31 dezembro 2006

Riso e Graça

31 dezembro 2006 0
Levi Nauter
A vida sem o riso não tem graça

FIM DE ANO [e a vida]

Levi Nauter
“O mundo é dos vivos
O mundo é dos bancos
E os bancos dos mendigos”
Nei Lisboa


Sobre o que escrever no último texto do ano? Ao longo da semana fiquei matutando. Não queria dizer o mais óbvio, embora este texto pouco tenha de original. Imaginei que quem lesse o texto já teria recebido um “boas festas” ou “feliz ano novo”. Ademais, gosto da reflexão, do texto que diz e não apenas informa. Minha preocupação não está no texto gramaticalmente impecável, estes, na maioria das vezes, estão abarrotados de outros tipos de pecados – aqueles escondidos atrás das palavras. Tampouco gosto do pedantismo comum a alguns textos que recebo para ler. Aprecio o sarcasmo, a extroversão e as dualidades (vida/morte, alegria/tristeza etc.) – quem bem faz uso da dualidade tem tudo para produzir um bom texto.
Mas, e daí? O que escrever?

“...esse mundo é feito de maldade e ilusão (...)
Ponha-se no meu lugar.”
Dorival Caymmi

No sábado, dia 30 de dezembro, encontrei a resposta.
Fazia um bom tempo, não visitávamos Porto Alegre. Na verdade fomos obrigados a pagar uma conta a fim de continuarmos com o nome ‘limpo’na praça. Eu e a Lu decidimos almoçar. Ali estava a resposta.
Mal entramos na praça de alimentação e fomos atacados pelos garçons-vendedores. Eram homens e mulheres, jovens, que simplesmente não davam trégua a nenhum vivente ‘comedor’ em potencial. Era uma enxurrada de placas anunciando promoções, na sua maioria a diferença entre uma e outra era de, no máximo, dois reais. “Queremos essa, do bife à parmegiana, mais dois refris”. Fomos a uma mesa e enquanto esperávamos nosso pedido começamos observar ao redor. Descobrimos que todos os pontos de venda pertenciam, provavelmente, ao mesmo dono ou os garçons-vendedores casualmente eram os mesmos ou, ainda, eram gêmeos. Não tinha lado, eles atacavam todos. Se o cliente queria um chopp, pegava-se de um lugar; se o camarada queria água tônica, pegavam de outro lugar.
Veio o almoço. Os talheres eram horríveis, os meus eram cor de creme; os da Lu, de madeira. Um palito de dente pra cada um, um minúsculo pacotinho de sal, apenas um guardanapo de papel para o cliente. Pouco importa se utilizaríamos mais. Em meio a nossa refeição, observamos que uma senhora, bem-apessoada, ficava como quem em prontidão, sua tarefa era limpar a mesa para aguardar o próximo cliente. Ela parecia nervosa de tanto que cuidava da limpeza; tudo com rapidez. Ali não tínhamos dúvidas: tempo era dinheiro. A Lu almoça rápido, eu demoro mais; deixei um restinho de bife com um pedaço da única folha de alface que recebi, queria comê-los devagar enquanto ia conversando com a amada. Doce ilusão, alguns segundos depois aquela senhora chegou e tascou: “servidos”? “Não”, respondi com muita raiva. Ficamos estupefatos. Somos uma cifra, somos mais um nesse capitalismo desgraçado.
Como um filme, comecei a relembrar uma série de outras histórias vi ou passei.

“Primeiro se aprende as regras
Depois se aprende a mentir
Se cuidem dos “calavera”
Que eles andam por aí.”
Pirisca Grecco

Uma vez comprei um carro. O vendedor disse “veja, ele ta inteiro”. Tempos depois descobri que o veículo fora batido, bem batido. Aliás, vocês notaram que atualmente não temos como saber, ao olhar, se um carro é daqui ou de outro estado? Quase a totalidade dos picaretas colocam propaganda exatamente no número da placa, depois, então, descobrimos que o carro pode ser de alguma praia do nordeste.
Pagamos nossos impostos e pagamos mais algumas coisas por fora. Vejamos, por exemplo, a saúde. Tiram do nosso salário uma contribuição para o INSS e, no entanto, muitos de nós pagamos um plano de saúde particular. Contribuímos com os impostos por termos um carro; apesar disso, pagamos pedágio. Comprei uma antena parabólica, tive de pagar um técnico para instalá-la. Quando qualquer produto ou bem adquirido estraga pagamos o preço, seja indo e vindo da assistência técnica seja pagando honorários aos advogados (cuja função é ter mais instrução que nós a fim de pedir o que queremos e não sabemos como fazê-lo). Sem falar nos governantes, os (pseudo) representantes do povo.
Após um longo período quieto num canto, disse pra Lu que a sensação, às vezes, é a de que todo mundo quer ‘tirar uma casquinha’da gente. Que absurdo.
E 2007?
Eu espero continuar brigando com quem quer simplesmente aproveitar as situações do dia-a-dia para tirar proveito próprio. Estou farto disso. Também não pretendo ajudar quem tem mais a dar do que receber. Darei oferta aos que realmente carecerem e não aos que amedrontam-nos mostrando um mapa do inferno ou as maldições por eu ser “canguinha” ou, ainda, aos que intimam colocando no meu colo um santinho, um incenso, uma caneta ou algo assim. Chega.
Nem só de brigas vivemos. Há os sonhos. Muitos sonhos.
“Seremos sempre assim, sempre que precisar
Seremos sempre quem teve coragem
De errar pelo caminho e de encnotrar saída
No céu, no labirinto que é pensar a vida”
Nei Lisboa


Ouvir muita música, namorar bastante, ler muito, escrever tanto quanto possível, conversar com as pessoas. Tentar ouvir mais e falar menos. Ouvir o vento, as folhas correndo no chão, os pássaros, todos os tipos de ruído.
Não pensem, pelo que leram, que estou de mal com a vida. Ao contrário, amo estar vivo e quero durar muitos e muitos anos – sem reencarnar. Dois mil e seis foi um ano de muitas conquistas. Ocorre que estou com preguiça de contá-las. Quero praticar o chamado ócio criativo, arduamente defendido, entre outros, por Domenico De Masi.

24 dezembro 2006

Daqui a pouco fará um ano que jantei pela última vez com minha mãe

24 dezembro 2006 4
Levi Nauter



Daqui a pouco fará um ano que jantei pela última vez com minha mãe.
Não sei exatamente onde ela está, ninguém veio me dizer e não consigo crer que ela viria para esse mundo. Tampouco acredito em reencarnação. Mas isso não impede que dela eu tenha saudade. Também não é empecilho para que, ao ter de dizer seu nome numa ficha para aprovação de crédito, por exemplo, meu coração se aperte.

Casado que estou, há onze anos, penso muito em ter filhos. Considero que a Lu é a pessoa ideal para me dar esse presente. Fico imaginando os bons momentos que irei passar com ela e nosso filho (ou filha) ainda no período de gestação. Ao nascer, possivelmente seja uma criança linda – muito mais em função da Lu do que de mim. Mas isso pouco importa, nossa preocupação maior é com a saúde. Toda mãe essencialmente se preocupa com a saúde de seu filho. De minha parte, fico pensando em como brincar sem machucar a criança; em ‘será que colocaria algum apelido?’.
Minha mãe pôs em mim. Sei lá por quê. Era pibí (isso mesmo, pi – bí). A única explicação que encontro tem a ver com o início das minhas tentativas de fala. Provavelmente, ao tentar dizer meu nome, dizia pibí. E ficou. Até ela morrer fui chamado de pibí. Muitas vezes tenho saudade daquela voz ‘velha’, quase rouca, me abraçando e, ao pé do ouvido, dizendo “o pibí da mãe”.

Às vésperas do Natal 2006, em pleno domingo, parece que de algum lugar ouço essa mesma voz. E ela me faz chorar, querer abraçá-la e dizer coisas que por ‘n’ motivos deixei escapar a oportunidade. Gostaria de poder mandar uma carta pra ela desejando boas festas. Mas não há endereço. O único lugar possível é o endereço do qual ela nunca mais fará o que sempre fazia: ia até o portão para acenar com um tchau. Muitas vezes, vendo-a morrer a cada dia, seu aceno cortava meu coração. Muitas vezes entrei no carro chorando, com a Lu ao meu lado, querendo ficar mais um pouco com ela, assim parecia que a morte ficaria mais longe.

Contudo, há um ano atrás estávamos alegres. Eu, meus dois irmãos, minhas duas irmãs, minha mulher (a Lu) e minha cunhada (a Ane). Meu pai, que não tenho a mínima idéia de onde estava, parece ter optado não fazer parte daquele momento. Participamos de uma simples e linda ceia de natal. Como foi confortante ver minha mãe comendo, ceiando. Nos últimos meses antes disso pouco a vi alimentar-se. Naquele dia, talvez, tenhamos sido uma força para mais um pouco de vida e para mais uma porção de alimento. A sobremesa, sorvete, teve um grande significado pra mim: na minha infância poucas vezes pude prová-lo. Estava muito bom. A mãe que teve diabetes comia que dava gosto.

Daqui a pouco não sei qual será minha reação diante do chester, da bebida, e, ironicamente, do sorvete. Por ora, quero lembra da sua garra. Garra que a fez trabalhar duramente enquanto teve saúde; que a fez sonhar enquanto pode; que a fazia ser artista; que nos fez gente; que nos tornou ferrenhos briguentos, inconformados com as injustiças com os discursos sem práticas. Garra que nos fez gente.

Cá estou tentando seguir seu legado. Sonhando, tentando fazer arte, encontrando forças para brigar, tentando tanto quanto possível ser justo, praticar o que digo. Enfim, tentando ser gente.
Cheio de saudade de ti, mãe!
Todos nós temos saudades de ti.
E, se é possível, boas festas!!!

16 dezembro 2006

NÓS, OS BOBOS DA REPÚBLICA

16 dezembro 2006 0
Levi Nauter



Perdoem-me os canhotos (ou esquerdistas) de plantão, principalmente aqueles que, a meu ver, pouco pesam das contradições visíveis da própria esquerda. Mas é imperdoável o que temos visto na política partidária brasileira. Simplesmente lamentável. Líderes políticos, no afã do poder, fazem promessas espúrias, indignantes, àqueles que deveriam pensar muito mais em nós. Porém, ao contrário, são tratativas a fim de aumentar salários, de ter regalias e mais regalias.
É quase impossível entendermos como pode-se dar aumento para quem já ganha muito e o mínimo para quem já recebe o mínimo. Às vezes, temos a sensação de que o dinheiro de alguns sai de um outro lugar que não dos cofres públicos, ou seja, a gente paga pra essa gente. Pagamos impostos (e ai de nós se assim não fizermos), cumprimos com nossos deveres. Mas não conseguimos ver isso dos nossos (pseudo)representantes. Trabalhamos no mínimo oito horas diárias e se faltarmos ao trabalho, falta; se houver excesso, rua. E eles? Ganham aumento. Sinto muito, mas eles não fazem nada de relevante para nós que ganhamos pouco. Eles não são nossos representantes, podem representar qualquer coisa menos nós.
Não é de indignar?
Quando peço perdão à esquerda é porque acreditei nela por um longo período e estou decepcionado. Tão decepcionado que preferiria que a direita tivesse ganhado as eleições. Não agüento mais receber, na minha caixa de e-mails, mensagens querendo que eu faça parte na defesa desta ou daquela figura de nome dito respeitável e que participa do governo. Chega! Paciência tem limite! Podemos ter cara de bobos e, até certo ponto, temos sido os bobos da república. Agora, continuar sendo pode ser uma opção de alguns; mas, definitivamente, não será a minha.
Não defendo nenhum partido político. E os político-partidários terão em mim sempre "um pé atrás". Afinal, parece até piada ouvirmos de alguns: "não tenho nada, não possuo patrimônio". Que lindo eles, não? Amáveis. Vivem de altos salários e não têm sequer um patrimônio? Conte a piada para outro ou me contrate, porque, mesmo ganhando pouco, tenho patrimônio.
Pois que fiquem com suas amabilidades bem longe de mim. Que se encerrem nos seus gabinetes e não apareçam. A vida real, fora dos gabinetes, está andando. Nós, os bobos da república, infelizmente temos de pagar algumas contas desse pessoal. Contudo, também queremos ter o direito de não enxergá-los por um tempo. Quanto mais fazemos amizades com eles, mais temos de pagar suas contas. É um absurdo. Pior que isso só vendo um comunista encabeçando o aumento. Como deve ser fácil pregar um comunismo às avessas, ser comunista rico não é ruim - até eu seria.
A esquerda precisa ser repensada. Por enquanto, ela está fajuta e faz a mea-culpa com programas assistenciais. Outra característica, que não escapa a nenhum partido, é o alardeamento de belas frases. Quanto mais perto do poder, mais frases de efeito. "A cidade disso", "A cidade daquilo", "Brasil, um país disso ou daquilo". Na prática, porém, tudo fica igual: o de cima sobe e o debaixo desce. Infelizmente, por fim, os debaixo ainda não sabem do poder que têm. São como os cavalos que puxam a carroça, qual cavalo tem consciência da força que possui?






[escrevi este texto com uma indignação tal que me nego acorrigir qualquer conteúdo gramatical]

14 dezembro 2006

UMA NOVA IGREJA

14 dezembro 2006 0
Levi Nauter





Não acredito em alma gêmea, considero que há coisas melhores para se crer. Porém sou partidário das afinidades. Concordo com Maffesoli que defende a era das tribos. Vivemos numa época das grandes massas. Quase tudo é feito para atingir números, publicitário tem sido um bom mercado, além do designer. Eles têm de vender, não podem pensar de forma mais humana, ou melhor, podem, desde que seja em casa, na cama – dormindo ou não necessariamente.
É comum entrarmos numa CDteca e encontrarmos um local específico com o epíteto “os mais vendidos”. Com a neurose da norte-americanização: “the best”. Nessa mesma esteira chegou-nos o fast-food. Outro dia entrei no McDonald, coisa extremamente rara porque só faço isso a fim de pagar menos estacionamento num estabelecimento comercial de Canoas. Estava com minha esposa conversando quando, de repente, fiquei pasmo: ‘estão matando a criança’! Era uma mãe desnaturada dando um desses Mc alguma coisa para um bebê. Quando vou a algum centro de compras e preciso me alimentar, fico um pouco impressionado com a maneira pela qual somos tratados: ou (1) como consumidor ao qual deve-se vender tudo, ou (2) como ladrão cercado por “seguranças”. Talvez isso explique meu gosto quase extremado por estar em casa. Pois, continuando com a história das vendas, ao entrarmos numa livraria (evangélica ou não) também não escapamos dos the best isso ou aquilo, nem dos fast-foods livrescos sob a pseudoégide “mais de tantos milhões vendidos lá”. Em suma, somos mais um número no mix de compradores das lojas.
Não vou, não quero e nem conseguiria mudar essa situação. Quero é fazer um elogio às afinidades. Em meio a esse mundo de correrias, de falta de tempo (ou da desculpa), de compromissos insanos, entre outros, é muito bom encontrar pessoas que param para refletir, para rir, chorar, ouvir música, ler, escrever, divagar sobre a vida e sobre a espiritualidade. Param para falar da humanidade rodeada de divindade.
Tive esse privilégio nesta semana. Encontrei uma família maravilhosa (se eles lerem saberão que é sobre eles que estou falando). Disse para a Lu, em casa, e pra eles, já na casa deles: “estou chegando à minha nova igreja”. Sorrimos, nos abraçamos. Estávamos alegres, a conversa fluía. A paisagem da redondeza era linda: à frente, uma construção antiga; num lado, a Catedral Metropolitana, o Palácio Piratini; do outro lado, um pedacinho do Guaíba. Dentro da casa, dois casais conversando, compartilhando sobre a vida e suas dificuldades, sobre o Dono da Vida e seu jeito estranho e, ao mesmo tempo, amoroso de falar. Em alguns momentos todas as atenções se voltavam para uma lindíssima menina de dez meses que parecia querer chamar nossa atenção ao som dos Tribalistas. Nas nossas divagações passaram por Heidegger, Kierkegaard, Gouveia, Calvino, a Santa Bíblia. Tudo intercalado por um bom chimarrão, por algumas risadas, por música gaúcha. Falamos de assuntos pesados que só um leve momento pode trazer à tona. Não estávamos presos a nenhuma regra, não havia nenhuma formalidade, tampouco a teologia era chata. Era um diálogo profundo sem ser pedante. Não precisávamos mascarar o que não sabíamos, apenas deixávamos claro com um sonoro “não sei disso” ou “não entendi”.
Pelo menos por enquanto, essa será minha nova igreja, a verdadeira igreja-corpo, aquela que não precisa de CNPJ. Aquela que respeita as individualidades de cada um, não tenta mudar ninguém; apenas deixa claro o que pensa com a possibilidade, inclusive, de estar errada e notar apenas mais adiante, no decorrer da caminhada. Nessa igreja Deus não está gessado. Pode falar através de uma música qualquer, de um filme, de uma poesia, de uma ironia, de um riso, de uma lágrima, do silêncio e, por incrível que pareça, de uma lazanha. Sim, quando vi o anfitrião gourmet fiquei pensando que tenho de aprender a cozinhar – e isso também pode ser Deus falando, por que não?
Precioso momento. Preciosas amizades. Precioso Deus.
Só podia ser obra dEle.

26 novembro 2006

Excerto Baleiro

26 novembro 2006 0
composição do ótimo Zeca Baleiro. A música chama-se Piercing
(...) o inferno é escuro não tem água encanada
não tem porta não tem muro
não tem porteiro na entrada
e o céu será divino confortável condomínio
com anjos cantando hosanas nas alturas
onde tudo é nobre e tudo tem nome
onde os cães só latem
pra enxotar a fome
todo mundo quer quer
quer subir na vida (...)

NEOPENTECOSTALISMO - PÓS-MODERNO

Levi Nauter



Para Mim
Venha, venha
ao grande culto, à grande concentração
de fé, de fezes
venha, venha
tomar a benção, "tomar" bem são
eu determino; eu, de ter, mino
venha, venha
pare de sofrer, de só ver
venha tomar posse, tomar passe
venha se salvar, se sujar
Pra Você
você vem ter vitória
eu, a glória
você vem ter a "bem são"
eu, o bem bom
você é salvo
eu, também
você dá dinheiro
eu digo amém
você leva e traz
eu digo: paz!

15 novembro 2006

Pensamento Veloso

15 novembro 2006 0
Belezas são coisas acesas por dentro
tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento


Caetano Veloso

FATO LITERÁRIO. E AS IGREJAS?

Levi Nauter




No final de semana que passou, os interessados em livros e em seu entorno devem ter ficado felizes com o resultado do Fato Literário. Este é um prêmio criado pela Rede Brasil Sul de Comunicação, a conhecida RBS, com patrocínio do Banrisul. Consiste basicamente em premiar, com R$ 50.000,00 (R$ 40 mil do júri oficial e R$ 10 mil do júri popular), eventos de relevância sócio-cultural no estado. As chamadas são colocadas nos veículos de comunicação do Grupo RBS aproximadamente um mês antes do início da Feira do Livro e já teve três edições.
Neste ano, os finalistas eram o professor e tradutor Dr. Lawrence Flores Pereira, da UFSM; o professor e escritor Dr. Luís Augusto Fischer, da UFRGS; o Programa de Leitura Adote um Escritor, de Porto Alegre e a Associação Amigos do Livro, de Taquara. Pois os Amigos do Livro foram os grandes vencedores, ganharam nas categorias júri popular e júri oficial. Foi muito legal e emocionante assistir ao discurso do Sr. Roberto Carlos Sampaio Guedes, responsável pela idéia. Um simples pintor de paredes desbancou os professores e doutores das letras. Parece um paradoxo, dois professores cuja área de atuação são as letras, ambos têm obras escritas e, ainda assim, também aparentemente, um senhor sem nenhum domínio sobre as teorias que circundam as palavras, suas origens, conseqüências, entre tantas bifurcações possíveis, consegue ter um projeto relevante a uma comunidade.
Esse é um fato. Merecidamente ganhou o prêmio. Merecidamente chorou e discursou duas vezes. Uma fala que nos fazia chorar. Um dizer que nos empurrava contra parede e parecia questionar: e vocês que têm um nível superior, o que estão fazendo?
Fiquei pensando, enquanto ouvia-o: o que realmente estamos fazendo, nós que, por vezes, nos consideramos mais intelectualizados? Em que lugar e fazendo o que e para quem e/ou contra quem podemos ser úteis? Como podemos ser relevantes a uma comunidade de maneira a beneficiá-la de fato?
Minha insistência em pensar sobre a igreja-instituição veio à tona: como a atuação da igreja tem sido; realmente significativa? Se assim é, por que há um grande número de pessoas paradas (e não desviadas, como se costuma chamá-los)? Por que não há bibliotecas nas igrejas? Por que não se incentiva a leitura na igreja, uma leitura extra-bíblica? Por que, em geral, os projetos das igrejas são do tipo 'campanha do agasalho' e não de incentivo a criticidade? Por que nos congressos, conferencias e preleções não há espaço para diálogo? Será o medo da crítica? O desejo de não perder poder? A vontade de ter domínio sobre as pessoas?
São perguntas para pensarmos, não necessariamente para respondê-las. Algumas são doloridas, outras parecem sair daquilo consideramos comum num templo, ou seja, uma ordem. Sonho com uma igreja-instituição que possua uma biblioteca farta, uma igreja que invista em obras teológicas, em poesia, em romances, em contos, em ensaios, em entrevistas. Que não possua apenas os livros de Franck Peretti, Rick Warren, Max Lucado; mas também do joãozinho que gosta de escrever versos, da irmã fulana que adora pinturas, entre tantos outros talentos que existem nos templos.
Conversei, há um bom tempo, com um tio que não via há mais de vinte anos. Ele começou a tocar acordeon no dia em que o visitei. Fandango, chamamé e milongas. Bem interessante! Não resisti e perguntei: "o senhor não cansa de tocar assim e ainda ter de fazer o mesmo no culto?". Sua resposta deixou-me com muita raiva: "não toco na igreja, lá as músicas são diferentes, parecem não ter alegria e é proibido tocar em ritmo gaúcho. Então, prefiro tocar bastante aqui. Parece que esqueço do mundo". Foi triste ouvir isso de alguém com um bom potencial para ser mais útil do que estava sendo. A igreja não deveria dicotomizar o mundo. Claro que não somos deste mundo, mas o sentido do texto não é o isolamento, a inércia. Enquanto estamos no mundo, penso, temos de torná-lo melhor para se viver. Não é possível um lugar que não alivie o fardo nem torne o jugo mais suave - não estou defendendo um mar de rosas à Universal do Reino de Deus ou á Igreja Internacional da Graça de Deus, estas fazem um mundo cor de rosas para seus líderes que, mesmo sendo donos de redes de comunicação, continuam pedindo, descaradamente, dinheiro aos seus pobres e muitas vezes acríticos membros. Também não defendo o alívio do fardo e a suavidade do jugo com base na distorção teológica que, dentre outras formas, se manifesta nos pseudolouvores com músicas que só cantam vitória ou convidam para o "festerê", ou, ainda, alienam com letras que, como diria Tom Jobim, "fala tanto e não diz nada". Do jeito que as coisas estão, os membros têm pouca relevância na sociedade, suas opiniões pouco importam para a tomada de decisão dos políticos, por exemplo. Quando decidem criar grupos ideológicos (no sentido de defenderem um determinado ponto de vista, de uma idéia) mais brigam entre si do que compartilham. As posições sócio-políticas dos evangélicos está mais para "venha a nós o nosso reino" do que para a coletividade. E o afã pelo poder não difere em nada do dito mundo, caracterizado pela hierarquia de "manda quem pode, obedece quem precisa".
Lastimável é saber que poucos líderes se importam com isso. Em geral ficam na subjetividade do ganhar almas, ouvir a voz de Deus, meditar, se apaixonar, entronizar e outros "ar". De maneira prática, nada; a não ser, claro, um conjunto de pode ou não pode. O que a igreja-instituição mais sabe fazer é julgar e listar um conjunto de regras aos fiéis. Sabe criar seus próprios desviados e consegue "sair por cima" com frases do tipo "Deus reprime a quem ama" ou "se for de Deus prosperará".
O ganhador do prêmio Fato Literário demonstra-nos que não precisamos ser cultos para ser relevantes. Também não precisamos ser filiados a nenhuma instituição para ganharmos o prêmio máximo. Demonstra, por fim, que, uma vez laureados, devemos continuar fazendo humildemente a diferença.

FEIRA DO LIVRO, DINHEIRO E CRENÇA

Levi Nauter




Estive nos labirintos da 52ª Feira do Livro de Porto Alegre. Para quem gosta de ler não tem coisa melhor. É possível se perder em meio a tantos livros, de boa e de má qualidade, e pessoas de todas as tribos - inclusive as exóticas, com roupas extravagantes que, com isso, por vezes parecem desviar a atenção dos livros.
Concordo com Caetano Veloso quando ele afirma que "os livros são objetos transcendentes" e ainda acrescenta que "podemos amá-los do amor táctil". Exatamente esse é o amor mais utilizado durante a feira, pegamos, alisamos, folheamos e, discretamente, até cheiramos algumas obras que nos fascinam. Particularmente, fiquei curioso com A cura de Schopenhauer, de Irvin D. Yalom; deslumbrei-me com O idiota, de Dostoiévski (que capa da Editora 34!); observei um bom número de pessoas que adquiriram Política, de Aristóteles. Nesse ínterim, outros ficaram um tanto decepcionados tal como eu.
Fui decidido a comprar um livro de Michel Maffesoli. Cuidadosamente procurei o expositor e não titubiei:
– Quero saber o que tens de Maffesoli!
– Bastante coisa – respondeu-me um simpático vendedor que tratou de trazer pelo menos umas cinco obras, além de me informar a respeito de outras, publicadas por diferentes editoras.
Senti-me como um rei. Olhei todos os sumários na busca das temáticas interessantes. Não esqueci de observar o acabamento de cada obra; saber quem traduziu, qual a edição. Feitas as preliminares, comecei procurar os preços. Que decepção! Tive que deixar de lado o grande sociólogo francês e começar uma batalha mental: deixando ele, levo qual? Será que o fulano encontro em bibliotecas públicas? A sensação é triste, mas não voltei sem nada. Feliz estava com Eduardo Galeano, Paulo Freire, Arthur Rimbaud, Mário Sergio Cortella e William Shakespeare. Tenho boas companhias pelos próximos seis meses, no mínimo.
Contudo, refleti outras questões que considero importantes. Admito que tive de fazer opções entre comprar um bom livro por R$ 50,00 e um não menos bom por 30 ou 15. Isso foi possível para mim, porém, nem todas as pessoas conseguem isso, obviamente que não estou subestimando a capacidade delas, considerando-as incapazes de fazer a mesma contabilidade. Ocorre que gastei em torno de oitenta reais e fui pra casa com seis obras de peso. Infelizmente essa não é a realidade da maioria. Há pessoas que acham exagero gastar com livros, entendem existir coisas mais importantes para se fazer (e não podemos ignorar a possibilidade de compra de leite, por exemplo – mas essa pode ser outra discussão). Agora, vamos combinar, o livro poderia ser mais barato! Mais que isso, deveríamos ter bibliotecas públicas com qualidade, isto é, com os últimos lançamentos à disposição dos leitores e/ou associados. Costumo freqüentar duas bibliotecas públicas, ambas têm lançamentos recentes, desde que você esteja à procura de material (pseudo)psicografado. Desculpe-me os adeptos, mas é o fim... É mais fácil encontrarmos Ninguém é de ninguém do que Cuca Fundida ou Ecce homo. Faça um teste!
Como não poderia passar em branco, fui dar uma passadinha nos expositores de livros confessionais, mais especificamente os evangélicos. Encontrei a Sinodal (luterana) e a Luz e Vida (interdenominacional com predominância evangélico-pentecostal). Na primeira encontrei maravilhas - o excelente e denso, Paul Tillich, além de, entre outros, Dietrich Bonhoeffer. Na segunda, 'salvava-se' o Philip Yancey. No mais, uma auto-ajuda gospel. O mais triste de tudo é que pouca gente estava procurando obras cristãs-evangélicas, o que ratifica profundamente o que muitos já sabem: a grande massa cristã lê muito pouco, quase nada, se não nada. Algumas lideranças possivelmente consideram isso uma boa idéia. Cristão sem leitura é acrítico, com pouco argumento e, na maioria das vezes, é silenciado. E como diria o grande educador Paulo Freire: "os silenciados não mudam o mundo". Não escutei absolutamente nenhum programa evangélico que sugerisse aos fiéis um passeio pela Feira do Livro.Oremos para que haja duas mudanças: (1) que os preços baixem e (2) que tenhamos mais leitores cristãos (de obras cristãs e não cristãs), especialmente os evangélicos que, com tristeza tenho de admitir, pouco têm servido à sociedade. Em geral, há um assistencialismo e não um contraponto tocando nas questões profundas que transcendem um templo. Os poucos que se arriscam, têm uma linguagem (o “evangeliquêz”) recheada de frases feitas do tipo “não somos desse mundo”. Assim, fogem da responsabilidade como cristãos e cidadãos. A mudança pode começar pela leitura. Que tal? E se tivéssemos pequenas bibliotecas nos templos? E lugares para leituras? Façamos alguma coisa para termos mais leitores cristãos, porém, de uma literatura relevante, que saia do comum, que sacuda, questiona o vivente. Possivelmente será uma tarefa árdua convencer líderes evangélico-pentescostais, bem como livrarias com essa, digamos, tendência a colocarem obras que saiam do lugar comum. Nossa esperança de renovação de dia em dia, a tal novidade de vida, deve perpassar pelo solitário e prazeroso momento de exercício de parte da intelectualidade cristã: a leitura. Afinal, o que impossível para nós é possível para Deus.

02 novembro 2006

Saudade...

02 novembro 2006 0

Dorival Caymmi

...
Ai, se eu escutasse o que mamãe dizia:
“Bem, não vá deixar a sua mãe aflita
A gente faz o que o coração dita
Mas esse mundo é feito de maldade e ilusão”
Ai, se eu escutasse hoje eu não sofria

30 outubro 2006

Graça Divina

30 outubro 2006 0
Caetano Veloso e Jorge Mautner
Ao seguir aquele vulto
Que percorria o labirinto
Descobri que era eu mesmo, oculto
Dentro das coisas que sinto
E que só sei dizer em prosa e verso
E quando as canto, eis que pronto surge
A rosa do universo
Que desfila ao meu lado
Entre as mãos de um negro anjo alado
Que distribui lá do meio da neblina e da fumaça
A graça que vem de cima
E vem de graça
Porque é a graça
E é divina

PÓS-ELEIÇÕES – 2006

Levi Nauter
Agora que estamos liberados pela "democracia" para falarmos, pretendo dizer,democraticamente, de alguns absurdos que ouvi durante a campanha eleitoral. E começo por deixar claro, a quem interessar possa, que não estou magoado com ninguém como andaram dizendo alguns pseudoesquerdistas que sabem - muito bem - aproveitar o dinheiro que ganham como fruto do vestir uma camiseta d'um partido que esteja no poder. Nunca foi esse o meu objetivo; ao contrário, prefiro, tanto quanto possível, estar longe das artimanhas muitas vezes meretrizadas justamente para a perpetuação do poder, contrariando a necessária possibilidade de mudanças. Estou, aí sim, indignado com a prostituição que, em geral, circunda a política partidária brasileira. Indigno-me com a vergonhosa cegueira que vem tomando conta (e tomando ponta) sob o que vem parecendo ser uma piada: "não sei e tenho raiva de quem sabe". Estou, contudo, na dualidade indignação/paz.
Em função de não acreditar em neutralidade, esclareço que minha posição político-ideológica pende fortemente para a esquerda, em que pese esta palavra carecer de melhor reflexão semântica. Pois, justamente por isso não posso ficar calado ante o autoritarismo, ainda que velado, pautado na arrogância e em sutis ameaças.
Houve pressão descabida, por parte de alguns "companheiros", partindo de falácias parecidas com as que discriminaram a governadora eleita por ela ser natural de outro estado e, em conseqüência, quem é daqui vota somente em conterrâneo. Mesmo erro ao imaginar e jogar ao povo que a privatização está dada. Em relação à naturalidade da, agora eleita governadora, nem vale a pena discutir, tal a feiúra do pobre argumento. Já quanto às privatizações, ao menos por enquanto, nada há para se provar. Quando (e se) elas ocorrerem, bem, então teremos de fazer algo - uma vez que discordamos delas.
A sorte da esquerda talvez esteja na quase acriticidade de algumas pessoas, o que já está mudando - note-se alguns municípios do estado, como Gravataí, por exemplo. No contraponto isso também ocorre - o caso de Canoas pode ser o outro exemplo. Dito de outra forma, as pessoas estão aprendendo a ouvir o que os "cabos eleitorais" têm a dizer e, exercendo seu sagrado direito, votam como bem entendem no secreto da urna. Há que se mudar a estratégia, engodar não vem mais calhar.
Dois dias antes das eleições, ouvi de alguns “companheiros”: “se tu acha que tá ruim tu vai ver, vai ficar muito pior”. Em quase todos os redutos ditos de esquerda pelos quais passei ou com as pessoas que conversei ouvi e li coisas absurdas. Minha caixa de entrada de e-mails sempre recebia a visita de textos que, uno-me a Eduardo Galeano, era um verdadeiro teatro do bem e do mal. Embora sendo eu alguém mais propício a ser de esquerda (mesmo tendo decidido ‘cortar meus braços’), tenho que admitir que as coisas que li intentavam contra minha inteligência. Como diria Gonzaguinha num de seus clássicos: “não dá mais pra segurar...”. É preciso mais respeito para com as pessoas. E como sempre ouvimos que a educação ‘canhota’ quer ser mais libertadora, permita-me conclamar, em uníssono, com um dos maiores representantes dessa educação, Paulo Freire, que não cansava de dizer que temos de lutar contra qualquer sistema que nos “proíba de ser, de perguntar, de discutir, de intervir, de ser um ser humano decente”[1].
Obviamente, defenderei a educação libertadora porque nela acredito. Minha história parece não me dar outra opção. Mas não posso nem vou admitir que, com argumentos espúrios, cerceiem minha tão suada liberdade de pensamento, bem como o direito de me calar ou não quando considerar necessário. Sejam quais forem as razões, o respeito ao ser humano deve pautar as relações, inclusive as partidárias. Precisamos mudar a estratégia, a teoria do medo não está dando efeito. Muito menos querer ganhar no grito, na perpetuação do machismo, do autoritarismo ou coisa que o valha.
Por fim, declaro que votei na esquerda, esquerdamente! E fiz isso não por receio, por exemplo, de perder algum tipo de cargo; o meu foi conquistado legalmente, via concurso público. Também não o fiz para preservar alguma imagem ou vantagem – estou no mundo não necessariamente para que gostem de mim, mas para que, no mínimo me respeitem. Fiz porque julguei ser melhor não trair minhas convicções.
Porém, cogitei e quase lamentei não ter outra opção esquerda.




[1] FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. Ana Maria Araújo Freire (org). São Paulo: Editora UNESP, 2001, pág. 80.

22 outubro 2006

A VOZ DE DEUS

22 outubro 2006 0
Levi Nauter
Hoje experimentei a multiformidade de Deus
Ele falou comigo
ouvi os pássaros,
o barulho do vento nas árvores
e nas folhas pelo chão
escutei o martelo batendo na madeira
um outro batendo num ferro
a água que corria na calçada
o salto alto da mulher que estava atrasada
um bem-te-vi alimentando-se em cima de uma telha
o barulho do rato
minha barriga roncando
a lixa de unha que minha amada utilizava
um carro que freiou bruscamente
o mar, a chuva no telhado
a goteira, o copo no qual servia-se o refri
o gole
o arroto
a evacuação
a força
o papel
a descarga

15 outubro 2006

Quando se publica um texto

15 outubro 2006 0
Levi Nauter
Quando se publica um texto, seja na forma livro ou e-livro ou até em outro formato, não temos mais domínio sobre ele. Quem o lê inevitavelmente chegará a conclusões próprias. Que bom, diga-se de passagem, a democracia e a liberdade têm essa característica, entre outras. Acontece que, como uma mãe cuidadosa com os filhos, a gente sempre tem uma idéia, uma espécie de finalidade quando senta na frente de um computador ou pega um caderno e põe-se a escrever. Tais objetivos podem não combinar com o que o nosso leitor espera ou vai interpretar.
Uma das hipóteses para essa ocorrência tem a ver com as nossas vivências. Eu tenho um determinado círculo de amizades, de leituras do mundo (cosmovisão) e da palavra (livros, jornais, revistas, filmes etc), meus trejeitos característicos que me tornam uma pessoa singular. Todos os seres humanos são assim. É possível que em algum momento meus gostos combinem com os de outros (música, por exemplo), verificamos um princípio de afinidade. A afinidade parece, então, estar ligada a, digamos, gostos comuns. Digo parece porque temos de observar outra questão: também é possível um relacionamento interpessoal a partir das diferenças. Neste particular, alguma outra coisa pode dar o sustento, o respeito é uma hipótese. Existem pessoas que cujas idéias são frontalmente opostas as minhas, mesmo assim temos uma boa relação. Não é o caso de minha esposa (a querida e especial Lu). Com ela a relação é de pura afinidade, em que pese igualmente pautar-se pelo respeito. Ocorre que a afinidade é maior. Se não tivéssemos afinidades seria difícil convivermos; poderíamos ter respeito (e temos) um pelo outro, mas isso não bastaria. A razão parece ser simples: há muita gente com as quais tenho somente respeito, não afinidade. Com essas posso trocar idéias informações, aprender e apreender uma série de coisas. Porém, a afinidade tornaria mais dinâmica essa relação, daria mais profundidade.
Interessante notarmos que a relação por afinidade transcende as regras, o que parece não ocorrer com o simples respeito. Quando nos relacionamos com alguém somente com o respeito, fazemos determinadas ações porque previamente sabemos que “isso ele/a gosta, aquilo não”. Deve ser muito chata uma convivência por regras, a quebra de uma delas pode comprometer o resto. Mas também penso que tanto a afinidade quanto o respeito precisariam entranhar-se de humanidade. Quero dizer que deveríamos procurar/tentar entender o ser humano que existe em nós, i.e., erros, mal-entendidos, falhas na comunicação, decepções, alegrias, tristezas, indignação, estagnação, dinamismo, e, enfim, tudo o que nos faz gente.
Ao escrevermos um texto, nele colocamos, conscientes ou inconscientes, essa humanidade, essa pulsão de vida e/ou morte que está em nós. Um texto, portanto, é um registro do momento. Não significa não mudança, estagnação. Ele reflete um momento histórico, encerra-se nele uma cosmovisão sócio-histórica importante. Por isso é importante a história do autor, não para dizer que ele é necessariamente um reflexo de seu texto, mas, sim, que, de certa forma, foi um momento em que toda sua humanidade, gentetude, estava focada num determinado lugar (assunto que gerou o texto). Quando escrevemos, registramos nossos pensamentos – que, não custa reafirmar, vêm entranhados de outros de cuja essência nos apropriamos.
O problema está na publicação. Torna-se público o que era um pensamento seu. No entanto, a letra, seca, sem gestos, às vezes sem notas de rodapé, tem um efeito contrário ao que esperávamos. Algo aparentemente sem muita pretensão pode tornar-se uma bomba. Por que isso acontece? Pois quem lê não tem, mesmo que queira, a nossa vivência, o nosso círculo de amizades, a nossa cosmovisão, o nosso conteúdo sócio-histórico. Na verdade, na verdade o problema, mais especificamente, está na leitura. Isso é o que venho chamando de as implicações do dizer. Num outro texto que publiquei, escrevi sobre o direito de dizermos o que pensamos[1], falei a respeito da importância de outros lerem o que pensamos, o como vemos o mundo, entre outras questões. Mas não toquei nas implicações do nosso dizer.
Pois quem lê traz à tona suas próprias vivências e as coloca entre a sua leitura e o texto. Ou seja, se esquece que “quando lemos, outra pessoa pensa por nós: apenas repetimos seu processo mental... Quando lemos, somos dispensados em grande parte do trabalho de pensar.” (Schopenhauer[2], p. 127). Pode-se dizer que o leitor deveria ter como ideal conseguir ler sem dar pitacos, num primeiro momento. Em seguida, aí sim, poderia/deveria relacionar o lido com suas próprias vivências para, só então, exercer o seu direito de dizer. começaria um círculo textual: alguém escreve, é lido; esse leitor (re)escreve e é respondido com a ampliação do primeiro texto/discurso e assim sucessivamente até, talvez, se chegar a um consenso ou alguém entender que não valha a continuidade do diálogo.
Tal recurso dialógico será possível na medida em que perpassar pela afinidade ou pelo respeito. A primeira opção possivelmente seja mais duradoura e promete uma boa quantidade de textos; a segunda pode ser que canse mais facilmente.

Num blog e numa crônica o texto é mais livre. Há um certo objetivo, claro, mas, sobretudo, há uma pessoalidade que dispensa formalismos até gramaticais. Alguns estudos apontam que até a linguagem internética está sendo mais aceita. Que tal aceitarmos mais a diversidade advinda no embalo pós-moderno? Quem sabe não sejamos mais sábios a partir do respeito à palavra do outro, apenas limitando-nos a dizer “concordo” ou “discordo”? Que tal assumirmos as implicações de dizermos nossa palavra? E se não cometêssemos o mesmo erro histórico da igreja que nega a palavra a quem pensa diferente? Que você acha de mais diálogo, mais dialética, mais tensão no discurso?
Vivam as palavras, as leituras, os escritos, os papéis, as mentes, os inquietos, os quietos, os loucos, os sóbrios, o lápis, a caneta, o computador, a internet, a Bíblia, a literatura, a pseudoliteratura, os poetas, a coragem, a humildade, o desafio, o papel em branco, a idéia, os dedos, a boca. A vida. O Autor da Vida.

[1] Crônica na Eja: instrumento daquilo que se pensa ou se quer dizer. In Reflexões sobre a educação de jovens e adultos. Santa Maria: Pallotti, 2006.
[2] SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Trad., Org., Prefácio e nodas de Pedro Süssekind. Porto Alegre: L&PM, 2005.

CARAS

Levi Nauter


Não nasci rico, ainda bem
Não preciso, assim, fazer pose
Poucos conhecem minha casa
Não ligo para lugares fashions
Nunca precisei me esconder



Não faço plástica
Não tenho avião particular
Não faço regime
Não sou chique


Não vou a lugares caros
Não pago nada pra ninguém


Não tenho jatinho
Não tenho barco
Não tenho ilha
Não tenho namorado


Mas vivo tanto quanto eles
Mas faço sexo, como
Mas tenho necessidades fisiológicas
Mas adoro algumas coisas e odeio outras
Mas peido e mijo


Ocorre que ninguém me fotografa
Ocorre que ninguém fica sabendo


Definitivamente
sou um
sem
caras

12 outubro 2006

QUEM SOU EU

12 outubro 2006 3
Levi Nauter
Há um ano tomei a decisão de não mais freqüentar uma igreja-instituição, formalizada, com suas regras bem ou parcialmente definidas. Tem sido uma experiência interessante, curiosa, triste e alegre. Interessante porque é uma experiência nova (sobre a qual estou escrevendo mais pausadamente - em breve vou disponibilizar por e-mails e, talvez, pelo blog[1]), instigante e até excitante saber-se querido e amado por Deus. Obviamente que continuo respeitando quem opta pela formalidade, a metodologia científica está aí - todos os trabalhos têm uma certa aparência parecida - e todos conseguem se informar e/ou formar, em que pesem as regras. Contudo, prefiro, ao menos por ora, dar-me o luxo de passar ao largo de tais requisitos eclesiais.
Acredito que o amor, a graça e a transcendência de Deus são, estranhamente, mais palpáveis fora dos templos, fora de um ciclo, muitas vezes vicioso, de irmandade cujos discursos bem podemos decorar e não apreender ("paz do Senhor", "irmão", "tudo bem?", entre outros). Muitas cotidianidades, antes com aparente pouca relevância, passam pela re-cordação (voltam ao coração) e são ressignificadas. A palavra igreja é uma delas. Tal como o amor, que propicia bifurcações de sentido, igreja passa paulatinamente a ser entendida como instiuição (todas as formalidades e hierarquias possíveis), de um lado, e como corpo (lugar da humanidade, da gentetude, portanto, da possibilidade do erro, do perdão...), de outro lado. Esse entendimento parece-me de fundamental importância para entendermos que há um lugar no qual podemos ser humanos, passíveis de erros (sobretudo a certeza de que não seremos menosprezados) e, também, para exercermos nossa possível e necessária intelectualidade. Ao mesmo tempo, um lugar de convívio que não abre mão da criticidade, do respeito, da esperança, da racionalidade, da sensibilidade.
Ocorre que essa visão não interessa aos autoritários/fundamentalistas líderes evangélicos, especialmente advindos de igrejas pentecostais, neopentecostais e afins. Interessa, sim, a dominação, a inquestionabilidade, o amém. Com tristeza, penso que há mais opressão do que libertação na "casa do pai". O evangelho genuíno, a meu ver, tem de (e não que) ser, obrigatoriamente, libertador.
Como esse é um assunto longo e quero discutí-lo com mais vagar noutro texto, vou para os finalmente: o meu espanto.
Ocorre que, após a decisão de me desinstitucionalizar, recebi (e ainda continuo) vários mails cujo conteúdo execra minha opção. Alguns disseram que me tornei humanista, que só penso racionalmente. Os mais ousados não titubearam: "você vai pro inferno", "precisas rever teus conceitos bíblicos", "a submissão a um líder é mandamento bíblico, se não cumpre isso és um rebelde". Ainda outros, mais amenos, restringiram-se a comentar que tenho posições radicais para algumas coisas e frouxas para outras.
Para meu próprio alívio e raiva de outros "irmãos", continuo pensando como cantou nosso Raul Seixas: "prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo". Melhor que isso, encontrei uma poesia do instigante teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer na qual encerra tudo o que penso sobre essas questões quase irrelevantes. Leiamos:
Quem sou eu?

Quem sou eu?
Seguidamente me dizem
Que saio da minha cela
Tão sereno, alegre e firme
Qual dono de um castelo.

Quem sou eu?
Seguidamente me dizem
Que da maneira como falo
Aos guardas, tão livremente,
Como amigo e com clareza,
Parece que esteja mandando.

Quem sou eu?
Também me dizem
Que suporto os dias do infortúnio
Impassível, sorridente e com orgulho
Como alguém que se acostumou a vencer.

Sou mesmo o que os outros dizem de mim?
Ou apenas sou o que sei de mim mesmo?
Inquieto, saudoso e doente,
Como um passarinho na gaiola,
Sempre lutando por ar, como se me sufocassem,
Faminto de cores, de flores, de pássaros,
Sedento de palavras boas, de proximidade humana...

Que sou eu?
Este ou aquele?
Sou hoje este e amanhã um outro?
Sou porventura tudo ao mesmo tempo?
Quem sou eu?
A própria pergunta nesta solidão
De mim parece pretender zombar.
Quem quer, porém, que eu seja,
Tu me conheces, ó meu Deus:
SOU TEU.

Só para lembrar, Bonhoeffer foi torturado e morto no campo de concentração durante o nazismo. Atualmente há outros torturadores por aí. Paradoxalmente fazendo tremular a bandeira do cristianismo. Ah, se Cristo descesse com o relho...

[1] www.levinainternet.blogspot.com

01 outubro 2006

FUI

01 outubro 2006 2
Levi Nauter
Desde hoje decidi ser um cara legal
parei de reclamar, parei de chorar
cessou meu riso, acabou o improviso
terminou a delicadeza
a certeza.
Deixei de ler, deixei de ver
parei de pensar
parei de falar
não coloco roupa
estou nu
pelado
quieto
Não excito
nem me excito
não existo
Dei um tiro em mim
não incomodo mais
não me incomodam mais
desde hoje sou humilde, sou o menor
estou no nível mais baixo
morri

17 setembro 2006

PAULO FREIRE & CORRUPÇÃO

17 setembro 2006 0
Não podemos, não importa a idade que tenhamos, a cor da nossa pele, o sexo a que pertençamos, a compreensão da sexualidade que tenhamos, deixar que a nossa democracia em aprendizagem se afogue em novo “mas de lama”.


Paulo Freire

CHEGA DE deus

Levi Nauter
Não suporto mais ouvir falar
de um deus estranho que ama castigar
parece peçonhento, um deus nogento
não quero mais deus
quero mais deusa
chega de regra
não sou brega
chega de nexo
quero mais sexo
chega de lida
quero mais vida
chega de reação
quero mais ação
chega de erguer as mão, pular
deixe eu ficar em casa, estudar
pare de me forçar
a saltar
a cantar
a dançar
cansei de brincar
de me derramar
de me apaixonar
de tocar
chega desse enlace
ir a tua face
ao teu coração
chega de jargão
que já tá virando tradição
chega de latrina
pára com a doutrina
largue a chacina
pois tornaram-na divina
e eu não sei o que deu
muita gente morreu
foram-se até alguns meus
nem me deram adeus
eu é quem digo:
chega de deus.

04 setembro 2006

Análise

04 setembro 2006 2
Levi Nauter
Na pia
lavando as mãos
terapia
fico são


(pingou, pingou
lavou, lavou
falou, falou
achou, achou)

meus medos

Levi Nauter
subi no telhado
fiquei maravilhado
olhei o fantasma
que me dava medo
parei com a asma
de tremer o dedo

achava estranho
eu daquele tamanho
erguendo o dedo
falando com o bicho
que me dava medo
ninguém via o meu capricho

depois de descer
comecei a perceber
o fantasma comigo a caminhar
levantei de manhã, bem cedo
e descobri: eu tinha que dominar
o bicho que me dava medo

medo ainda tenho, um pouco
mas não fiquei louco
de contar pra'quele troço
que alguém tá me ajudando
e vencer eu também posso
e o medo vai passando

02 setembro 2006

02 setembro 2006 0


Esse é o canto mais bagunçado lá em casa. Trata-se do lugar onde escrevo, leio, ouço musica e olho algum filme. O computador está por perto, ele é importante, em que pese não resistir a um caderno. O lugar da guarda dos livros está uma zorra, mas não me preocupo por enquanto. Vamos continuar lendo o mundo e as palavras grafadas. Mas, sobretudo, acho que temos de registrar as nossas também para o mundo.

26 agosto 2006

DE VOLTA, UM TANTO DESESPERANÇADO

26 agosto 2006 3
É bom estar de volta. Depois de um longo período de repouso necessário, cá estou. Neste meio tempo terminei meus estudos formais, pois entendo que é necessário sempre estudar a fim de que nossa mente continue produzindo idéias. Ou seja, ainda estudo, só que por conta própria ou, como diriam os que amam a linguagem contemporânea, estudo com autonomia. Não que eu não seja adepto da formalidade, ao contrário, sou e muito. Mas num blog prefiro deixar isso de lado; prefiro manter o linguajar num texto cujo destino seja pessoas mais formais. Afinal, a vida já tem suas formalidades e aonde pudermos quebrá-las pode ser bom.
Também nesse meio tempo acalmei minhas ânsias da perda. Perder minha mãe foi duro e, ao mesmo tempo, um convite para avanços que, penso, ela ficaria satisfeita em saber. Ainda nesse tempo adquiri um lugar mais calmo para morar minha amada a partir de 2007. Espero conseguir fazer daquele canto um canto de amor, aconchegante e, sobretudo, um lugar de diálogo com os amigos cujas afinidades também pediam um canto para virem à tona.
Mas há, em alguns momentos, uma desesperança. Estou desiludido com a política-partidária. Para mim, pelo menos por ora, os políticos não deveriam existir. Não se interessam pela causa brasileira, não têm projetos consistente para o país - apenas projetos eleitoreiros, a curto prazo. Incrivelmente descobrem meu endereço e, infelizmente, recebo todos os dias seus "santinhos". Mais incrível é saber que tudo isso, após a eleição, acaba. Ninguém saberá e estará se mixando para o que eu penso ou deixo de pansar - se já não é assim desde agora.
Outro motivo, ao menos momentâneo, de desesperança está na igreja-instituição. Nela vejo líderes cuja preocupação está centrada no encher os templos, aumentar os dízimos e ofertas e continuar perpetuando um evangelho de nicho mercadológico. Mensagens focalizadas na auto-ajuda regadas a músicas alienantes, embalando grupos de dança que mais aproveitam para extravasar suas inquietudes que não podem ser satisfeitas com perguntas. Perguntar é ser rebelde. Rebelde, aliás, que está em alta. Claro que nem todos os grupos são assim. Mas, devo dizer, que aqueles criados no pano de fundo "esses jovens têm de fazer alguma coisa" estão fadados a serem mais um. Pois louvar e adorar vai mais além do que se apresentar.
A igreja-instituição que me perdoe (se quiser), mas por agora que distância. Cansei de ser mais um crente.
Já volto!

13 maio 2006

CAUSO FARRAPO - vitor ramil

13 maio 2006 0
Oigalê-tchê, eh-cuê!
Se aprochegue pra escutar
Oigalê-tchê, eh-cuê
Mais um caso eu vou contar
Numa peleia das braba
topei co'a morte de cara
a matungona parada
de olho na minha alma
Eu le pedi: sai da frente
ou te levanto na espada
Eu sei que a morte eu não mato
mas deixo toda lanhada
Fui, como sempre, educado
jamais falando de valde
mas morte tem uma cara
de quem não faz amizade
Assim pensando, fui breve
que a luta ali me chamava
no meio de tanta morte
a morte eu passei na espada
De relancina, a morte
era uma china estropiada
saí surrando os galego
ai, que prazer que me dava!
Caramurus vejo sempre
na ponta da minha espada
a morte só volto a ver
se a guerra tiver terminada

08 abril 2006

PAULO FREIRE E A CORRUPÇÃO

08 abril 2006 0
Se eu fosse falar sobre essa safadeza que anda acontecendo no país certamente seria excomungado por alguns. Por isso, prefiro que o imortal Paulo Freire diga. Leiamos:
Há algo, porém, que me assusta hoje, e quanto mais me assusta mais me move a falar, mais que falar, a gritar, ao expressar minha preocupação. Me assusta que o desencanto de milhões de brasileiros e de brasileiras, provocado pelo cinismo, pela desfaçatez, pela democratização da sem-vergonhice entre nós, pela impunidade que acoberta tudo, que deixa sempre para amanhã a punição necessária que jamais se realiza, termine por levá-los à defesa da ditadura que emergiria da democracia afogada nas águas da corrupção. [Paulo Freire]
E gora, o que dirão os freireanos que se calam diante da corrupção?

11 fevereiro 2006

ANTES E DEPOIS

11 fevereiro 2006 1
Levi Nauter, em 10-02-06

Houve um tempo em que eu corria
conseguia fugir de qualquer cachorro
era o guru dos mais fracos
quem não gostasse que fugia

Uma vez sorria muito mais que agora
todos para mim eram dentistas
não sabia que sorrisos podem ser falsos
fui mais feliz que agora

Hoje digo e esqueço
passo pelos outros e não lembro o nome
alguns deixam-me com vergonha, fazem "escraxos"
facilmente me aborreço
Antes amava de verdade
gostava de ser gentleman
era de dar golpes baixos
nada mais passa de vaidade
Antes tinha lugar pra tudo, né
tudo mudou, de repente
nada mais faço
a não ser mijar no pé
Antes...
Agora...
Ih, esqueci!!!

ODE A UM PAI [Pai X pai]

Levi Nauter, 27-01-06
Estou vendo um pai
vem atrás de mim
com braços fortes
de quem trabalha com ferro; ar arrogante. Mas esse
eu não quero!
Estou vendo outro Pai
vem a minha frente.
Tem braços fortes e fracos; é alado.
Não consigo ver Seu rosto, brilha muito.
Esse eu quero!
Aquele, nem vi passar por mim.
Esse está do meu lado.
Os dias passam depressa, nem os noto.
Sinto como se voasse com o tempo.
Ele me leva...

15 janeiro 2006

MEU CORAÇÃO ESTÁ PRETO. A MORTE CHEGOU

15 janeiro 2006 4
Levi Nauter

A sexta-feira 13 nunca mais será a mesma para mim. O dia 13 de janeiro sempre será lembrado. Nesse dia a morte finalmente chegou, sem dó nem piedade. Roubou de mim[1] algo precioso. Tirou parte do meu coração. Tirou quem defendeu a vida até não agüentar mais viver. Pareceu um golpe baixo. Fê-la sofrer por querer bem, por amar. Com um suspiro que parecia dizer “fiz o que pude” ela nos deu tchau de mãos dadas com a morte. A morte não tem sentimentos. Danada! Por que levar minha mãe agora? Louca! Por que não brigou com alguém do teu tamanho?

Meu coração está preto. Sei que ele é feito de sangue, é vermelho. Mas, por hora, ele está preto. Porque para mim, por enquanto, está noite. Porque a ajudei colocar a urna mortuária num lugar escuro. Porque estou escrevendo no escuro. Porque tenho um aperto no meu coração. Porque há, agora, um abismo de separação entre eu e ela; uma saudade que parece escura, distante, tênue. Parece que eu estava com a mão no ombro da minha razão de ter vindo ao mundo – a mãe – e, de repente, a malvada morte veio e começou puxá-la para o lado oposto. Assim, minha mão foi descendo, passou pelo cotovelo, foi descendo, passou pela mão calejada, foi saindo, pegou forte nas juntas dos dedos, foi saindo, tocou as unhas, saiu. Fiz força para encontrar a mão dela – que parecia também querer encontrar a minha. Inútil força. A morte venceu. Apenas chorei. Como estou agora enquanto escrevo para alguém que nem sei que poderá ser.
Mas escondi um segredo da morte.

Agora estou vendo minha mãe de um outro ângulo. O ângulo divino. Ângulo do amor incondicional divino, ângulo de amor que ultrapassa o entendimento e chega a ser loucura para alguns. É muito melhor.
Lá vem ela. Forte, linda. Uma mulher sedutora, com voz firme. Está toda chique. Não vem vestindo um vestido qualquer. Vem com um modelito próprio, tirado da sua própria imaginação. Vem com uma pasta enorme. Nela há uma porção de modelos desenhados. Um modelo de roupa que fez pra mim há muito tempo atrás. Outro modelo que fez para o meu irmão. “Esse eu fiz pro Jones”, diz ela contente acrescentando que o Misael já era mais moderno e usava roupas feitas na indústria. Algumas mulheres parecem ter gostado da idéia. A mãe disse que elas não viram nada. Passou a mostrar os vestidos que fez para as minhas queridas irmãs: Lílian e Miriã. “Minhas filhas ficam lindas com as roupas que eu faço”, disse orgulhosa. Só imaginamos, disseram.
Há um livreto de receitas também com ela. E já chegou avisando que todos nós adorávamos o seu pudim de leite condensado. Uma coisa ela disse que talvez não fizesse, para evitar caras feias: doce de laranja azeda.
Numa certa altura, largou tudo o que tinha e foi, tesa, num caminho todo branco como neve. Creio que levava a firmeza e a determinação com que sempre lidou nesse mundo terreal. As mãos e as pernas fracas daqui nem pareciam ser as mesmas. Andava como quem diz “cumpri minha missão: criei meus filhos, trabalhei dignamente e amei um homem”. Não titubeava, sentia-se orgulhosa de tudo que fizera.

Pois é exatamente essa determinação que eu quero, que eu busco. A mesma firmeza, a mesma ternura, a mesma paixão.

Parece que ela me notou.

Mãe, que saudade!
Que vontade de fazer como os bebês: agarrar-te e não desgrudar
Beijar-te, sentir o teu coração
Passar a mão no teu cabelo
Relembrar as vezes que dormia contigo com medo de fantasmas

Queria ser menor que você outra vez
Pra que teu queixo encostasse na minha cabeça e
Assim tivesse a sensação de que nada seria mais seguro que o teu corpo

Tua voz pra mim era também como a voz de um trovão gentil
Acho que aprendi a costurar só pra ficar mais parecido contigo
Acho que disse tanta ‘bobagem’ só pra poder rir contigo

Como temos a mesma crença,
Vai fazendo uma roupa pra mim.

Um dia estarei perto de ti,
Vamos sentar em algum lugar aconchegante para conversar.

Até breve !!!




[1] E creio que falo pelos meus irmãos, também enlutados.

12 janeiro 2006

Meus dias têm sido exatamente o oposto dos dias de Brasília

12 janeiro 2006 0
LEVI NAUTER
Depois de algum tempo, estou por aqui postando. Felizmente em férias! Estou, contudo, estudando bastante. Fazendo um intensivo na tentativa de me formar em 2006/1. Meus dias têm sido exatamente o oposto dos dias de Brasília. Tenho aulas das 15h às 22h30m. Que tal?
Um dia saio dessa vida e vou para um lugar no qual se trabalhe bem menos e ganhe bem mais.
Por enquanto sigo aqui lendo conteúdos pedagógicos, mesclando com Quando Nietzsche chorou. Mas não me desamparem, continuemos interagindo.
 
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