazer é difícil’[3]. Viver a vida de maneira mais simples admitindo falhas e buscando o aperfeiçoamento parece ser uma boa alternativa a viver de discursos e aparências.
Vale a pena sentar na frente da TV para assistir a esse filme.



NOTA
Texto escrito em 30-01-2011. Digitado em 02-02-2011.




[1] Autor auto-ajuda, TJ Hoisington escreveu o terrível Vença no trabalho, vença na vida..., publicado pela Futura. Li-o, contudo não recomendo.
[2] Vince Vaughn.
[3] Paráfrase a um trecho da música “O dah ho”, do grande André Abujamra, parte do ótimo CD Infinito de pé. A letra diz “pensar é fácil, fazer é difícil”.

13 janeiro 2011

foi-se 2010

13 janeiro 2011 0
Levi Nauter




Há um significado especial para mim no ano que findou. Foi nele que acabei com as minhas dívidas. Ou melhor, acabamos – eu e a Lu – com aquilo que nos prendia. Podemos sonhar novos projetos. Deveria ser um privilegio de todos, porém, infelizmente, a vida real não é tão fácil quanto gostaríamos. É um feito, todavia, ter-se casa própria, em terreno próprio, sem alienação fiduciária; soma-se a isso não dever nada para ninguém e temos, então, boas razões para comemorar o esforço empreendido. Houve noites em que eu almejava conversar mais um pouco com a Lu, paparicar mais minha filhota, mas o cansaço, o sono foram prevalentes e eu acabei sucumbindo aos roncos. Tudo valeu a pena.
Dediquei-me a leitura de livros ligados à educação e à área jurídica. A ficção teve de aguardar nas prateleiras da minha sala de estudos. Pude constatar e ratificar minha preferência por bons autores nacionais àqueles que enveredam na escrita a partir do norte (e talvez só por isso ganhem status de norteadores). O sul tem mais ranhuras, eu acho; há mais sangue e mais calo. Nele é necessário largar o gabinete com o ar condicionado e suar a camisa, pôr a mão na massa. Numa metáfora com a construção civil, no Sul a gente é bem mais pedreiro e servente que mestre de obras ou engenheiro civil (ou, ainda, arquiteto). Faço coro com o meu mestre Freire preferindo ser suleador a norteador.

Os vivos são governados pelos mortos. Que nada, os vivos são governados pelos mais vivos ainda.
Jorge Mautner e Nelson Jacobina[1]

No campo jurídico, deliciei-me com a densidade de algumas palavras, ao mesmo tempo em que me rendi ao saudoso Tom Jobim: “quanta gente existe por aí que fala tanto e não diz nada, ou quase nada”[2]. O truncamento de alguns textos relembrou-me a máxima de que a lei parece beneficiar os mais abastados e, de preferência, os que pegam menos sol, em que pese o sol nascer para todos.

“As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa.” Ítalo Calvino[3]

Na prática profissional tive uma das minhas melhores experiências. Trabalhei, à noite, numa comunidade considerada de alta vulnerabilidade social. Acompanhei, in loco, o linguajar violento, a facilidade da briga pela briga; a chuleza da música funk – que banaliza o sexo – e a esperança cantada em versos, no balanço do hip-hop. Notei o descaso do poder público (especialmente no que concerne à saúde, ao saneamento básico, à infraestrutura do lugarejo) contrastando com placas que anunciam feitos de pouca repercussão prática. Trabalhar com EJA é trabalhar com a realidade de um submundo. Conversei com gente vinda do interior para tentar a sorte perto da capital; com aqueles cujos pais consideravam mais importante uma renda financeira a mais. Mas também com os que reconheciam ter usado a juventude para ‘aproveitar a vida’. Atendi à alcoólatras, fumantes inveterados, prostitutsas, catadores/recicladoress, pais(mães)-de-santo, pastores e aspirantes a pastores. Vi crianças tomando bebida alcoólica. Vi mulher, mas também homem apanhar de seus companheiros. Tocou-me sobremaneira ver muitas pessoas sob o efeito de psicotrópicos. Certo dia uma moça dizia estar vendo o capeta; ela colocava as mãos na cabeça (região dos ouvidos) e gritava: “sai pra lá, Deus está comigo”. Era de arrepiar. Um vacilo poderia significar uma bolsa, um casaco ou celular furtados. Por mais que nos considerassem mestres, um olhar ‘atravessado’, um ‘não’, um ‘estude mais!’ poderia custar alguns arranhões no carro. Eleger o como dizer sempre foi o ‘x’ da questão. Experiência de mundo real que possivelmente repetirei no ano vindouro.
Para mim, a síntese do ano seria a consciência do quanto um discurso pode criar ou destruir algo.
Que venha 2011.








NOTA
Texto escrito em 01-01-2011. Digitado ao som de Lizz Wright – CD Fellowship. Uma voz negra que não se encontra em qualquer canto. Vale a pena conferir.
A foto ilustrativa é da arte feita pela Lu, meu amorzão, para a nossa porta em casa.




[1] Trecho de ‘Morre-se assim’, uma das músicas do ótimo CD Eu não peço desculpas, de Caetano Veloso e Jorge Mautner.
[2] Música “samba de uma nota só”, de Tom Jobim e Newton Mendonça.
[3] CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. 1.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. Trad. Diogo Mainardi. Tradução de Lê cittá invisibili, 1972, pag. 44.

 
LEVI NA INTERNET ◄Design by Pocket, BlogBulk Blogger Templates