30 dezembro 2005

QUE TENHAMOS MUITAS DIFICULDADES EM 2006

30 dezembro 2005 0
Levi Nauter

Eu vou estar torcendo para que todas as pessoas que conheço - tanto as que quero bem quanto as que ainda devo buscar esse bem querer - tenham um ano de 2006 cheio de dificuldades. Incluo-me nessa também.
A razão é simples. Não será possível um ano cheio de surpresas, de avanços, de vitórias sem os seus antônimos. Temos vitória depois de uma luta, avançamos na medida em que ultrapassamos nossos medos. E por aí se vai...
O novo ano promete. Ouviremos os grandes treinamentos de retórica. Escutaremos um caminhão de promessas. Vão-nos convencer de que, outra vez, a esperança deverá vencer o medo. Ouçamos, pois! Mas não nos iludamos, mudanças significativas não virão assim no más. Vamos tentar lembrar das famigeradas cabeças nas quais votaremos. Ou depois não reclamemos por termos votado em branco, outra faceta da democracia.
Continuarei tentando ser freireano. Continuarei buscando arduamente conciliar discurso e prática. Tentarei lembrar que Deus me criou com duas orelhas e uma boca e isso tem um significado.
Mas, sobretudo, quero ver Deus nas pequenas coisas (e excepcionalmente nas grandes também). Vou apreciar a beleza dos pequenos detalhes da vida que, de tanto sofrer alterações por mãos humanas, vão exigir outra façanha: a criticização do mundo.
Quero que todos se ralem. Até eu. Só assim, no próximo final de ano, vou poder fazer um bom balanço e não precisarei assistir a esses "programecos" cujos títulos são sempre os pobres 'RETROSPECTIVA 2005'.
Que venha 2006.
Cá estou.

22 dezembro 2005

FELIZ NATAL

22 dezembro 2005 0
Levi Nauter

Espero que neste natal esqueçamos os presentes, sejamos menos formais, saibamos dizer mais o que pensamos. que possamos refletir no sentido real natalino.
Chega de papai noel vestido com roupa de inverno em pleno verão. E chega do Jesus Cristo reduzido a Jesus Menino e, sobretudo, só lembrado em dezembro. O papel de Cristo vai além de um mês. Vai além do capital, além do bem e do mal.
Papai noel é a desculpa que inventamos para pedir, ganhar e dar presentes. É o momento em que escrevemos bilhetes para as pessoas chamadas amigas secretas. O secreto nem sempre funciona bem. O ideal seria lidarmos com as coisas à luz.
Escrevamos bilhetes sempre. Deixemos claras nossas opções sócio-políticas e intelectuais. Vivamos o hoje.
Mas, porque ainda somos formais,
FELIZ NATAL !!!

17 dezembro 2005

Ainda vou ser deputado

17 dezembro 2005 0
Levi Nauter
Ainda vou ser deputado. Não me importarei com trabalhar extraordinariamente. Vou amorcegar ao longo do ano. No final, proponho trabalhar "duro". Às pessoas direi que isso mesmo, vida de parlamentar não é fácil. É preciso ter estudo, ser esperto. Ah, tem de saber trabalhar com a palavra. Toda e qualquer fala precisa de um 'viés' político, o povo tem que ver comoção em minhas palavras. Não tomar muita água poderá dar o mesmo efeito. Quero apertar a mão de todos e todas. Elas gostam mais, ficam frenetizadas com minha barba por fazer. Dizem que sou meio charmoso. Assim, ganho votos, 28 mil por mês. Assim garanto meu sítio, minha cobertura. Lá de cima vejo todos pequenos, todos os que me sustentam. Tenho pena deles. Mas minha mãe (sábia mãe) sempre dizia: os maiores comem os menores.
Preciso me preparar para daqui a pouco comer uma galinha enfarofada para sair bem na foto. Quero pegar uma coxa, colocá-la na boca, dar um sorriso e clique, tá pronta a foto.
Quando for deputado quero parabenizar esses espertos que ganham bem sem fazer nada. Vou dizer solenemente: - muito prazer...
Depois é só abrir uma conta e deixar rolar, como água, 20 mil por mês. Mais a convocação extraordinária né. Afinal, ninguém trabalha de graça.

06 dezembro 2005

Prefiro 12 mil a 300 reais

06 dezembro 2005 2
Levi Nauter


Sorri com tranqüilidade
Quando alguém te calunia.
Quem sabe o que não seria
Se ele dissesse a verdade...
Mário Quintana


Foi lamentável ouvir de um representante do povo que ganha mal, apesar de receber em dia. Num país onde milhares, a maioria, ganha em média o salário mínimo ouvir de um parlamentar que sua remuneração é pouca é, no mínimo, triste. Nem parece que são eles quem aprovam esse salário de miséria – e que, às vezes nem é pago em dia.
Vamos combinar: 12 mil reais não é pouco. Seu Zé que tenha a ‘santa’ paciência!
Não dá mais para relevar. Chega de ter que apoiar coisas inaceitáveis, não éticas, imorais ou injustas, falaciosas em alguns momentos, sofismáticos noutros. De minha parte, cansei. Estou farto de viver ouvindo sobre o poder. E acho, sinceramente, que o poder corrompe. Bem nos alertava Sófocles
[1] em sua famosa peça Antígona:
"Não se conhece verdadeiramente um homem, sua alma, sentimentos e intenções, senão quando ele administra o poder e executa as leis." (p. 12)

Prefiro a ignorância bela das gentetudes a ver engravatados (ou gente com o mesmo poder) arrogantes, com falsa modéstia divagando sobre pobreza, sobre fome. Como é fácil falar de fome quando não a temos. Não é difícil falar de terra quando temos um pedaço de chão. É fácil falar “de angicos a ausentes”
[2] quando falamos, pegamos nosso cachê ou não, mas, sobretudo, voltamos a nossa cidade e continuamos publicando livros para uma certa elite aqui ou ali – mesmo sabendo que eles continuarão angicos e ausente.
Que exemplos nos dão quando não ensinam o respeito mútuo e, assim, vale bater no outro e – em nenhuma hipótese – deixa-se batido por outrem. O outro seria menos humano? O que é respeitar, conviver, cantar, almoçar ou jantar com as diferenças nesse ínterim?
Mas, como diria Vinicius de Moraes, ainda tenho “essa pequenina luz indecifrável a que às vezes os poetas dão o nome de esperança” (Moraes apud Alves, p. 67)
[3].
Sim, ainda tenho esperança.
Espero banir alguns nomes da política partidária – pelo voto, claro. Espero poder contribuir com a educação ao provocar a criticidade em meus alunos, quando lhes disser que poderão ler e escrever à vontade porque não darei nota. Espero poder rir com os desdentados sem o receio de ser ridículo, pois cansei de ficar perto de empiriquitados (as). Espero ser um profissional da educação que busca a excelência, não importando se isso será de esquerda ou de direita. Neste caminho vou querer melhorar financeiramente, mesmo que não ganhe os 12.

Continuarei político, todavia. Só deixarei de sê-lo quando morrer. Não será porque não tenho filiação que deixarei de fazer críticas ao que aí está – e ao que vier. Sei o meu lugar, sei aonde posso ir, sei dar a volta, consigo passar ao largo. Sei ser arrogante também. Sei aproveitar oportunidades, sei fazer falcatrua. Sei fazer prova e passar sem passar. Também vivo o paradoxo de ser educador e pseudoeducador freireano. Busco autonomia, embora paradoxalmente negue-a a outros. A única diferença é que não sou “malandro candidato a malandro federal” nem tenho “retrato na coluna social”[4]. E mais, não ganho 12.
O ano de 2006 poderá ser diferente. Ao eleitoral. Receberemos visitas ilustres. É assim mesmo: uns desprezam os valores, outros se contentam com os 12. É melhor que 300. por alguns meses irão nos abraçar, beijar, ligar. Até o celular, talvez, saberemos o número. Como num filme, alguns meses depois:
Que horror quando o celular não toca!
Ninguém está se lembrando de mim!
Ninguém precisa de mim!
[5]

Mas não adianta. Na pseudodemocracia que temos, na qual votar é uma obrigação, há quem
Tem um jeito manso que é so seu
Que rouba os meus sentidos
Viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo
Ri do meu umbigo
E me crava os dentes
[6]

E assim vamos vivendo de amor, diria Lupicínio Rodrigues. Devo ratificar, enfim, que ainda prefiro 12 a 300. Como nem tudo é perfeito, paro de escrever porque tenho que trabalhar para me sustentar.

NOTAS


[1] SÓFOCLES (496-406 a.C.). Antígona. Trad. Millôr Fernandes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
[2] BRANDÃO, Carlos Rodrigues. De angicos a ausentes: quarenta anos de educação popular. Porto Alegre: MOVA-RS; CORAG, 2001. Obra-relato do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos do RS.
[3] ALVES, Rubem. Se eu pudesse viver minha vida novamente. 6.ed. Organização de Raíssa Castro Oliveira. Campinas – SP: Verus Editora, 2004.
[4] Fragmentos da música Homenagem ao malandro, do grande Chico Buarque.
[5] Texto do Rubem Alves. Idem à nota 3.
[6] Fragmento da música O meu amor, de Chico Buarque.

05 dezembro 2005

Sin Permiso

05 dezembro 2005 1
Retirado do VIDANET
Todos os políticos, sobretudo os de esquerda, deveriam ter em letras gigantes, pendurado na parede, para não esquecer nunca, que está proibido, terminantemente proibido, pecar contra a esperança.
Eduardo Galeano,
em entrevista à revista catalã Sin Permiso.

27 novembro 2005

VOU VIAJAR

27 novembro 2005 2
Levi Nauter
Estou quase indo viajar. Não farei uma viagem dessas comuns. Vou sair de um lugar e ir para outro. A rotina me incomoda, esse negócio de ficar sempre no mesmo lugar não dá certo. Sem contar que eu não gosto de apenas discursar e não cumprir. O mundo já está cheio de gente assim - que diz e não faz - não precisa de mais um. Ser educador exige que gostemos de preservar as palavras - tanto no sentido da boniteza quanto no cumprir com ela.
Por isso vou espairecer. Quero ver outros lugares, outras pessoas, sonhar outros sonhos. Quero (re)organizar minha vida, planejar de novo. Quero pegar outro ônibus. Quero contribuir mais efetivamente. Poder discutir tete a tete, ser escutado ou bronqueado quando fizer jus. Quero ter algum dia de folga - porque acho bom para viver. Só trabalhar 24 horas por dia não nos deixa viver. Ao contrário, nos faz envelhecer mais depressa, nos tornamos mais chatos. Quero não fazer nada, me espreguiçar, bocejar, ouvir música, ler, escrever. Chutar o balde, a pedra. Dormir, dormir muito. Comer, beber.
Aos trinta e um anos, acho que já posso começar decidir o que quero.
2006, aguarde-me !!!

23 novembro 2005

Poesia # FINAL DE SEMANA

23 novembro 2005 1
Levi Nauter

Hoje despi-me de tudo
tirei a roupa burocrática
desvesti minha voz do politiquêz
e do politicamente correto

Fiquei pelado
optei por dizer palavrão
esqueci de falar pausadamente
quis correr, após passar o dia num balcão

Encontrei uma mulher
abracei-a, alisei-a
deixei correr meus dedos em alguns lugares
juntos
fomos à praia

Lá, dormimos
pisamos na areia
fizemos amor
o sono veio
a rede
eu
ela
nós
zzzzzzzzzz...

18 novembro 2005

CHUTEI A PEDRA E TIREI A UNHA ENCRAVADA

18 novembro 2005 0
Levi Nauter
Cresci sob um teto sossegado,
meu sonho era um pequenino sonho meu.
Na ciência dos cuidados fui treinado.
Agora, entre meu ser e o ser alheio
a linha de fronteira se rompeu.
Waly Salomão [in Algaravias, Editora 34, p. 21]
Já não aguentava mais. Caminhava, caminhava e desgraçadamente enxergava aquela maldita pedra no meio do caminho. Acho que nunca vou esquecê-la. Mas hoje tomei uma atitude. Puta merda, chutei a pedra. No início doeu o dedão do pé. Foi bom, descobri uma unha encravada. Deixei-a de molho n'água por alguns minutos e, pimba, foi-se.
Agora estou tendo tempo - uma vez que a pedra não atrapalhou mais meu caminho e, portanto, pude chegar em casa - de rir com as piadas contadas no Planalto. Incrivelmente Deputados, que ganham bem para bem intervirem nas questões legais, não sabiam dos prazos de início e/ou término de seus trabalhos nas comissões 'para lamentar'. Contudo, temos ainda de lutar para o fortalecimento da democracia e, nesse ínterim, deslizes irão ocorrer. Ao mesmo tempo teremos de sugerir ao Congresso Nacional que comece a visitar livrarias (essas megastores da vida) na busca de bons livros existentes no mercado que tratam dA importância do ato de ler.
Acho que esse povo começa a ser minha nova pedra. Já sem a unha encravada por não estarem exatamente no meu caminho, o que poderia eu fazer?

05 novembro 2005

O EXEMPLO DRUMMOND

05 novembro 2005 1
Levi Nauter

Tanto Drummond como seus companheiros do Modernismo nos dão uma lição: temos de ousar fazer coisas diferentes. Por minha vez, estou peleando contra as frustrações da vida. Por vezes penso que pouco há o que fazer; noutras, acho que tenho de continuar tentando. Enfim, fico com as duas opções: nalguns momentos fico triste, em outros busco a felicidade. Não é muito fácil. Talvez essa seja a razão de a felicidade ser uma constante e incansável busca.
Ainda assim, o exemplo Drummond me vem a mente ao lembrar que todos queriam divagar sobre assuntos politicamente corretos. De repente:
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
No meio do meu caminho ainda tem uma pedra. Penso que, como esse autor, nunca esquecerei esse acontecimento. Pois, no meio do meu caminho ainda tem uma pedra. Lá está ela. Não sei se chuto, não sei se passo ao largo.
Mas estou vendo-a,
no meio do caminho.

20 outubro 2005

ESTOU VENDO A MORTE

20 outubro 2005 5
Levi Nauter
"Em seu féretro com panejamentos de púrpura,
separada da realidade por oito torniquetes de cobre,
a Mamãe Grande estava então por demais embebida
e sua eternidade de formol para perceber
a magnitude de suagrandeza."
(García Marquez, in Os funerais da mamãe grande)
Não gostaria de ter que admitir. Mas ela está rondando meus entes queridos. Minha mãe está morrendo. Já não posso mais negar, queria que tudo não passasse de uma ilusão, gostaria de ver minha mãe gorda e saudável, forte e convincente, lúcida e guerreira. Ao contrário, vejo-a como uma caveira, não porque quero, é que assim ela está. Seu olhar é fundo, quando a abraço sinto os ossos escondidos por uma pele escura e judiada – pele recheada de hematomas, cicatrizes (aproximadamente quatro cirurgias de hérnias), feridas que insistem em contaminar em função de uma diabete quase implacável. São algumas pistas da morte que vem chegando. Agora, sob controle, lá estão os sinais das tais feridas que tanto foram coçadas.
Olho para ela e sinto-a como que querendo abraçar a dita cuja. Como se dissesse “venha, estou pronta para dormir o sono das sombras”. Há nela um olhar de morte, de desespero, de “me tirem desse mundo”. Ar de sofrimento que se esgota, de quem já apanhou que chega da vida mesclado por uns tapas do marido (aquele para quem ela se entregou, foi fiel, deu). Ar de quem, nalguns momentos, defendeu-me de apanhar nas vezes em que fiz ‘arte’, nas vezes em que tentei ser gente e meu pai não entendeu. O fio de luz com o qual eu apanhava parou, fortemente seguro pelas mãos da mãe. A mesma mão que fazia faxina para complementar a renda familiar. Também a mesma que ousou trazer gibi para os filhos lerem algo que não fosse a Bíblia. Igualmente a que trouxe uma televisão quando um desgraçado evangelho pregava a teologia do medo.
Sua voz anda embargada, sem forças. Não tem a mesma impetuosidade de outrora, quando gritava “vem pra dentro ou entrego vocês pro pai” ou ao dizer “é um diabo esse guri”. Ainda a mesma que amedrontava ao dizer “não vai te passar com as tuas irmãs”. Ah, voz. A idêntica que noutros tons deve ter sussurrado com meu pai e, puxa, a sinônima que o mandou-o embora ao saber que fora traída. Finalmente, a mesmíssima que foi abafada na tentativa de esconder choros devido aos sofrimentos psicológicos.
Pernas fracas. Elas estão entregues às traças, já não têm a mesma firmeza das vezes em que caiu comigo no colo sem que eu alcançasse o chão. E que colo bom era... Lembro-me dele quando nossa casa destelhou. O colo, o cobertor, um saco plástico e as rezas nos salvaram.
.......

23 setembro 2005

O QUE FAZER?

23 setembro 2005 0
"Escrevemos para denunciar o que dói".
Eduardo Galeano
O que nos resta fazer como educadores que prentendemos ser? Como pedir e tentar ensinar aos alunos a importância do respeito ao outro, o direito de o outro dizer o que pensa - ainda que discordemos? Como ensinamos democracia num país em que ela parece ser comprada? Como dizer "aluno, não é legal brigar" quando um deputado quase fura o outro? Ultimamente tenho ficado com vergonha desse parlamento. É claro que entendo a democracia como sendo um processo e que nele estamos longe. Contudo, imagino que nossos reperesentantes, sob nenhuma hipótese, deveriam assim se comportar. Tenho feito um esforço sobremaneira para continuar tendo esperança. Mas está difícil.

16 setembro 2005

A COISA MAIS LINDA DO MUNDO

16 setembro 2005 0
A coisa mais linda do mundo foi ter Roberto Jeferson na Câmara.
Era o único momento em que aquele lugar ficava cheio.
Eles estão certos: nós somos legais, pagamos bem aquele povo. Eles fazem um monte de coisas por nós, tipo nos desarmar. Além do mais, alguns senhores só saem de lá para se aposentar. Aqueles ínfimos 21.000,00 são suas únicas formas de ganha-pão. Coitadinhos.
Agora com a saída do Je, quem vai encantar? Quem fará aquela casa encher?

14 setembro 2005

MEUS GRILOS

14 setembro 2005 0
Levi Nauter

Minha casa é de madeira. Tem dias que ouço o belo barulho dos grilos – prefiro dizer que eles cantam. O problema é não agüentá-lo mais, após aproximadamente vinte minutos. O que era bom passa a ser ruim. Antes um som da natureza criada por Deus, de repente, um ensurdecedor ‘demoninho’ devido o barulho que faz.
Comecei a pensar no meu cotidiano. Sou cheio de grilos, de problemas interiores. Nalguns momentos acho isso legal pois cresço, supero-me, pareço imbatível. Se me descuido sou insuspeito, ando como quem não tem problemas, eretamente, olho pouco para os lados. Noutras ocasiões sinto-me derrotado, não avanço, milhões de coisas passam pela minha cabeça. Parece haver literalmente um grilo na minha mente. Tomo cafezinho, ligo o som (para ouvir alguma música ou alguma voz), olho televisão, rezo em pensamento – quando não de joelhos mesmo. Penso nas famigeradas frases de efeito algum, como “quem mexeu no meu queijo”
[1], “não faça tempestade em copo d’água”[2]. Choro, tento rir. Respiro fundo, confiro os batimentos cardíacos, torço para a hora passar. Suo, tomo água. Quando indagado sigo meu clichê: ‘tudo bem! E com você?’
Mas sabem o que é pior? O grilo não vai embora. Um dia bati na parede de casa devido a zoeira do bichinho. De nada adiantou, trinta segundos depois lá estava o cricrilar. Minha vida é assim e acho que não sou o único: meus grilos vêm e vão, um dia estou bem, no outro mais ou menos, em seguida, mal.
Por isso é que certas pessoas são importantes. Elas nos mostram o grilinho que o vemos como grilão. Dão-nos pistas para melhorias, perguntam para podermos responder muito mais a nós do que para elas. Existem outros que parecem ter o dom de apenas olhar, apenas fazer um gesto. Nada falam, mas tudo dizem. Ainda existem os duros na queda. São os que nunca estão satisfeitos, os desafiadores, os lançadores dos terríveis ‘por que isso, por que aquilo?’. Os mesmos que alfinetam ‘tá bom mas poderia ter ficado melhor’. Toda essa gente pode ser chata em algum momento, os grilos também o são. Acho que a vida seria sem graça com a ausência desse pessoal; os ‘moles’ me fazem ver que não sou tão ruim quanto pareço às vezes, os ‘durões’ me desafiam para o presente hoje e para o futuro. Ambos mostram minha gentetude
[3], mostram-me que só erro por ser humano, sou humano graças a eles.
Descobri, com um misto de alegria e tristeza, uma coisa: sou cricri.

NOTAS:


[1] Obra do Dr. Spencer Johnson da qual surgiu outras bem ao estilo made in USA. Ex.: “Quem mexeu no meu queijo?” para Jovens. Ah, a publicação é da Record.
[2] Segue a mesma linha do item 2. Obra de Richard Carlson, publicação da editora Rocco, o livro ganhou versões como Não faça tempestade em copo d’água (no amor), Não faça tempestade em copo d’água (no trabalho), Não faça tempestade em copo d’água (com a família), Não faça tempestade em copo d’água (para adolescentes), Não faça tempestade em copo d’água (para homens), Não faça tempestade em copo d’água (para mulheres). Viu como cansar.
[3] Expressão cunhada pelo quase imortal Paulo Freire.

09 setembro 2005

Brasil I love you

09 setembro 2005 0
Levi Nauter, 09-09-05
Eu amo o Brasil. Isso precisa ficar claro antes de alguns esquerdas considerarem que sou falso ou coisa que o valha. É exatamente por amar que não estou contente com ele. Se não amasse seria indiferente quanto aos acontecimentos atuais. Essa vergonha nacional - que não começou e tampouco terminará agora - exige que busquemos informações, leiamos jornais, revistas, assistamos televisão e troquemos impressões com outras pessoas. Também não pode ficar de fora uma busca bibliográfica da história, até para ratificarmos o reflexo de outros tempos no de agora.
Na minha vida particular, posso dizer que amo a Lu. Mas também tenho de confessar que, às vezes, nos estranhamos. E no amplo sentido da palavra. Por vezes não a conheço nem ela a mim. Então levamos algumas horas, quando não dias, para retomarmos o diálogo, (re)estabelecer a fraternidade, o bate-papo descontraído. Parece que, nos primeiros instantes, um de nós fica meio desconfiado, olha meio de soslaio. Mas, de repente, tudo fica bem, as coisas voltam ao normal e, suponho que pelo amor que nos sentimos, vamos esquecendo d'outrora e tocamnos o barco. Contudo, até chegar aí reivindicamos, protestamos, ficamos 'de bico', entre outras demonstrações. De uma coisa continuo tendo certeza: continuo amando em que pese minha discordância. Marisa Monte dá o clima (Amor I love you/Amor I love you/Amor I love you/Amor I love you).
Com o Brasil é a mesma coisa. Continuo amando-o. Todavia não posso aceitar essa coisa que anda acontecendo. Muitos trabalhadores sem aumento há um bom tempo, enquanto alguns assessores de deputado com a sorte de ter bons rendimentos. Nosso Presidente não fala efetivamente da crise, e, quando o faz, resvala em contradições quase imperdoáveis. Tenho a impressão de que temos, governando o país, o melhor que poderíamos ter. Ainda prefiro esse pensamento que engatinha para o social a ver governos sem o mínimo de preocupação com isso. O presidente da Câmara é uma calamidade, acho até que tem de sair. Mas quem irá assumir? Vai mudar radicalmente alguma coisa? Sinceramente penso que não.
Por amar esse país, acho que o Presidente deveria dar uma explicação mais convincente da situação. Por esse mesmo amor tento renovar minhas esperanças na tentativa de tirar o medo que ainda me ronda buscando tragar minha confiança na classe político-partidária brasileira. Só algumas questões ainda não entram na minha cabeça. Ser patriota não é exatamente andar com uma bandeira do Brasil a tiracolo. Meu amor ainda não é ágape, ainda não morreria pelo país. Meu amor parece ser platônico: vislumbro que nalgum dia sejamos livres, independentes - inclusive da grande mídia, ou seja, conseguindo ler, ver e ouvir de tudo sob o crivo da criticidade aliado à raivosidade sadia pois esta não me deixará passivo.

16 agosto 2005

CORTEI OS BRAÇOS

16 agosto 2005 0
Levi Nauter, em 16-08-05
Mais do que nunca a matraca (que tratei no texto "A matraca nossa de cada dia" - ver ícones) tem funcionado. Também nada mais atual que as grandes composições de Chico Buarque. A história tem andado em círculos. A matraca tem corrido solta a dizer que de A a Z ninguém é inocente. Chico continua dizendo "que a coisa aqui tá preta".
Eu decidi "cortar os braços". Não quero ser de direita nem de esquerda. Já achava esse papo um tanto ultrapassado. Agora, acho vergonhoso. Não me interessa o lado. Quero pensar no social, no humano; mas também no conforto de uma bela casa, olhando e curtindo um DVD; na encomenda de livros pela internet. Chega de achar que a tecnologia é retrógrada ou elite. Todos têm de ter acesso a ela. Claro que continuarei apreciando uma boa horta, colher a fruta do pé; não achar que a agricultura familiar salvará o mundo, em que pese ser importante.Também vou querer que todos tenham direito à terra, à iclusão digital, à educação de qualidade, ao emprego com um salário digno (e não precisa ser de R$ 21.000,00 como o de alguns privilegiados) porque sei poupar.
Vou continuar lendo e me emocionando com Paulo Freire. Como ele, vou querer, com toda minha força, preservar e fortalecer as instituições democráticas. Lerei mais de uma vez o Manual do perfeito idiota latino-americano (editora Bertrand Brasil), bem como todas as obras que me parecem úteis. Em todas quero continuar exercendo minha criticidade, minha dúvida impulsionadora da pesquisa e geradora do saber que, com o tempo, torna-se em conhecimento.
Continuarei achando abominável aqueles que dizem uma coisa e fazem outra. Ainda considerarei absurda a atitude dos que têm um discurso democrático e uma prática repressora. Ou dos que ainda interrogam: "você sabe com quem está falando?". Ou daqueles que se sentem no direito de tudo por estarem numa posição momentânea de poder.
Mesmo contra a maioria, discordarei de que "a voz do povo é a voz de Deus" - embora refletirei na importância de ouvi-la. Mas quero um mundo mais justo, mais humano, mais coerente, mais dialético e menos, muito menos, corrupto.
Minha vida vai continuar. Os projetos que tenho não vão parar só porque alguns grandes andam mais pra lá do que pra cá. Ainda vou ouvir muita música de qualidade, essencialmente a brasileira e a instrumental. Também vou ler Garcia Márquez ( Memórias de minhas putas tristes promete...), Saramago, Cony, Galeano, entre outros. Quero desprender-me desse sistema. Aliás, "o sistema esvazia nossa memória, ou enche a nossa memória de lixo", disse Galeano.
Se tudo isso é se de esquerda, sou esquerda. Se de direita, que seja. Cortei meus braços. Agora só possuo a mente e as pernas. Agora vejo, penso e decido o lado para o qual vou andar. Não tenho mais como me agarrar seja em qual lado for. Estou acostumando a desapegar-me.

22 julho 2005

SE O PAULO ESTIVESSE VIVO

22 julho 2005 0
Levi Nauter


"Nossa preocupação deve ser com melhorar a democracia, e não apedrejá-la, suprimi-la, como se ela fosse a razão de ser da falta de vergonha que aí está. (...)...o que devemos fazer é aperfeiçoar as instituições, diminuindo as facilidades que ajudam as práticas antiéticas." (Paulo Freire in Cartas a Cristina, p. 20)


As palavras do grande educador ainda continuam ressonando pelos livros e pelos corredores das academias. É fácil notarmos que lê e diz aos quatro cantos "eu adoro Paulo Freire". Mas poucos têm a práxis freireana. Paulo ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores. Como ele reagiria frente ao que estamos assistindo? As nulidades, como diria Rui Barbosa, estão crescendo assustadoramente. O silêncio de alguns é crítico, o de outros não acontece - infelizmente - por sentir-se político.
Estamos assistindo a um jogo frenético de poder; a trocas meramente político-partidárias, à barganhas por, sim, 'más companhias'.
Contudo há que se ter esperanças, temos de tirá-la do garrão. Temos de reconstruir, refazer nossas ideologias políticas. Inevitavelmente somos políticos, por isso não resta outra alternativa a não ser a morte - caso não aceitemos a renovação da esperança.
Cá comigo, ando atrás dessa dita cuja. Por vezes expulsamos quem não deve enquanto deixamos de lado aqueles que realmente deveriam fazer as malas. Mas a vida é assim mesmo (por vezes caímos nessa...). Resta-nos seguir em frente, torcendo para que os 'maiores' comecem ouvir os supostamente menores.

16 julho 2005

COMO ANDA O BRASIL

16 julho 2005 0
Estou como andam as coisas no Brasil: feias.
Estou como as pessoas estão em relação a tudo o que está acontecendo: caladas.

Estou sentindo o que muita gente anda sentindo: vergonha.

Às vezes ao ser muito justo acaba-se por tropeçar na própria justiça.

Estou preferindo não falar, tal é minha indignação.
Chega de demasia.
Chega de tentar ser o arauto da justiça.
Chega de se achar o 'puro'....
chega...

21 junho 2005

PERGUNTA AO DIRCEU

21 junho 2005 0
Um cidadão comum dificilmente é atendido por alguém com uma reputação bem poposuda (como diaria Edu K). Não sei se algum dia conseguirei conversar com José Dirceu, agora ex-ministro da Casa Civil. Mas se conversasse diria que fez a melhor escolha. Há momentos em que nossa melhor escolha é desistir. É parar. É dizer "vou continuar pensando o que até aqui pensei, porém noutro ângulo, sob outros holofotes".
Melhores ainda são as perguntas do nosso célebre Drummond. Aliás, nosso cotidiano tem ressucitado uns quantos mestres da nossa língua. Mas, leiamos o que o Carlos perguntaria:

e agora, José?
a festa acabou,
a luz apagou
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
(...)
está sem carinho,
está sem discurso,
(...)
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia,
e tudo acabou,
e tudo fugiu,
e tudo mofou,
e agora, José?
e agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
(...)
sua biblioteca,
(...)
sua incoerência,
seu ódio - e agora?
com a chave na mão,
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
(in Andrade, Carlos Drummond. Seleta em Prosa e Verso. 12 ed. Rio de Janeiro: Record, 1994.)
Preciso dizer alguma coisa?

17 junho 2005

ESCLARECIMENTO: não consigo ser alegre o tempo inteiro

17 junho 2005 0
Levi Nauter, em 17-06-05.

Resolvi deixar algumas coisas claras. Aquele papo tipo 'vamos conversar sobre a relação' bateu-me. Andei ouvindo que sou depressivo, que graças a Deus não tenho arma (nem poderia, a campanha do desarmamento e a minha opção político-social não permitiria). Opiniático, diria Machado de Assis, e assim me sinto. Não acho a vida cor-de-rosa, não a considero fácil. Também sofro com as desigualdades, acho um saco o que a grande mídia propõe-nos apenas porque vende ou dá IBOPE. Não suporto a superficialidade de muita gente, a vida de plástico, a prostituição social, o enriquecimento ilícito de muitos PPs (políticos, pastores e, sim, padres). Tenho ojeriza aos que não sabem ou fazem-de-conta que não sabem dos seus papéis, direitos e deveres; dos que tomam favores como se fossem direitos adquiridos; dos que misturam as coisas - dos que separam as coisas. O que tenho feito até agora é dizer, é trazer à luz, tornar claro. Possivelmente não para os outros mas para mim mesmo. É escrevendo que busco ordenar meu caos. assim é que me permito (re)ordenar, assim faço-desfaço-refaço-me. Este é o processo pelo qual 'saio de mim' de vejo 'de fora', à distância, e, parece, vou conseguindo me estabilizar.
Penso que a vida não está melhor nem pior que antes. Está como sempre esteve, a diferença é que hoje os holofotes são mais agressivos. Hoje temos um maior número de informações ao nosso alcance - algumas, descartáveis, sem profundidade, é verdade. Não me choco tanto com as coisas, talvez aí meu defeito. Espero e imagino que a natureza adâmica é, na essência, má, egoísta e mortífera. Morte, traição, dissimulação, intransigência e a lacônica pulsão de morte estarão nas entrelinhas das relações interpessoais - muitas vezes travestida de elegância. Afinal, quem sairia alardeando que odeia o seu companheiro por ser mais inteligente, ou por ganhar mais e fazer menos, por exemplo?
Também somos sensuais, outra característica humano-adâmica. Adoramos ser bem vistos. Amamos causar suspiros. Nosso ego é afagado ante o elogio. O coração dispara quando os olhos, teimosamente, insistem em cruzar por uma bela bunda, um conservado par de seio, uma coxa masculina, uma bunda de macho. Puta...
Ah, ainda enrubescemos com essas coisas. É bom pensar em sexo. Ler sobre nos deixa tímidos. Nos chocamos frente a palavrões como caralho, fudeu (já nem tanto), filho da puta, entre outros. Não deveríamos ser assim. Qual a diferença entre dizer o palavrão e ler o palavrão? Que tal sermos menos hipócritas?
Em meio a distração, de uma martela no dedo. Mas não deixe de ligar um gravador. Tenha uma câmera escondida e veja sua reação quando alguém tropeça na sua frente.
Pra finalizar, deixo claro que adoro escrever, ler bons livros, ouvir uma boa música brasileira (exceto o pagode e as 'pseudossertanejas'). As internacionais não ficam de fora. Aprecio chimarrão, um bom bate-papo. Sobretudo, amo ficar com minha mulher. Tem coisa melhor que comer, beber, dormir... e não pagar?
Só tem um problema: eu não consigo ser alegre o tempo inteiro.
PS: Vander Wildner é muito bom pra se ouvir passeando no brique da redenção.

12 junho 2005

Clarice Lispector e Xico Xavier

12 junho 2005 0
Levi Nauter, em 12/06/05.


Devo começar dizendo que não sou espírita. Não acredito nem um pouco nessa coisa de psicografar pelo espírito de alguém. Será que tal espírito não teria, no além, coisa mais importante para fazer que tivesse que descer a esse mundo literalmente decaído e ficar mandando mensagenzinhas? E o pior, mensagem por livro. Se o espírito fosse assim tão esperto saberia que pouca gente lê. Viesse, então, pela televisão, pela novela. Boa, que viesse pelo espírito de 'A Lua me Disse'.

Espíritas e espíritos à parte, fiquei pensando por que escrevo. Não é por psicografia, portanto. Então é por quê?
Relendo Clarice Lispector descobri uma frase primorosa: "Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever." (in A Hora da Estrela). Que maravilha!

Acho que nunca encontrarei respostas pra tudo, assim, como podem ver, continuarei escrevendo. Pelo menos enquanto pelo menos uma pessoa me ler. Sei que não é tarefa fácil, a mesma Clarice diz que é "como quebrar pedras" e tenho tentado fazer isso. Fico sem escrever, às vezes, como forma de protesto. Dizem que o calado vence. Até agora não tenho vencido.

Atualmente não temos visto muitas respostas. Quando parece que elas vão surgir, algum partido tenta barrá-las. Partidos que dantes eram precursores da famigerada CPI agora andam correndo léguas, tentando passar de largo. Continuamos sem respostas...
Então me resta escrever.
Pra ti, pra mim mesmo.
Assim faço a terapia
Assim lavo a alma
Assim me carrego
Assim desestresso
Assim gozo
Assim...
Assim.

05 junho 2005

AINDA SEM PALAVRAS

05 junho 2005 0
É minha gente.
Continuo sem tempo para escrever. A vida também é assim. Os professores acham que a gente não tem nada pra fazer, porque dão trabalho a torto e a direito. Cada um quer que seja lido a sua proposta.

Estou nessa. Dois trabalho para essa semana. E o tempo...
Tchau

21 maio 2005

QUEM NÓIS É ?

21 maio 2005 0
Levi Nauter, em 21-05-05

Ainda espero ver as pessoas mais sinceras. Aqueles tipos que dizem o que pensam, que optam por alguns minutos de cara feia a uma vida de fachada. Gente pronta a trocar vivencias.
Infelizmente, como dizia T.S. Eliot, algumas tecnologias nos dão a sensação de intimidade, de conhecermos celebridades há anos. Mal percebemos que nos distanciamos cada vez mais; ou seja, ocorre exatamente o contrário do que pensamos. Futilidades estampam capas de revistas. Fatos e fotos (parece nome de revista) buscam aguçar nossa curiosidade na busca do nada. Somos calvos, temos barriga, estrias, chulé, dor de cabeça, unha encravada. Vomitamos, peidamos.
Somos gente, esse animal dito racional.
Nossas mazelas estão começando a cheirar mal. Talvez por isso usamos Natura, Avon, Axé, Alma de Flores. Por isso queremos West Coast, Wrangler, Ferracini, Berimbau, Blue Steel. No almoço queremos Coca-Cola, Pepsi, Bud. Adoramos comida japonesa, italiana, alemã. Onde está a brasileira?
Queremos ver fulano, cicrano e beltrano tomando umas e outras, pois é quando se põe os podres pra fora. O tesão é podermos rir do outro. Legal ver uma velha tropeçar. Às novas emprestamos as vazões de fantasia. Falamos mal de todo mundo. Mas abraçamos, dizemos “ou querido(a)”. Trabalhamos juntos porque não há alternativa. Se houvesse, ainda trabalharíamos juntos pois faz bem ao ‘social’, não admitimos ser egoístas. Nós? Capaz...
Pois continuamos sós. Nossas amizades continuam limitadas ao nosso mundo. Mundo de plástico: tem de estar numa boa temperatura; se o clima esquentar derrete, muda a forma torna-se, talvez, nada. Podamos, ignoramos, desdenhamos, fazemos de conta que não vemos nem ouvimos. Contudo, no fundo, falamos muito (mesmo que conosco mesmos).
Que vida é essa?
Em que mundo vivemos?
Que importância há numa vida de plástico?
“Quem somos nós, quem é cada um de nós
senão uma combinatória de experiências
de informações, de leituras
de imaginações?”
Ítalo Calvino
In Seis propostas para o próximo milênio,
São Paulo: Cia. das Letras, 1995.

12 maio 2005

A MATRACA NOSSA DE CADA DIA

12 maio 2005 1
Levi Nauter, 12-05-05
Nestes dias tenho pensado sobre um assunto, graças ao nosso célebre e imortal Machado de Assis (este realmente merece o título, não só porque foi um dos mentores da Academia Brasileira de Letras). Trata-se da arte de fazer outros crerem nalgo mesmo que não seja verdade ou que seja meia verdade. Em tempos nos quais muita gente quer dar discursos, melhorar a todo custo a própria imagem a fim de diversos fins, vamos deixar o Machado explicar no que consistia a matraca dO Alienista - conto que todo brasileiro deveria ler.
"Contratava-se um homem, por um ou mais dias para andar as ruas do povoado, com uma matraca na mão. De quando em quando tocava a matraca, reunia-se gente, e ele anunciava o que lhe incumbiam - um remédio para sezões, umas terras lavradias, um soneto, um donativo eclesiástico, a melhor tesoura da vila, o mais belo discurso do ano, etc. o sistema tinha incovenientes para a paz pública; mas era conservado pela grande energia de divulgação que possuia. Por exemplo, um dos vereadores (...) desfrutava a reputação de perfeito educador de cobras e macacos, e aliás nunca domesticara um só desses bichos; mas, tinha o cuidado de fazer trabalhar a matraca todos os meses. E dizem as crônicas que algumas pessoas afirmavam ter visto cascavéis dançando no peito do vereador; afirmação perfeitamente falsa, mas só devida à absoluta confiança no sistema." ( in Papéia avulsos, RJ, SP e RS: Ed. V.M.Jackson Inc.)
É interessante notar que tudo não passava de uma representação. Dito de outra maneira, alguém com vocação ou designado para a função de matraqueiro, saía às ruas dizendo o objeto de ganha-pão. De tanto ouvir as pessoas acabavam acreditando. provavelmente o contraponto era nulo. E o certo é que funcionava.
Com certa tristesa tenho de admitir a facilidade de encontrarmos matraqueiros contemporâneos. Falam, falam, nada dizem (aliás, Tom Jobim, em Samba de uma nota só, já ratificava).Contudo, podemos pensar que esses falantes ganham bem para fazerem o papel de eco.
A política lembra-nos essa espécie de 'pão nosso de cada dia': cede-se aqui, ganha-se ali, esquece-se dos valores adquiridos adiante. E por aí vai...
Democracia não existe. Os que hoje mandam, em qualquer instância, pressupõem ter a autoridade e nós, subalternos, fingimos que obedecemos (e às vezes nem isso conseguimos). Quando obedecemos o fazemos por conveniência. Há momentos em que é melhor sermos ator. A liberdade parece não existir também. O que talvez tenhamos é a autonomia - conquistada por um árduo preço cotidiano. "Somos um bando, um bando, um bando e muitos outros" (disse Bebeto Alves). Vivemos sob o reino representativo onde, infelizmente, os maiores andam comendo os menores. Salve-se quem souber (disse Gelson Oliveira).
Matraca, matraca, como te quero!
Ah, vou cansar de ti em 2006.

10 maio 2005

AINDA EM FALTA

10 maio 2005 0
Levi Nauter, 10-05-05
Reconheço que estou em falta com vocês - que para minha sorte gostam de ler o que escrevo (não sei como). Mas ando um tanto atarefado com trabalhos na faculdade. E, portanto, sem tempo. Espero que me compreendam. Enquanto isso, vamos refletir sobre o texto de outro. Um pensamento de Arthur Schopenhauer que, embora um tanto depressivo, escreve muito melhor que eu. Ele fala sobre a leitura (in Sobre livros e leitura. Trad. Philippe Humblé e Walter Carlos Costa. Porto Alegre: Paraula, 1993).
Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: só repetimos seu processo mental. Trata-se de um caso semelhante ao do aluno que, ao aprender a escrever, traça com a pena as linhas que o professor fez com o lápis. Portanto, o trabalho de pensar nos é, em grande parte, negado quando lemos. (...) Durante a leitura nossa cabeça é apenas o campo de batalha de pensamentos alheios. Quando estes, finalmente, se retiram, que resta? Daí se segue que aquele que lê muito e quase o dia inteiro, e que nos intervalos se entretém com passatempos triviais, perde, paulatinamente, a capacidade de pensar por conta própria, como quem sempre anda a cavalo acaba esquecendo como se anda a pé. Este, no entanto, é o caso de muitos eruditos: leram até ficar estúpidos. Porque a leitura contínua, retomada a todo instante, paralisa o espírito ainda mais que um trabalho manual contínuo, já que neste ainda é possível estar absorto nos próprios pensamentos. (p. 17 e 19)

30 abril 2005

ZECA BALEIRO está falando por mim

30 abril 2005 0
Humanos que somos, nem sempre temos a inspiração necessária para escrever. Foi o que aconteceu comigo nesta semana. Além do tempo, faltou consistência no texto. Semana que vem acerto. O texto será A MATRACA NOSSA DE CADA DIA. Em época de muitos discursos, de prévias e exibicionismos vamos tentar refletir sobre as questões de representação.

Enquanto não chega o dia, fiquemos com um belo texto de Zeca Baleiro. Trata-se de 'Minha Casa', música do belo CD Líricas (2000).

É mais fácil cultuar os mortos que os vivos
Mais fácil viver de sombras que de sóis
É mais fácil mimeografar o passado
Que imprimir o futuro

Não quero ser triste
Como o poeta que envelhece
Lendo Maiakóvski na loja de conveniência
Não quero ser alegre
Como o cão que sai a passear
Com o seu dono alegre
Sob o sol de domingo
Nem quero ser estanque
Como quem constrói estradas e não anda
Quero no escuro
Como um cego tatear estrelas distraídas
(...)

21 abril 2005

MEDO

21 abril 2005 0
Levi Nauter, mai/2000.


Sensação horrível,
Um aperto no coração
Um nó na garganta.
O bater da vida você vê na veia
E é forte. Corro, corro
Mas não saio do lugar
Embora não tenha corrido tanto antes
O ar até parece não sobrar para mim
Abro a boca e sugo com vontade
Lembro-me das pessoas que mais quero bem
Ou apenas me concentro em mim mesmo
Sinto coisas que nem percebo
Como é chato o fato de ter medo.

IR AO DENTISTA É BOM, TIRAR DENTES NÃO

Levi Nauter, 21/04/05.

“A relevância da metáfora não se reduz, entretanto, ao seu papel de ampliação da compreensão dos fenômenos que queremos conhecer, apesar de ser primariamente esse o seu papel. (...) A metáfora pode ser concebida também como uma operação do pensamento pautada pela mobilização do espírito diante do mundo.”

MARIA DA CONCEIÇÃO DE ALMEIDA, antropóloga, professora dos Programas de Pós-Graduação em Educação e em Ciências Sociais da UFRN, coordenadora do Grupo de Estudos da Complexidade – Grecom



Há algum tempo fiz o temível tratamento de canal. Horrível foi a sensação de sentir aquela broca, aquele negócio entrando metodicamente na raiz dentária a caça de nervos. A finalidade é matar o nervo e, assim, não mais sentirmos dor. O dente continuará no mesmo lugar, simplesmente será aberto, far-se-á apenas o necessário para matá-lo, deixá-lo indolor. Não mudará a cor, nem ficará frouxo, tampouco afetará os outros. Ou seja, tudo aparentemente ficará igual. Aparentemente. Porém, na verdade, estará morto. Morto, nunca irá nos incomodar e continuará fazendo a mesma função. Dependendo do dente que se extrai até o riso muda. E a vida sem o riso não tem graça. É por isso que os odontólogos preferem tratar a extrair essa pequena peça ajudadora do nosso paladar e, de certo modo, embelezadora do nosso sorriso.
A única forma de evitar todo esse pesadelo é fazendo rigorosamente a higiene bucal. Ainda assim, um dia chegará a nossa vez.
Às vezes somos uma espécie de dente. Tudo está bem, aparentemente tudo vem funcionando legal. Mas, de repente, começa uma pequena fisgada que se vai intensificando e, dentro em pouco, não agüentamos. Feliz ou infelizmente nosso lugar de trabalho é onde passamos a maior parte do tempo. Há quem diga franciscanamente que ele deve ser o nosso segundo lar. Não, definitivamente não tem que ser. Há que se separar os papéis. O lugar de trabalho é um lugar profissional. Nele temos de saber qual é o nosso papel, desenvolver nossas atividades segundo as atribuições que nos cabem. Não é um lugar para carinhos, para intimidades. Claro que não somos frios a ponto de não ouvirmos quem eventualmente precise expor algum problema. No entanto, saibamos que ali não será o melhor lugar. Essas questões, sempre possíveis, devem ser tratadas num outro lugar. Pois quem assim não faz corre o risco de confundir as coisas. Confundindo, começam os problemas: tacham-nos de puxa-sacos, de CDFs, e por aí se vai.
Também feliz ou infelizmente o local de trabalho tem sido um lugar de briga por brilho. É comum observarmos pessoas brigando por coisas que muitas vezes parece-nos uma verdadeira futilidade. Há um brilho de estrelas. De pseudoestrelas. Briga desse tipo só pode ter um ‘quê’ de ciúme. Os que exercem cargo com um certo poder então...
Sófocles há aproximadamente 400 a.C., dizia que “não se conhece verdadeiramente um homem, sua alma, sentimentos e intenções, senão quando ele administra o poder e executa as leis.” Que tal? Já o escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano diz que nós preferimos os mortos porque, na lápide, colocamos o que bem dá na nossa telha. Morto não retruca.
Penso que devemos tentar não deixar o dente do trabalho doer. Cuidemos para que a cárie não chegue ao ponto de ter que se tratar o canal ou extrair o dente. A alternativa é procurar o dentista o mais rápido possível e tirar a cárie. Dá um certo trabalho, o barulho da broca é chato. Contudo, pelo menos, continuamos com o dente vivo. Morrer dá mais trabalho, mas não vamos deixar de exercer as mesmas coisas. Seremos, neste caso, uma espécie de marionetes. Prefiro meu dente vivo. Um morto só por estética não é legal: não sente quando como algo quente ou frio. Está indolor, dormente. Deve ser triste quando chegamos ao ponto de, em nossa vida, estar dormente.

“Uma pessoa mexe-se, pensa, pergunta, duvida, investiga, quer saber, e se é verdade que, forçada pelo hábito da conformação, acaba, mais tarde ou mais cedo, por parecer que submeteu aos objectos, não se julgue que tal submissão é, em todos os casos, definitiva.” JOSÉ SARAMAGO, in A Caverna.

16 abril 2005

PISTAS PARA FILOSOFAR

16 abril 2005 0
Levi Nauter, 15-04-05


Tenho um livreto homônimo ao título deste texto. Não e sobre ele que vou falar, mas da importância de filosofar.
Há algum tempo, descobri o quanto uma viagem de ônibus, por uns quarenta ou sessenta minutos, pode ser bem produtiva. Uma boa companhia, com um bom papo supera a monotonia do tempo. Há quem prefira dormir nos coletivos – meu caso quando volto para casa ao final da tarde.
Mas de manhã...
Para o bem da verdade, o carro, o táxi, o metrô, a carroça, a bicicleta, o intervalo do almoço e tantos outros momentos de encontro podem tornar-se filosóficos. Neles podemos pôr nossas faculdades mentais a trabalhar. O educador e sociólogo Carlos R. Brandão disse que “educar é fazer perguntas” e, neste sentido, quando assim o fazemos, estamos dando o pontapé inicial ao maravilhoso mundo de SOFIA, o mundo do saber. Se não, pelo menos no mundo do pensar mais de uma vez antes de responder. Não somos nenhum Platão, Aristóteles ou, modernamente, um Isaiah Berlim. Somos simples sujeitos que vêm e vão: casa-trabalho ou casa-trabalho-estudos, enfim, neste círculo infindável.
A amizade (ou coleguismo para os mais céticos) pode ter um papel interessante nessa aventura. O inicio é quase sempre muito bom. Ambos pouco se conhecem. Na medida em que as diferenças vão criando contornos o outro começa a tomar forma. Aí começamos a ter de exercitar atributos cristãos (longanimidade), orientais (tolerância), ateus (ignorar) ou, no pior deles, xiitas (matar).
Importa-nos, a priori, o respeito, a educação, a relação horizontal. Não àquela que, como bem expressa o uruguaio Eduardo Galeano, vê de igual para igual. Rechacemos a relação de cima, que vê o outro como uma coisa pequena, de um lado; de outro, igualmente reprovemos a relação de baixo, que vê a todos como os maiores.
Há, infelizmente, os que buscam o respeito a partir do cargo. Mas também os que têm jeito, pinta, dos que possuem status e, com isso tentam respeito que d’outra forma não viria. Absurdo! Essa relação não estabelece diálogo, não estabelece conflito de idéias (princípio de crescimento). Conflito de idéias é uma coisa, conflito pessoal é outra – lembremos. Este pode, talvez por uma falta de afinidade mesmo, levar-me ao afastamento paulatino; aquele apenas certifica-me que, n’algum ponto, a afinidade desafina. E, como num instrumento musical, afinar exige ouvido que exige esforço.
Filosofar com alguém, portanto, pressupõe saber da não aceitação do outro à minha proposta. Se ao tentar o diálogo internamente penso já na aceitação tácita do outro em relação a mim, começa a desilusão. Provavelmente a melhor saída teria sido um “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite”. Comecemos, então, pelo que nos representa, aquilo do qual intencionamos conversar.
Voltando ao ônibus, surgiram questões como “será que a globalização rouba o que é regional?”, “o que é educação libertadora?”, “o papel da mídia no que fazemos”, “ser ateu jornalístico”, “o que é teologia latina?”, entre outras. Num recinto mais tranqüilo, sem barulho de buzinas ou freios, outros temas apareceram: estética de composição musical, autores com letras sobre o cotidiano, História versus música. Outras temáticas, digamos, mais profundas não ficaram de fora: (a) o papel da mulher ontem, hoje (faltou o eternamente), (b) a mulher selvagem, (c) o negro, o moreno ou o preto?, (c) liberdade e autonomia: qual deles temos?.
Assim, estou convencido da importância de um bom bate-papo. Ele pode suscitar muita coisa, sobretudo, filosofia. Se não, no mínimo, a fofoca.

10 abril 2005

Agora que o Papa está ‘enterrado’

10 abril 2005 0
Levi Nauter, em 09-04-05




Agora que o Papa está ‘enterrado’ voltamos ao começo. Quem vai ocupar o seu lugar? Será fulano ou sicrano?
Assim é a vida. Assim acontece em nosso cotidiano, porque cotidiano é vida. Esperamos alguém que nos é importante morrer para tomarmos algumas atitudes. Essa morte pode ser simbólica, não precisa o indivíduo morrer denotativamente. Basta não mais fazer sentido para nós. Sabe quando alguém perde a importância? Antes ouvíamos, agora ignoramos. Matamos o outro.
O ritual, ou protocolo manda que os Cardeais se fechem no Vaticano a fim de rezar, discutir e, enfim, apresentar o novo Papa. Igualmente também nos fechamos. Ficamos em nossa fortaleza (nosso Vaticano) interior. A diferença é apenas uma: eles vão buscar o consenso com algumas pessoas; nós, ao contrário, buscamos o que parece mais adequado chamar de coerência entre o pensar e o agir. Mas todo consenso, a bem da verdade, tem um pouco de farsa posto que não concórdia plena. Dito de outra forma, nunca conseguimos concordar cem por cento com alguém – razão pela qual mais aturamos, suportamos, do que concordamos. Acontece que toda essa discussão é (e não está) permeada de ideologia, uma normalidade nas relações, sobretudo humana.
Se há ideologia em jogo, e é quase impossível não haver, logo temos como conseqüência ações de cunho político – não necessariamente político-partidárias. E aí está parte de um problema: muitos não aceitam que em nossas ações haja, estejamos conscientes ou não, política. Porém, bastaria observar que ao tomarmos uma decisão em detrimento de outra estamos tendo uma ação política. A razão é simples: quase instintivamente pesamos prós e contras derivados da nossa ação.
Outra parte do problema (para quem assim o considera) é a inútil busca da neutralidade. A ilusão da neutralidade nos proporciona uma sensação de cansaço, sensação de que estamos trabalhando, quando, na verdade estamos enredados no conflito da adaptação [Não sei se existe esta expressão, contudo, a idéia é a de um sujeito que ‘dança conforme a música’. Se todos são do contra, por exemplo, ele também será. Se todos são a favor, idem. Neste contexto, o puxa-saco é um modelo de quem vive agradando sua chefia (compra presente, está sempre por perto, faz de tudo para agradar etc). Claro que só isso não basta. Observemos, no entanto, que essas atitudes são, na grande (e grande mesmo) maioria das vezes, dirigidas aos chefes. Daí o conflito da adaptação].
Portanto, é impossível ser neutro. Equivale dizer que temos de ter uma posição. Não basta achar, há que se ter certeza. Basta termos a consciência, mesmo que seja saber que nada se sabe. Retornando ao contexto cristão que estávamos, convém relembrarmos de um texto da Bíblia encontrado em Apocalipse, capítulo 3 e versos 15 e 16: “Eu o conheço bem – você nem é quente nem frio; eu desejaria que você fosse ou uma coisa ou outra! Porém já que você é meramente morno, eu o cuspirei...” [A Bíblia Viva. 11.ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1999].
Uma primícia deve nos rodear: a prontidão à mudança. Ter uma posição quanto ao que se pensa e ser forte nada tem a ver com estar certo ou errado. O que é relevante para nós pode não ser para o outro, mas nenhum tem de mudar em função do outro. Tem é de haver respeito e a (pré)disposição para a mudança; a consciência da evolução do mundo e daquilo que nos cerca – pois ela é a responsável pelas perguntas onde estamos e aonde queremos estar.
Enfim, parece ser melhor ter uma posição frente aos desafios da vida, não esperar que outros pensem por nós. Parece também ser melhor deixar claro quais pensamentos temos. Pois nada parece ser pior do que (re)produzir um pensamento feito, pensado, gestado por outrem.
Eu prefiro o meu.

02 abril 2005

VERDADEIRAMENTE O PAPA ERA POP

02 abril 2005 1
O grupo meio pop, meio rock Engenheiros do Hawaii disse numa de suas canções: 'O papa é pop'. E é! Agora que morreu, todos notaram. Por isso aqui vai meu reconhecimento a todos que, como ele, doam suas vidas por alguma causa. Não sou católico, apenas gosto de gente. Simplesmente corre em minhas veias um senso de gentetude que se sobressai aos dogmas religiosos. Tais dogmas muitas vezes podam a nossa liberdade. Liberdade que tanto outros lutaram para que eu a tivesse (sim, porque sou novo na idade).

Sem liberdade não podemos sonhar. Embora o sonho seja algo em nosso interior. Acontece que o tal senso de gentetude nos impulsiona a querer compartilhar com as pessoas o que se está sonhando e o sonhado. Quando nos tiram a liberdade, então, não nos tiram a capacidade de sonhar - claro. Apenas adiam, apenas protelam o nosso compartilhar e, talvez, a nossa capacidade de ajuntar mais pessoas para o mesmo lugar. É, meus amigos, às vezes nossas crenças religiosas exigem a quebra do sonho. Pede-nos para olhar de largo o antes almejado.

Gostar de gente nos faz 'dar um tempo' aos sonhos, em alguns momentos. Noutros, ele é a única alternativa. Gostar de gente nos faz perdoar. Não um perdão do tipo "perdoo mas não esqueço", mas aquele perdão que briga com a racionalidade desmedida. Gostar de gente nos faz preferir os lascados (como diz Leonardo Boff), nos faz querer o indigente, aqueles a quem a sociedade vira a cara.
Sobretudo, gostar de gente nos tira do discurso e leva para a prática. Nos faz chorar, rir, xingar, tocar, tremer, morder a língua, pisar firme. Nos mostra cotidianamente que somos humanos e, como tais, errantes na busca do acerto.

Parece que o Papa também fez isso.
Temos algo em comum: somos humanos.

TUDO É PECADO, Levi em 2005

A mesa estava posta. Havia pãezinhos picados, ali estavam pequenos copinhos com um pouco de vinho tinto – porque muito já era pecado. Mesa bonita, com pés bem torneados, com uma toalha à altura. Sobravam pontas e numa delas a famosa inscrição: Jesus.
A platéia de fiéis toda atenta, toda silenciosa, toda arrepiada, toda cabisbaixa, toda reflexão, toda a cata de algum pecado. Umas cem pessoas. Todas pobres, pelo menos é o que parecia. Pareciam ser os próprios problemas: sem estudos, vivendo a comer migalhas dos mais abastados, ou da migalha do próprio salário. Ficam torcendo e dizendo que um dia chegarão lá, um dia não serão ricos, não querem, apenas viverão uma vida mais decente, mais tranqüila. Querem ter um carro, uma casa própria, um telefone fixo e outro móvel, um computador que pode até ser velho – será usado pros tema dos filhos. No domingo querem ir ao cinema, uma vez por mês, claro. Sonham passear n’algum brique com ar de quem pode. Epa! Não dá, é pecado. De repente tudo parou na cabeça de um fiel. Pensar tudo isso num templo só pode ser coisa do demo. Ora, onde já se viu, isso é jactância, diriam aqueles homens de preto, de cinza, de azul e um pobre, de marrom e azul-claro.
Os homens de preto, cinza, azul e o pobre de marrom e azul-claro são os que ficam no lugar alto cujo nome é apropriado, altar, alto estar. Os simples mortais cá embaixo, cabisbaixos. Eles, ao contrário, olham tudo de cima. Empunham seus livros de capa preta e marcham rumo a mesa posta. Em meio aos seus caminhares parecem irem para algum céu. Um céu onde as ruas são de ouro, muros de jaspe, casas de sei lá, não posso arriscar o que não sei. É pecado. Mas lá vão eles: um ajeita o terno, o outro põe o livro preto perto do lugar que de tão cheio a boca fala, um não faz nada e o pobre arruma a gravata de crochê. Parecem morar bem, não devem ter a água cortada, devem olhar os programas da televisão dominical depois do culto, devem ser cultos. Menos o pobre. Esse sofre, ninguém sabe seu nome nem perguntam. É novo convertido, ainda é tímido, não sabe andar como convém aos obreiros destemidos, àqueles que não são covardes na obra. . nos bastidores ele vai bem: entrega convites para as reuniões no templo, faz orações antes de botar qualquer bolo frito na boca. Tem futuro, embora não goste muito da filha.
Chegaram! Estão na volta da mesa posta. Dois deles ganham a bandeja do pão, os outros, do vinho. Juntos, um com o pão e o outro com o vinho entram num corredor do templo. Os fiéis servem-se. Os distribuidores obreiros sentem-se felizes. Cantam uma música de fundo enquanto os fiéis comem do pão e bebem do vinho. A ordem e a decência contribuem para o progresso deles. Ninguém reclama, todos esperam sua vez. Criança não come nem bebe, não sabe discernir pecado. Adulto sabe, os fiéis sabem, os obreiros mais ainda. Há dúvidas quanto ao pecado ou pecados? Perguntem a eles. Não pecam e quando isso acontece ninguém fica sabendo pois eles são ungidos, separados.
Eu estou na última fila, no final da igreja. Mal vejo a mesa posta. Mas sei que está porque sempre está. Ao meu lado uma puta mulher. Puta porque é puta mesmo. Pecou. Deu antes da hora. E em alguns lugares quem dá antes da hora sai de casa antes da hora. Ela saiu. Mas dizem que o mundo é pequeno. Talvez seja. Ali vem o pai dela com uma bandeja de pão. Vem me oferecer, ela tenta pegar dois pedaços, ele diz não. Eu tento saber por quê. Ela é pecadora. Não toma ceia quem sai de casa. Também não toma ceia quem quer dois pedaços, isso é gula. Gula é pecado.
Ela disse que estava com fome. Ele disse “isso é o preço...” . Ela pecou. Ele eu não sei.

TUDO É PECADO, Levi em 2005

A mesa estava posta. Havia pãezinhos picados, ali estavam pequenos copinhos com um pouco de vinho tinto – porque muito já era pecado. Mesa bonita, com pés bem torneados, com uma toalha à altura. Sobravam pontas e numa delas a famosa inscrição: Jesus.
A platéia de fiéis toda atenta, toda silenciosa, toda arrepiada, toda cabisbaixa, toda reflexão, toda a cata de algum pecado. Umas cem pessoas. Todas pobres, pelo menos é o que parecia. Pareciam ser os próprios problemas: sem estudos, vivendo a comer migalhas dos mais abastados, ou da migalha do próprio salário. Ficam torcendo e dizendo que um dia chegarão lá, um dia não serão ricos, não querem, apenas viverão uma vida mais decente, mais tranqüila. Querem ter um carro, uma casa própria, um telefone fixo e outro móvel, um computador que pode até ser velho – será usado pros tema dos filhos. No domingo querem ir ao cinema, uma vez por mês, claro. Sonham passear n’algum brique com ar de quem pode. Epa! Não dá, é pecado. De repente tudo parou na cabeça de um fiel. Pensar tudo isso num templo só pode ser coisa do demo. Ora, onde já se viu, isso é jactância, diriam aqueles homens de preto, de cinza, de azul e um pobre, de marrom e azul-claro.
Os homens de preto, cinza, azul e o pobre de marrom e azul-claro são os que ficam no lugar alto cujo nome é apropriado, altar, alto estar. Os simples mortais cá embaixo, cabisbaixos. Eles, ao contrário, olham tudo de cima. Empunham seus livros de capa preta e marcham rumo a mesa posta. Em meio aos seus caminhares parecem irem para algum céu. Um céu onde as ruas são de ouro, muros de jaspe, casas de sei lá, não posso arriscar o que não sei. É pecado. Mas lá vão eles: um ajeita o terno, o outro põe o livro preto perto do lugar que de tão cheio a boca fala, um não faz nada e o pobre arruma a gravata de crochê. Parecem morar bem, não devem ter a água cortada, devem olhar os programas da televisão dominical depois do culto, devem ser cultos. Menos o pobre. Esse sofre, ninguém sabe seu nome nem perguntam. É novo convertido, ainda é tímido, não sabe andar como convém aos obreiros destemidos, àqueles que não são covardes na obra. . nos bastidores ele vai bem: entrega convites para as reuniões no templo, faz orações antes de botar qualquer bolo frito na boca. Tem futuro, embora não goste muito da filha.
Chegaram! Estão na volta da mesa posta. Dois deles ganham a bandeja do pão, os outros, do vinho. Juntos, um com o pão e o outro com o vinho entram num corredor do templo. Os fiéis servem-se. Os distribuidores obreiros sentem-se felizes. Cantam uma música de fundo enquanto os fiéis comem do pão e bebem do vinho. A ordem e a decência contribuem para o progresso deles. Ninguém reclama, todos esperam sua vez. Criança não come nem bebe, não sabe discernir pecado. Adulto sabe, os fiéis sabem, os obreiros mais ainda. Há dúvidas quanto ao pecado ou pecados? Perguntem a eles. Não pecam e quando isso acontece ninguém fica sabendo pois eles são ungidos, separados.
Eu estou na última fila, no final da igreja. Mal vejo a mesa posta. Mas sei que está porque sempre está. Ao meu lado uma puta mulher. Puta porque é puta mesmo. Pecou. Deu antes da hora. E em alguns lugares quem dá antes da hora sai de casa antes da hora. Ela saiu. Mas dizem que o mundo é pequeno. Talvez seja. Ali vem o pai dela com uma bandeja de pão. Vem me oferecer, ela tenta pegar dois pedaços, ele diz não. Eu tento saber por quê. Ela é pecadora. Não toma ceia quem sai de casa. Também não toma ceia quem quer dois pedaços, isso é gula. Gula é pecado.
Ela disse que estava com fome. Ele disse “isso é o preço...” . Ela pecou. Ele eu não sei.

NÃO ME IMPORTA, Levi em 2004 - para uma amiga: AM

Pouco me importa em relação ao que os outros dizem
Não me interessa se agrado ou não
Não nasci pra agradar
Não nasci pra falar certinho
Não nasci pra ser elite, nem elitizante
Pouco me importam os belos discursos
Tanta gente há que diz e não faz
Ou que faz e não diz
Ou nem fazem nem dizem

Não me importa os inoportunos
Que se danem eles, quero aproveitar as oportunidades
Quero ser hoje mais feliz que ontem

Como é fácil falar, como é difícil fazer
Por isso mais se fala e menos se faz
Pior é saber disso e continuar agindo igual
Do que adianta a idade, os cabelos mudando de cor
E se a prática continua arcaica?
De um tempo em que vivíamos como mudos
Andávamos como coxos
Pedindo licença pra tudo
Tempo em que a criação ficava na gaveta
Tempo em que divergir era dar adeus à vida
Tempo em que discordar era ser perseguido

O tempo de hoje não será outro tempo?
Por que reviver o que foi tão ruim
Será bom matar clandestinamente os sonhos dos outros?
Será bom matar incandescentemente a esperança dos outros?
Será bom matar perversamente o que os outros têm de melhor?
Será bom matar desesperadamente aquilo que não se tem, mas, se vê no outro?

Pra que serve o título senhor
Pra que serve o tanto falar
Pra que serve o regurgitar de idéias
Pra que serve a nefasta tarefa do pensar – neste caso
Pra que servem os amigos mais íntimos
Pra que serve essa gente que lhe rodeia
Pra que serve esse povo que lhe paga
Pra que serve esse país cheio de Histórias
Pra que serve esse continente sofrido
Pra que serve essa América achada
Pra que serve esse mundo
Pra que serve essas mãos
Pra que esses pés
Pra quê
Pra quê
Você, se pouco me importa?

A VIDA, Levi em 2001

Tristezas, alegrias
Noite, dia
Céu, véu, réu, papel
Prisão, ação, encomodação, assombração
Tem o petista, o que arrisca e o que petisca
Tem risonho, tem sonho
Tem trabalho, tem atalho, tem baralho tem alho
Tem neve, tem fezes, tem greve
Tem doces, tem poses, tem closes, tem flores
Tem nós, tem voz, tem nozes
Tem cultura, tem agricultura, tem falcatrua
Tem crítico, tem místico, tem político
Tem tu, tem eu, tem nós
E então ouvimos, sentimos, preferimos:
O que é bom e não machuca,
Tem som mas não desembucha
Tem tom e não embuça
Não desafina, se afina
Se aprimora, não demora
Não dói, não corrói
Não duvida
Tem vida

27 março 2005

O PÉ (Levi Nauter, 2001)

27 março 2005 0

Que pisa
Que anda
Que pára
Que sai
Que entra
Que chuta
Que apara
Que sente cócegas
Que sente dor
Que perfuma
Que cheira mal
Que é de alguma coisa:
Pé-de-moleque
Pé de chinelo
Pé de pato
Pé rapado
Pé rapado? É!
Existe algum sem ser?
Pé grande
Pé ...queno

20 março 2005

ESQUERDICE

20 março 2005 0
Não dá mais pra negar. Nem que eu queira. Sou esquerda.
Para escrever uso a mão direita. Mas, para pensar não sei se é o tal lado direito do cérebro que em mim funciona. Só há uma certeza: quando penso em questões políticas alguma coisa de esquerda aparece.
É impossível ver esse mundo de injustiças sem se indignar. É terrível constatar que o “pobre cada vez fica mais pobre”. É irritante notar gente roubando do cidadão que ‘dá um duro’ danado para sobreviver. É lamentável ver ricos, chiques e famosos discutindo os porquês de alguém ter sido expulso de uma festinha fútil num castelo em algum lugar dos bem-sucedidos. Enquanto isso, outros tantos sendo expulsos do trabalho, tendo de viver na arriscada vida informal.
Como compactuar com empresários que enriquecem às custas do pobre proletário?
Assim, ir ao Fórum Social Mundial é curtir a celebração dos que podem pensar diferente porque têm recursos financeiros. Sim, pois qual o pobre que, mesmo concordando com o que pensa os Boaventuras, os Galeanos, os Léo Boffs da vida, conseguiria ir para Índia? Qual ‘empresário formal’ bancaria hotel, alimentação etc para assistir e participar das passeatas e protestos mais reacionários. Quem bancaria, no outro dia, a sua renda? Quem bancaria aqueles ‘livros cabeças’ publicados pela Cortez, Paz e Terra e Record?
Se o pobre não tirar de algum lugar o seu níquel, ninguém, mesmo o dono de algum instituto do tipo Ethos, dar-lhe-á o sustento. Pobre e mendigo são quase sinônimos. O professor está um pouco mais acima, porque também não é valorizado. Todos têm de suar suas camisas. Só há uma classe de pessoas que, concordemos ou não, aceitemos ou não, quer saibamos ou não, está por cima: os que se beneficiam da política partidária. Têm o poder de aumentar seus próprios salários, podem dizer quase tudo o que quiserem e ninguém poderá fazer nada.
Até nossos sonhos esquerdistas estão indo para um lugar ‘a esmo’. Tudo o que dantes nos proibiam estão sendo feitos. Combinações estranhas estão surgindo. E nós que temos ainda esperança cá estamos. Com nossas esperanças, é claro, porque ela é a última que morre. Nesse ínterim, estamos magros, raquíticos, quase esvaindo. Porém, esperançosos.
Ah, meu querido braço esquerdo! Quantas bandeiras levantaste? Quantos socos levaste para não deixar ferirem o meu rosto aqueles que se diziam democráticos? Ironicamente, quase todos os que levantaram a mão contra mim foram evangélicos, que na mão direita carregavam uma Bíblia. Também ironicamente quando, certa feita, o livro caiu abriu-se o Salmo 23.
 
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