15 novembro 2006

FATO LITERÁRIO. E AS IGREJAS?

15 novembro 2006
Levi Nauter




No final de semana que passou, os interessados em livros e em seu entorno devem ter ficado felizes com o resultado do Fato Literário. Este é um prêmio criado pela Rede Brasil Sul de Comunicação, a conhecida RBS, com patrocínio do Banrisul. Consiste basicamente em premiar, com R$ 50.000,00 (R$ 40 mil do júri oficial e R$ 10 mil do júri popular), eventos de relevância sócio-cultural no estado. As chamadas são colocadas nos veículos de comunicação do Grupo RBS aproximadamente um mês antes do início da Feira do Livro e já teve três edições.
Neste ano, os finalistas eram o professor e tradutor Dr. Lawrence Flores Pereira, da UFSM; o professor e escritor Dr. Luís Augusto Fischer, da UFRGS; o Programa de Leitura Adote um Escritor, de Porto Alegre e a Associação Amigos do Livro, de Taquara. Pois os Amigos do Livro foram os grandes vencedores, ganharam nas categorias júri popular e júri oficial. Foi muito legal e emocionante assistir ao discurso do Sr. Roberto Carlos Sampaio Guedes, responsável pela idéia. Um simples pintor de paredes desbancou os professores e doutores das letras. Parece um paradoxo, dois professores cuja área de atuação são as letras, ambos têm obras escritas e, ainda assim, também aparentemente, um senhor sem nenhum domínio sobre as teorias que circundam as palavras, suas origens, conseqüências, entre tantas bifurcações possíveis, consegue ter um projeto relevante a uma comunidade.
Esse é um fato. Merecidamente ganhou o prêmio. Merecidamente chorou e discursou duas vezes. Uma fala que nos fazia chorar. Um dizer que nos empurrava contra parede e parecia questionar: e vocês que têm um nível superior, o que estão fazendo?
Fiquei pensando, enquanto ouvia-o: o que realmente estamos fazendo, nós que, por vezes, nos consideramos mais intelectualizados? Em que lugar e fazendo o que e para quem e/ou contra quem podemos ser úteis? Como podemos ser relevantes a uma comunidade de maneira a beneficiá-la de fato?
Minha insistência em pensar sobre a igreja-instituição veio à tona: como a atuação da igreja tem sido; realmente significativa? Se assim é, por que há um grande número de pessoas paradas (e não desviadas, como se costuma chamá-los)? Por que não há bibliotecas nas igrejas? Por que não se incentiva a leitura na igreja, uma leitura extra-bíblica? Por que, em geral, os projetos das igrejas são do tipo 'campanha do agasalho' e não de incentivo a criticidade? Por que nos congressos, conferencias e preleções não há espaço para diálogo? Será o medo da crítica? O desejo de não perder poder? A vontade de ter domínio sobre as pessoas?
São perguntas para pensarmos, não necessariamente para respondê-las. Algumas são doloridas, outras parecem sair daquilo consideramos comum num templo, ou seja, uma ordem. Sonho com uma igreja-instituição que possua uma biblioteca farta, uma igreja que invista em obras teológicas, em poesia, em romances, em contos, em ensaios, em entrevistas. Que não possua apenas os livros de Franck Peretti, Rick Warren, Max Lucado; mas também do joãozinho que gosta de escrever versos, da irmã fulana que adora pinturas, entre tantos outros talentos que existem nos templos.
Conversei, há um bom tempo, com um tio que não via há mais de vinte anos. Ele começou a tocar acordeon no dia em que o visitei. Fandango, chamamé e milongas. Bem interessante! Não resisti e perguntei: "o senhor não cansa de tocar assim e ainda ter de fazer o mesmo no culto?". Sua resposta deixou-me com muita raiva: "não toco na igreja, lá as músicas são diferentes, parecem não ter alegria e é proibido tocar em ritmo gaúcho. Então, prefiro tocar bastante aqui. Parece que esqueço do mundo". Foi triste ouvir isso de alguém com um bom potencial para ser mais útil do que estava sendo. A igreja não deveria dicotomizar o mundo. Claro que não somos deste mundo, mas o sentido do texto não é o isolamento, a inércia. Enquanto estamos no mundo, penso, temos de torná-lo melhor para se viver. Não é possível um lugar que não alivie o fardo nem torne o jugo mais suave - não estou defendendo um mar de rosas à Universal do Reino de Deus ou á Igreja Internacional da Graça de Deus, estas fazem um mundo cor de rosas para seus líderes que, mesmo sendo donos de redes de comunicação, continuam pedindo, descaradamente, dinheiro aos seus pobres e muitas vezes acríticos membros. Também não defendo o alívio do fardo e a suavidade do jugo com base na distorção teológica que, dentre outras formas, se manifesta nos pseudolouvores com músicas que só cantam vitória ou convidam para o "festerê", ou, ainda, alienam com letras que, como diria Tom Jobim, "fala tanto e não diz nada". Do jeito que as coisas estão, os membros têm pouca relevância na sociedade, suas opiniões pouco importam para a tomada de decisão dos políticos, por exemplo. Quando decidem criar grupos ideológicos (no sentido de defenderem um determinado ponto de vista, de uma idéia) mais brigam entre si do que compartilham. As posições sócio-políticas dos evangélicos está mais para "venha a nós o nosso reino" do que para a coletividade. E o afã pelo poder não difere em nada do dito mundo, caracterizado pela hierarquia de "manda quem pode, obedece quem precisa".
Lastimável é saber que poucos líderes se importam com isso. Em geral ficam na subjetividade do ganhar almas, ouvir a voz de Deus, meditar, se apaixonar, entronizar e outros "ar". De maneira prática, nada; a não ser, claro, um conjunto de pode ou não pode. O que a igreja-instituição mais sabe fazer é julgar e listar um conjunto de regras aos fiéis. Sabe criar seus próprios desviados e consegue "sair por cima" com frases do tipo "Deus reprime a quem ama" ou "se for de Deus prosperará".
O ganhador do prêmio Fato Literário demonstra-nos que não precisamos ser cultos para ser relevantes. Também não precisamos ser filiados a nenhuma instituição para ganharmos o prêmio máximo. Demonstra, por fim, que, uma vez laureados, devemos continuar fazendo humildemente a diferença.

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