29 maio 2008

DIÁLOGOS SOBRE A EDUCAÇÃO - leituras

29 maio 2008 1

Levi Nauter



DIÁLOGOS SOBRE A EDUCAÇÃO

Abençoado seja o espírito de curiosidade (...) uma vez mais seja louvado o deus dos curiosos

José Saramago



Meu café está sobejadamente maravilhoso. Olho para o pátio da nova casa, a chuva faz aquele burburinho irresistível nos convidando para dormir ou assistir a um bom filme. Nada disso posso fazer agora. Mas não reclamo. Não reclamo, porém dou-me o luxo de parar a correção das aproximadamente 40 redações que me olham desaforadas. Sobre a mesa, repousam ‘Cabeça de porco’1 – obra que um dos meus alunos do ensino médio pediu que eu lesse – e ‘Crônicas de educação’2, obra da maravilhosa Cecília Meireles. Se eu pudesse, largaria tudo para me dedicar somente à leitura desses dois livros. Por ora isso não me é possível.

Ah, não posso deixar de fazer menção à música que serve de cortina para este texto. Trata-se do ótimo trabalho do guri John Mayer e seu CD ‘Room for squares’3 (como é bom ir a um balaio de grandes magazines e encontrar pérolas).



A pausa que dei nas redações para escrever este texto tem a ver com a leitura. Em outra escola que trabalho, recebemos a revista ‘Carta na Escola’ sistematicamente. E nessa última edição, um texto do professor Edmir Perroti chamou minha atenção. Em Sonhos e bibliotecas4 ele discorre sobre o quanto poderia ser útil uma biblioteca pública atual. Faz um pequeno levantamento histórico da situação em São Paulo, a partir dos anos 30, terminando com uma severa crítica aos ‘depósitos’ de livros, bem como sugere discretamente algumas alternativas.

Sinceramente, eu gostaria de crer que todas as/os bibliotecárias/os e auxiliares de biblioteca (ou outro nome que se queira dar) lessem tal artigo. Mais que isso, captassem não só a crítica mas as possíveis alternativas de reversão do quadro caótico que essas casas se encontram. Sou sócio em três bibliotecas públicas e em quase todas lembro da minha infância, ou tempo escolar.

Nunca esquecerei minha primeira ida a uma biblioteca escolar. Estava na quarta série, último ano de unidocência. Deveriam preparar-me para a multiplicidade de componentes curriculares; resolveram começar pela famigerada ‘casa de livros’. A professora-bibliotecária era uma anciã que botava medo em todos nós. Sua carranca não poupava nem os próprios colegas de profissão. Era impaciente com os curiosos alunos, entre os quais me incluía; odiava ser contrariada; amava mandar alunos “para a diretoria” - no tempo em que lecionava ciências. Agora, estropiada pelo tempo, fora colocada no seu derradeiro afazer: cuidar de livros. Fechados, os livros não resmungam, não contrariam, não retificam nem ratificam nada. São como os mortos. Abertos, vivos, fazem o que bem descreveu Caetano Veloso na sua poesia-música chamada ‘Livros’5: lançar mundos no mundo. Na mesma música, ele diz que “os livros são objetos transcendentes”, mas se pode amá-los “do amor táctil”. Pois na minha primeira vez na biblioteca isso era impossível. “Nada de tocar nos livros”, disse com voz cansada, “peçam para mim”. Visitamos todos os corredores, sentamos todos numa mesa parecida com a da Santa Ceia; recebemos o mesmo livro didático, abrimos na mesma página e lemos o mesmo texto: As Bodas. Não sei quem é o autor até hoje (talvez Freud explique), mas lembro-me muito bem do título. No ensino médio retomei minhas incursões à biblioteca; à noite, não havia bibliotecária. Era uma festa, eu pegava os livros, folheava-os, cheirava-os, dava leves batidinhas com os dedos para ouvir os sons que deles saíam. Desde então, música e leitura fazem parte de mim.

A biblioteca não pode simplesmente existir, entregando ao acaso sua dinamização” (p.41), afirma o professor Perrotti. É necessário estratégias, metas, eventos, entre outras iniciativas que visem trazer os leitores, os novos leitores e os não leitores. Dentre as sugestões do artigo está o “buscar e coletar a memória da comunidade, registrá-la, dar-lhe forma e sentido, recriá-la, disponibilizá-la sob diferentes formas, como exposições, boletins, livros e álbuns fotográficos” (p. 41). Eu acrescentaria a indispensável parceria entre os professores de linguagem com os servidores da biblioteca (pública ou escolar). Acho, por exemplo, que poderiam ser feitas oficinas de textos na biblioteca e não numa sala de aula; ou seja, uma oficina de texto rodeada de livros de todos os gêneros. Sessões de filmes, documentários e vídeos em geral cujo tema central seja a leitura e/ou a escrita pode ser uma alternativa.

Sobretudo, necessitamos de profissionais que gostem de ler. Há muita gente ‘escorada’ na biblioteca, isto é, não serve para a sala de aula nem para uma função mais administrativo-burocrática. A biblioteca não deveria ficar a mercê de quem odeia livros, produção textual. Mas não falo da leitura mecânica, aquela em que se lê para fazer um trabalho (apresentar aos colegas). Também não falo da leitura do Zeca (já que ninguém gava...) cujo objetivo é simplesmente estatístico: “já li tantos livros esse ano!”. Esse tipo de leitura é deseducativa, desestimulante e desgraçada. Essas leituras, paradoxalmente, cegam. Muito menos falo da leitura para “tirar uma mensagem” (conheço professores que me perguntam: “você tem alguma passagem de livro pra gente usar como mensagem no evento tal?”. Huurrrrrrr). Refiro-me à leitura que mescla prioritariamente o prazer. Que prazer? Do ato de ler, do lugar em que se está para ler, dos acompanhamentos da leitura (um café, uma música instrumental, um bloco para anotações, caneta ou lápis). Falo também do prazer de desenvolver a percepção daquilo que está escrito, ou seja, notar o suor do autor para dizer muito em poucas linhas; observar como foi dito o que se leu e poderia ter sido dito de uma outra forma. O prazer estético entranhado no jogo das palavras, na escolha e lapidação de cada frase, oração, período, parágrafo, capítulo. O prazer de verificar a liberdade do autor e o uso inteligente da mesma. Prazer, parece-me, também é esquecer o mundo real por alguns minutos ou horas e, tendo assinado um contrato de mentirinha com o autor6, mergulhar noutro mundo.

Como síntese do parágrafo anterior, diria que a pessoa atuante na biblioteca precisa ser mais exigente. Tem de conhecer o seu espaço, saber que livros estão por perto, quais ainda faltam, ter um certo nível de informação (não necessariamente de conhecimento) a respeito do acervo (o máximo possível) e, uno-me a Pennac7,

...é preciso dizer se é um romance, um ensaio, uma antologia de contos, uma coletânea de poemas, que a palavra “livro”, em si, na sua aptidão de tudo designar, não diz nada de preciso, um catálogo telefônico é um livro, assim como um dicionário, um guia turístico, um álbum de selos, um livro de contabilidade...

O serviço de biblioteca exige bem mais que uma pessoa que não deu certo em algum lugar. Se queremos uma educação de qualidade, uma geração de leitores e uma nova perspectiva estética temos de apressar o diálogo, as políticas públicas e privadas, bem como as ações efetivas.

Está lançado o debate. Continuemos!

1 Obra de Celso Athayde, MV Bill e Luiz Eduardo Soares, publicada em 2005 pela editora Objetiva.

2 A obra é uma parceria da Fundação Biblioteca Nacional e editora Nova Fronteira e publicada em 2001. recomendo a todos os professores e/ou educadores.

3 O CD (Sony-BMG) foi lançado em 2001 e é atualíssimo. Para quem não conhece o cara, sugiro que digite o nome John Mayer no YouTube e curta um monte de coisas boas. Há um show com a Norah Jones de tirar o chapéu e com a londrina que virou tema de novela brasileira, além de um show acústico no qual ele canta a boa ‘Neon’. Vale conferir.

4 Refiro-me a edição de maio, pp. 40-41. O site, na versão eletrônica, é www.cartanaescola.com.br

5 Há o clipe dessa música no DVD Prenda Minha.

6 Sobre esse assunto, vale a leitura de um bom livro: ‘Seis passeios pelos bosques da ficção’, de Umberto Eco, publicado pela Cia. das Letras.

7 PENNAC, Daniel. Como um romance. Tradução de Leny Werneck. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. tradução de Comme um roman. (p. 23)




ILUSTRAÇÃO
de Eva Furnari para o seu livro ADVINHE SE PUDER, 2.ed., Ed. Moderna, 2002.



06 maio 2008

[notas musicais - showzaço] – levi nauter

06 maio 2008 1




Na minha singela opinião, um bom show precisa ter duas características: (1) a hora passa correndo e (2) os espectadores têm diversas sensações. E penso isso por considerar que a música tem o poder de tocar corações, emoções, em que pese ser arte e não ter, portanto, esse compromisso ‘a priori’.


Eu e a Lu fomos ao Theatro São Pedro domingo, dia 27-04-08, às 18h. Saímos uma hora e meia depois mais leves, mais alegres, mais sensibilizados. Amando ainda mais a boa e versátil música brasileira. Assistimos ao show de lançamento do CD ‘Noites de gala, samba na rua’, da maravilhosa Mônica Salmaso, com participação – tanto no show quanto no CD – do grupo Pau Brasil (um quinteto sensacional que conta com grandes nomes da música instrumental: Nelson Ayres – piano; Paulo Bellinati – violão e cavaquinho; Teco Cardoso – sax e flautas; Rodolfo Stroeter – baixo; Ricardo Mosca – bateria e percussão). Todas as músicas são de autoria do sempre bom Chico Buarque.


Mas o bom do show é que a gente consegue ter a comprovação do quanto é maravilhosa a voz da Mônica. Ela não desafina um instante, faz solos junto com as flautas, com o piano. Seu ritmo é perfeito e provavelmente explicável porque ela também faz percussão em algumas músicas. O teatro estava lotado e todas as pessoas cantavam alegremente as canções. Num momento de rara beleza e sensibilidade, ouvia-se o fungar das pessoas em meio a entoação de ‘Você você’, música que Chico compôs para o neto. Em ‘Quem te viu, quem te vê’ a platéia mal se segurava na poltrona, que vontade de dançar! ‘Morena dos olhos d’água’, com baixo e piano foi uma bela surpresa. Os arranjos em contratempo da bela ‘Bom tempo’ quase encerrava o espetáculo que ainda reservava ‘Beatriz’ com o primoroso piano do Nelson.


Foi um show lindo, que instigava a aquisição dos raros CDs que ainda restavam no hall de entrada. Voltei pra casa embalado pelo meu exemplar. E ouvi-lo depois de escutar as histórias de sua produção é ainda mais interessante, ganha mais significado.


Suavidade, sensibilidade, virtuosismo e simplicidade marcaram a noite.


Fiquei sabendo mais tarde que este fora o show mais lotado do final de semana. A cantora e compositora Vanessa da Mata estava por aqui. Desafina bastante ao vivo, mas os três CDs valem a pena – tanto pelo instrumental bem alinhado quanto pela conceituação das letras. Maria Rita, que apelou pelo modismo midiático do samba, também estava na capital. Considero-a uma boa cantora e a admirava mais antes da fama, quando participava de músicas instrumentais (como no bom CD do Chico Pinheiro). Nenhum deles, conforme informações jornalísticas, lotaram tanto quanto as duas noites de ingressos esgotados da Mônica. Estive lá, estava excelente.



Salve, Mônica! Salve Pau Brasil! Viva a música brasileira!!!
 
LEVI NA INTERNET ◄Design by Pocket, BlogBulk Blogger Templates