15 dezembro 2007

estamos quase

15 dezembro 2007 0

Levi Nauter








Estamos suando a camisa, tendo bastante dores de cabeça. Mas o sonho está saindo. São dores de parto: doem no início, dão muito prazer depois.






21 outubro 2007

agora entendo

21 outubro 2007 1

Levi Nauter





Não suporto mais a política-partidária. Estou cônscio do mundo político, das implicações políticas de nossas ações e relações interpessoais. Mas também estou ciente do que é conviver com políticos de carteirinha, os filiados a algum partido. E, por incrível que pareça, já fui cortejado por alguns. Resisti, não cedi. Não me arrependo.
Lembro-me de vários momentos em que, direta ou indiretamente, fui persuadido a também persuadir ou induzir o outro a fazer o que "alguém" queria. Numa dessas ocasiões fui tentar convencer um grupo de adultos sobre a importância da educação.
– A educação tem de estar em primeiro lugar. Precisamos investir numa quadra esportiva - sustentava sem muita convicção.
– A gente sabe disso, apenas gostaríamos que outras coisas fossem feitas antes.
Até concordava com os humildes cidadãos presentes naquela reunião. Contudo, havia "alguém" superior que me pressionava para um outro lado - o lado de quem estava no poder. Que fosse uma sala de aula, um professor a mais, melhorias na infra-estrutura da escola. O importante era a educação vencer. A educação, nos moldes formais, tinha de ser tudo.
No saldo das reuniões com os populares o asfalto era o rei. Não havia jeito de convencer que a educação poderia ser melhor que uma rua calçada.
– Faltou problematizar mais, diziam-me os superiores.
Agora entendo.

Estando em um novo endereço, numa nova cidade e tendo que caminhar 800 metros diários percebo 'direitinho' o que aqueles cidadãos tentavam dizer com todas as forças.
Era fácil dizer que uma quadra esportiva, uma sala de aula ou um professor a mais podiam ser tão úteis quanto uma rua asfaltada. Era fácil enquanto eu pisava no asfalto. Parecia-me simples propor "pirações" e ignorar a poeira nos móveis das casas dos alunos, bem como aquela poeira que inalavam no trajeto até a escola.


Mas agora entendo. Sei o significado de viver na torcida por um tempo bom, sem chuva. Também torço para que, durante o trajeto até a parada de ônibus, nenhum carro passe "a mil" me jogando água suja ou barro. Consigo compreender o que é um calçado sujo no centro asfaltado da cidade. Já aprendi a contextualizar a frase "que chuva desgraçada". Até noto quanta educação ainda falta para alguns motoristas.
Por outro lado, vejo certa beleza no atrito calçado-barro-água. Acho engraçada a orquestra 'sapônica' produzindo uma música ininteligível. Treino meu ouvido ao diferenciar pingos da chuva numa poça d'água e no chão de terra firme. Atrai-me, ainda, o ruído dos restos d´água escondidos nas folhas das acácias, que se 'desprendem' com o vento.


É possível notar sofrimento, esperança e beleza na rua onde - momentaneamente - moro.

05 outubro 2007

[mistério] - levi nauter

05 outubro 2007 1

Levi Nauter





Tenho preferido dizer da minha satisfação de estar vivendo exatamente onde estou neste exato momento, ou seja, num lugar provisório que possui cara de interior, jeitos de periferia e muito para se aprender sobre a vida.
Outro dia parei-me para rever o Acústico Marina Lima. Num certo momento, ela chamou a instigante Fernanda Porto para cantar e tocar com ela a música Charme do mundo. Apesar de a letra ser meio água com açucar, há um momento em que o trecho, digamos, me pegou: "tudo que eu quero / sério / é todo esse mistério". A partir daí, tive de desligar o vídeo devido a reflexão que teimou em me envolver. Vi-me nesta situação: estávamos (eu e a Lu) indo morar perto da nossa construção, num lugar 18 Km mais distante donde antes moramos por doze anos.
Há todo um mistério que precisa ser apreendido nessa nova empreitada. O primeiro deles é que, sendo humanos, aonde passamos vamos criando laços fraternos. É sempre difícil cortar alguns desses laços. E o cortar a que me refiro está mais para "esticar" do que "cortar". Na verdade não cortamos nada, apenas fomos para outra cidade. As conversas diárias de outrora deram lugar a visitas. Os rostos que víamos todos os dias mudaram. O asfalto pelo qual passávamos diariamente foi trocado por uma rua de chão batido. Os poucos minutos que eu demorava pra chegar na escola onde trabalho transformaram-se em duas horas. O barulho ensurdecedor dos carros foi trocado pelo canto dos pássaros, dos sapos, das ovelhas e de algumas crianças que estão aprendendo a falar. O meu entorno mudou; estou, momentaneamente, como que sem laços.
Outro mistério é a gente daqui. Prefiro o termo gente porque ele me soa como uma palavra capaz de abarcar o amplo significado e as implicações de ser humano, de estar vivo. Minha redondeza é feita de gente simples, com poucos sonhos. Com fala mansa, eles dizem-me "aqui é assim, sempre calmo", o que tenho comprovado na prática. Estava acostumado com filas pra tudo (banco, supermercado, lojas, ferragens etc) e aqui isso praticamente não existe. À espera de um ônibus, em pleno horário de pico, as pessoas aguardam-no batendo um bom papo. Meu primeiro dia de espera foi surpreendente:
– Não tem fila pro ônibus? Indaguei curioso.
– Não, quando o ônibus chega as pessoas que precisam dele vão se ajeitando. São vários itinerários nessa parada, então não tem fila. Onde o senhor quer ir? Explicou-me um senhor prestativo.
Foi uma bela surpresa. Num mundo de correrias, lá parece que o tempo dá um tempo.
Finalizo minha pequena reflexão falando de um outro mistério que me vem chamando a atenção. Os mistérios do mato. Quando chego do trabalho, à noitinha, caminho aproximadamente oitocentos metros até a casa provisória. Durante o percurso ouço ruídos que nunca tinha escutado na minha vida. Sempre vivi em cidade com pouca árvore, mato, verde. Cantos de pássaros que eu nunca tinha escutado; o vento soprando nas acácias; o barulho parecendo uma porta se abrindo nos taquarais; meus pés pisando as pedras que parecem querer fugir; a minha respiração ofegando. Em casa, por volta das 23h, o ruído longínquo passa a ser dos eventuais caminhões que cruzam a BR-386. O ronco dos motores são de diversos tipos. Minha mente gira.
Não posso deixar de mencionar ainda um outro ruído: o barulho de betoneiras, colher de pedreiro, serra, chinelos, pedras, árvores. Tudo novo pra mim. Tudo parte de um sonho acalentado por doze anos. É extremamente difícil realizar o sonho da casa própria. Com o suor do nosso trabalho, sem a ajuda de terceiros (a não ser o Todo-Poderoso), estamos, como diria Renato Teixeira, "tocando em frente". Tudo que queremos é todo esse mistério.
Agora posso cantar o belo samba da Marisa Monte (Universo ao me redor) - que temos furado de tanto ouvir: "eu durmo sereno e acordo com o canto dos passarinhos".
Outros mistérios virão.

30 setembro 2007

[casa de passagem] - levi nauter

30 setembro 2007 0
Levi Nauter
Daqui a pouco faremos uma semana de casa nova. Novo lugar para morar, novo endereço, novos ares, novos desafios. Nossas noites têm sido tranqüilizadoras: sem o costumeiro barulho dos cachorros (que não tínhamos), sem tiros, sem ouvir muitas conversas, sem termos que ouvir músicas forçadamente.
Estamos numa casa de passagem, no sentido de que nela ficaremos por no máximo cinco meses. Enquanto isso acompanhamos mais de perto a construção, digamos, da casa definitiva. Olhamos de perto e de longe. Conversamos com o construtor, fazemos escolhas, sugerimos, ouvimos, olhamos, olhamos. Voltamos para a nossa nova realidade. Nova realidade? Sim.
Vivemos uma nova realidade desde o dia 21 de setembro deste ano (2007). O novo município tem cara de interior: o ar nos parece mais puro, há mais verdes, a menos poluição de carros e menos poluição sonora. Afinal, o município é pequeno. O maior baque, pelo menos pra mim, está sendo ter de conviver sem muita tecnologia. Momentaneamente, não temos computador nem TVs modernas; deixamos nosso 'som' que tocava MP3 - junto com muitos outros aparelhos e produtos - na casa de um parente. Por assim dizermos, fomos com o mínimo para sobrevivermos. Mas não deixei os livros. Nem tanto porque vou lê-los todos, mais porque eles parecem me consolar. Os livros me consolam. Melhor é dizer que alguns me consolam; outros, me enraivecem apesar de não me desfazer deles pois representam a minha história-memória. Quando olho para os livros que possuo ou lembro de todos os que já li, observo a minha própria história, as mudanças de cosmovisão pelas quais passei no decorrer dos anos. Por isso os livros todos foram comigo para a nova casa.
Momentaneamente não estão comigo muitos CDs e DVDs que gosto. Essa opção por viver com o mínimo tem sido uma experiência cheia de mistérios, alguns bem dolorosos. Parece bem mais fácil viver sem mordomias e depois tê-las do que, tendo-as, perdê-las. Não é fácil pisar no chão batido, "comer pó" depois de ter morado anos numa rua asfaltada. Igualmente não é tarefa fácil trocar um som com aproximadamente 200 watts por um de 20. Mais ainda: não é estimulante ficar perto de pessoas que parecem não ter mais sonhos. Não ter muitas esperanças, ficar indignado com a situação cotidiana parece-me sempre saudável. Mas não ter sonhos e nenhuma esperança de mudança é o fim. Essa é a sensação que tenho quando converso ou observo algumas pessoas dessa nova cidade.
Minha grande luta tem sido travada comigo mesmo: não perder a capacidade de sonhar e de ter esperança. E um bom alento para isso é saber que estou com minha mulher num lugar provisório, até que a casa definitiva se efetive. Nesse ínterim, tento aproveitar o momento da melhor maneira possível, tentando me desestressar, lendo, estudando, ouvindo um pouco de música - música mecânica e a música dos muitos pássaros que existem por perto. É essa função toda que não me deixa parar de sonhar. Essa função é cercada de um mistério que me fascina.
Contudo, minha opção tem sido pela vida. Apesar de eu demorar duas horas (tanto para chegar no meu lugar de trabalho quanto para voltar dele) num entra e sai de ônibus, nada substitui o prazer de estar num lugar com aspectos de interior e que me permite ser mais eu.

20 setembro 2007

mudança - levi nauter

20 setembro 2007 2
Olá

A todos os amigos – distantes ou mais chegados – comunicamos que estamos nos mudando para o município de Nova Santa Rita (BR 386 em direção a Triunfo). Lá estamos construindo nossa nova casa e vamos cuidar de perto todas as etapas da construção que se iniciou entre o final de julho e início de agosto.

Após doze anos morando num mesmo lugar, novos ares nos esperam. Santa Rita tem um ar interiorano que sempre nos encantou. Enfrentaremos desafios enormes e estamos com todo o gás pra isso.

Em tempo oportuno contaremos mais detalhes. Algumas inevitáveis reflexões sobre toda essa mudança serão postadas nos blogs que mantenho:

1- LEVI NA INTERNET – www.levinainternet.blogspot.com

2- ANOTAÇÕES SOBRE UM CRISTIANISMO – www.anotacoessobreumcristianismo.blogspot.com

A partir de agora, minhas intervenções internéticas ficarão restritas a uma vez por semana. Continuem opinando e enviando seus mails, reponde-los-ei na medida do possível. Nosso telefone residencial momentaneamente não existirá.

Grande abraço a todos,

Levi Nauter & Luciane de Mira.

07 setembro 2007

a linguagem na prática

07 setembro 2007 0
Levi Nauter



Apesar de eu não me considerar um professor exemplar, estou nessa e tento dar o melhor que posso. Desde que me formei leio muita teoria tendo em vista os desafios impostos pelos educandos. Corro aos livros, às anotações, aos cadernos da faculdade e, não poucas vezes, ao e-mail de alguns dos meus mestres. A professora Dra. Luana Soares, minha célebre orientadora do TCC (sabe tudo de pós-modernidade literária, paródia e romance arturiano – além de ser grande pesquisadora da obra de Saramago) é uma dessas pessoas que me salva.
Quero refletir sobre o impacto entre a teoria e a prática, sobre o quanto ela é importante quando se efetiva. Pois, afinal, há uma imponente diferença entre ler teoria e internalizá-la, outra, ainda, é vivê-la. Até hoje li (e continuarei lendo) a respeito das teorias que versam sobre a aquisição da linguagem. Atuo na área da linguagem, embora muito mais voltado à produção textual
[1], e saber sobre o que dizem/pensam em relação à linguagem nunca será demais. Contudo, o peso teórico mesmo, em geral, está mais fadado e ser visto de soslaio em épocas de concursos públicos; antes disso, ficam para as tão sonhadas ‘horas de folga’. O grande desafio do professor/educador talvez esteja em aprimorar a sua epistemologia[2] tanto quanto o faz para dominar os conteúdos de seu(s) componente(s) curricular(es). Porem, esse assunto não é o objeto do que eu quero falar ou dizer.
Estou no meio de um fogo. I’m in the fire. Estou na luta por adquirir uma no língua. Acabo de iniciar estudos sobre a língua inglesa na Universidade onde me graduei. O primeiro dia de aula foi um susto; agora me sinto mais à vontade em meio ao caos inicial da sensação de ter que pensar numa língua e dizer noutra. Ameniza saber-me no mesmo nível dos demais colegas da sala (beginning). Também é um alívio e uma ajuda muito boa gostar de algumas músicas ‘made-make in english’. Como, que fique bem claro, não sou adepto da visão de mundo norte-americana
[3], tampouco considero a língua inglesa a mais perfeita que existe, com a qual se diz absolutamente tudo. Eu amo a minha língua materna. Penso no inglês como a língua de Shakespeare e como uma possível ferramenta de trabalho. E só.

Então, qual a razão deste texto? Simplesmente dizer que sou forçado a voltar à criança que tenho em mim e que, em muitos momentos, tento esconder. A criança não tem medo de arriscar, de errar. Ela fica fazendo ‘testes’ com as palavras, grita, ri, brinca com os múltiplos sons da boca. Não se importa com o que os outros vão pensar. Eu sou exatamente o oposto. Faço um tremendo esforço para não errar. A criança também não tem medo da correção. Não sei se ela entende como um ato de amor, sei que eu tenho receios – até porque com a idade que tenho será um ato de correção mesmo e não de amor. O espaço acadêmico, na minha opinião, é ou deveria ser um lugar propício à possibilidade do erro como um constante recomeço e aprofundamento. O poeta já dizia que “basta estar vivo para correr perigo”, ainda assim nessa sociedade parece que nos ocultam essa máxima.
Momentos antes do meu primeiro encontro com a professora, ficava imaginando-a (nem sabia se seria ela ou ele). Pensava nos seus materiais didáticos, nas propostas ‘ulbrescas’ tão alardeadas nas aulas da graduação. Igualmente imaginava comparações entre as aulas que eu teria e as que dou para meus alunos de quarta e oitava série. ‘Será que tudo o que estou pensando agora meus alunos pensam em relação a mim?’ – indagava-me. Em relação a mim, ainda não tenho respostas, o que é muito bom na perspectiva educacional da qual sou adepto, ou seja, uma pedagogia da pergunta. Já em relação as aulas de inglês, estou adorando. Dentre tantas razões, algumas de ordem bem pessoais, está que não estudamos na perspectiva falaciosa de sair traduzindo tudo o que encontramos pela frente que não seja português. Não, é um exercício de captação da idéia central. Sobretudo, respeita-se a autonomia do aluno incentivando o seu avanço. Até mesmo o trabalho em grupos – uma das minhas tantas dificuldades – tem-me sido surpreendente.
A maior dificuldade nas aulas de inglês tem sido eu mesmo. Vencer os medos, os receios, as desconfianças e arriscar-me mais, eis o desafio. Tenho sentido na pele exatamente aquilo que proponho aos meus alunos: que falem, digam, expressem... Nessas primeiras aulas de inglês o outro tem sido importante, pois é ele quem me permite interagir e aprender. Essa é mais uma retificação das minhas iniciantes leituras do filósofo Martin Buber e seu instigante Eu e tu
[4].
É possível que paralelamente as aulas haja um aprofundamento filosófico-educacional, o que seria o ápice. Não acham?


[1] Mais especificamente, a produção escrita como forma de preservar a memória e como instrumento para dizer do e dialogar com o mundo.
[2] BECKER, Fernando. Epistemologia do professor: o cotidiano da escola. 10.ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2002.
[3] Essencialmente retratada na cosmovisão das artes pensadas exclusivamente para a grande massa.
[4] BUBER, Martin. Eu e tu. São Paulo: Moraes, 1974.

02 setembro 2007

à mulher que eu amo

02 setembro 2007 0

Levi Nauter





Falar de uma pessoa especial é difícil. Mas vale o esforço. Hoje meu coração está saltitante. Estou comemorando o aniversário da pessoa que me faz feliz. Passei a semana pensando em como fazer essa homenagem, em como dizer o que gostaria de dizer – sabendo, antecipadamente, que pouco vou expressar do que sinto. Há sentimentos que, trazidos à tona, são apenas sombra do que sentimos. Vale a tentativa.
Como somos apaixonados por música, meu recurso está definido.
Com quinze anos de convivência não tenho pudores para dizer que a amo. “É sobre-humano amar cê sabe muito bem/é sobre-humano amar, sentir, doer, gozar, ser feliz...”
[1] No início há receios de se dizer que ama; com o passar do tempo, o tal amor vai aflorando até que dizemos, sem medo, “vermelho são seus beijos/que meigos são seus olhos”[2]. Lu, és minha menina bonita, menina bonita, ai[3].
É maravilhoso estar contigo, Lu. Fico com a cabeça cheia de idéias
[4]. Como diria Lenine, é preciso paciência. São tantos os sonhos, as batalhas, os risos e os choros pelos quais temos passado. Haja paciência! [5]


Tenho aprendido muito nessa caminhada contigo. Admiro a tua garra, a tua obstinação por um foco. És os meus pés no chão; graças a isso, posso dar altos vôos sem preocupação. És um presente na minha vida, “és manjar de reis/dos mais finos canapés/mas agora é minha vez de te fazer mil cafunés”[6].
Não vejo a hora de podermos, juntos, rumarmos ao nosso novo ninho, onde viveremos o restante das nossas estações de existência. Muito mais histórias vão brotar, mais flores, mais coloridos, mais nós. Lá, mais seguidamente veremos beija-flor
[7].


Como podes ver, faltam-me as palavras. Prefiro encerrar com dois ícones das músicas que escutamos juntos:


Tom Zé


“...Menina a felicidade
É cheia de lata, é cheia de graça
É cheia de pano, é cheia de peno
É cheia de sino, é cheia de sono
É cheia de ano, é cheia de eno
É cheia de hino, é cheia de ono
É cheia de an, É cheia de en
É cheia de in, É cheia de on”
[8]


E esta, cantada pelo inconfundível Chico:


“De que calada maneira
Você chega assim sorrindo
Como se fosse a primavera
Eu morrendo
E de que modo sutil
Me derramou na camisa
Todas as flores de abril
Que lhe disse que eu era
Riso sempre e nunca pranto
Como se fosse a primavera
Não sou tanto
No entanto, que espiritual
Você me dar uma rosa
Do seu rosal principal”
[9]



Lu, eu te amo!
Tu és a demonstração da graça divina sobre a minha vida.
Parabéns pelo teu dia.








[1] Trecho de ‘Mais simples’, música do excelente professor-compositor-estudioso José Miguel Wisnik.
[2] Trecho de ‘Vermelho’, letra e música de Vanessa da Mata.
[3] Paráfrase de parte da letra da bela ‘Malemolência’, da maravilhosa Céu (o disco é um céu afro-brasileiro).
[4] Referência a uma Linda música do grupo Mundo Livre S/A, CD Por Pouco.
[5] Paciência faz parte do CD ‘Na pressão’.
[6] Manjar de Reis é uma composição de Jorge Mautner e Nelson Jacobina. Está no ótimo CD “Eu não peço desculplas” – de Mautner e Caetano.
[7] Há uma linda música homônima de Flávio Venturini e Ronaldo Bastos, que inclusive nomeia o CD: Beija-flor.
[8] Lindíssima música ‘Menina, amanhã de manhã’, do Tom Zé, cantada pela lindíssima voz de Mônica Salmaso – CD Iaiá.
[9] ‘Como se fosse a primavera’ é uma música de Pablo Milanez e Nicolás Guillén; está no imperdível CD Chico ao vivo, show As Cidades.

21 agosto 2007

A DIFÍCIL [e maravilhosa] ARTE DE ESCOLHER 2

21 agosto 2007 0
Levi Nauter




Não sou de indicar filmes. Não sou o que se possa chamar de cinéfilo. Contudo, por que furtar-me de dizer o que gostei? Por que não sugerir filmes nem tão cabeças como As invasões bárbaras ou algum do Godar?
É o que vou me permitir.
Neste final de semana, assisti, por duas vezes, ao filme O amor não tira férias – com as lindas Cameron Diaz, Kate Winslet, além de Jack Black e Jude Law (este, conforme a Lu, também lindo). Escrito e dirigido por Nancy Meyers, distribuído pela Universal, o filme é ótimo para quem está vivendo o que eu estou vivendo: construção de uma casa.

Para não ficar no reducionismo sempre nefasto a uma obra de arte, afirmo que há mais no filme. Destaco, por exemplo, uma pequeníssima amostra de como é feita a trilha sonora para um filme; temos, na personagem de Diaz, um modelo de estresse pelo trabalho – algo que a meu ver não vale a pena. Há o campo, digamos, amoroso: a personagem de Black tem uma ‘p’ sorte, um feio que consegue uma linda (talvez o meu caso). Aprofundando as questões humanas, o romance de Diaz e Law cativou-me. As filhas são duas crianças lindinhas (que vontade de brincar com elas). Há uma discussão quase secundária em torno de o quanto o mercado valoriza as pessoas a partir de uma certa idade.
Em que pese a temática mais nerd, gostei mesmo das duas casas. A de Los Angeles é cheia de tecnologia e, a meu ver, pouco aconchegante. Há boas idéias sobre jardim, sobre aberturas, cores. A segunda, no entanto, possui mais aconchego. É pequena, com ares mais interioranos; funcional. Em ambas o lugar, o entorno tinha tudo a ver. Sempre me pareceu, tanto vendo o filme quanto construindo, que a vizinhança também faz a nossa casa. Um vizinho caprichoso, por exemplo, nos instiga. A paisagem da segunda casa, Londres, é de uma beleza quase indescritível; a neve dava um charme todo especial.
Olhei duas vezes o filme.

Não posso deixar de destacar a trilha sonora. Com um amigo músico (e dos bons) tenho descoberto o ‘smooth jazz’. Pois no filme encontramos músicas dessa verve. Uma beleza. O excelente James Taylor dá uma canja. As músicas complementam o charme dos artistas bonitos, aliados a uma bela paisagem que vai sendo desnudada e enchendo a cabeça do espectador de idéias.

A mim falta só o dinheiro.
Fica a dica.

31 julho 2007

A DIFÍCIL [e maravilhosa] ARTE DE ESCOLHER

31 julho 2007 0
Levi Nauter


Sempre tive dificuldades em tomar decisões, em fazer escolhas. É sempre um risco essa tarefa. O melhor seria viver uma vida mais tranqüila, mais amena. No entanto, a vida é uma escolha. Ao menos parece-me.
Nesse final de semana fiquei enrrascado. Entrei em pelo menos três boas livrarias de Porto Alegre.
Nelas, tive dificuldades para escolher o que comprar, como ter o melhor preço, ter um livro valioso. Havia livros por toda a parte. Era quase possível tropeçar no objeto de meu desejo. Folhei vários, cheirei outros; senti o ventinho que faz ao folharmos todas as páginas num só ato. O que levar? Mas, com esse preço, será que não compro algo melhor? e por ai fui...
A mulher que roubava livros, de Zusak, será uma boa? E se adquirisse 101 dias em Bagdá, da Seierstad? E os meus alunos? Que obra posso comprar para melhor me sair nas aulas? Não tive respostas. E ao meu lado, como que me beliscando, Llosa, Márquez, Saramago, Borges, Huxley, Betancur, Gaarder. Também tinham os cristãos mais clássicos, aqueles que escrevem tudo o que a gente já sabe. Havia os auto-ajuda que, apesar de também sabermos do que tratam, faz-nos, às vezes, pensar: e se fosse verdade? Encontrei os cristãos que andam me atraindo mais ultimamente: o Steven, com o seu A espiritualidade na prática; o sempre bom Gondim, com O que os evangélicos [não] falam. Vi, mas não compraria no estágio em que estou, os pretendentes a baluartes da verdade, Charles Colson e Nancy Pearcey (ah, se essa gente protestasse contra seus atuais governantes).
Fiquei balançado com os filósofos Heidegger e Martin Buber, entre tantos outros.
O que fiz? Não comprei livro.
Apelei para a música, pensando que seria mais fácil. Ledo engano.
Encontrei muitos dos artistas que gosto, dos que têm alma, letra, cabeça, estudo, enfim, prestam. Não foi fácil escolher entre as maravilhosas Mônica Salmaso, Teresa Cristina, Rita Ribeiro, Céu, Zélia Duncan, Dona Ivone Lara, Olivia Hime, Olivia Byington, Bebel Gilberto, o Guinga, Zé Renato, Paulo Moura, Yamandú. Foi difícil.
Para terminar, acabei escolhendo a gata, a linda, a morena com a cor e o cabelo do Brasil: Vanessa da Mata. O CD Sim continua com a pesquisa de sons vocálicos do Essa boneca tem manual. Depois da Lu, a voz que mais ouço é a dela. Disse sim à Vanessa. Que voz dessa mulher!
Ouçam, vale a pena.
Estou cativado pela música Pirraça, dela e de Kassin. As fotos do conterrâneo Gringo Cardia, mais uma vez, como era de se esperar, ficaram lindas. Que arte!!!
Beijos,
vou ouvir música.

25 julho 2007

A CASA 2

25 julho 2007 0
Levi Nauter



Mais uma etapa dos trabalhos cumprida. Já temos luz em nosso futuro lar. O matagal já faz parte do passado, relembrado pelas fotos. É estimulante olhar para um terreno outrora cheio de mato e imaginar a casa por que tanto sonhamos e tanto poupamos financeiramente. É emocionante. Para alguns, como o operador da máquina, talvez, seja apenas mais um terreno. Para mim e para a Lu é a concretização de um sonho. E estamos buscando vivê-lo da melhor forma possível.
O ambiente nesse dia foi tumultuado. Estavam por lá dois caminhões, uma máquina ‘retro’, meu carro, o carro do responsável pela construção, o da engenheira, o do responsável pelas micro-estacas, além da moto do senhor que fará o poço artesiano. Parecíamos chiques, endinheirados. Tudo saiu nos conformes, dentro do previsto. Não houve um tumulto sequer. Até desconfiamos.
Estamos impressionados é com os preços. Tudo é caro. O salário da gente não sobe, mas os materiais de construção parecem subir pelo menos uma vez por mês. Outro dado interessante sobre isso é o quanto há de diferença de preço de uma madeireira para outra. A diferença em alguns produtos é de até cem reais. Um absurdo. O pessoal desse ramo parece imaginar que dinheiro dá em árvore.
Hoje fomos pesquisar preços de louças, cerâmica, entre outras necessidades de construção. Mais estarrecimentos com preços. O sonho tem dado força, bem como a confiança nas pessoas com as quais fizemos acertos. Também hoje conseguimos almoçar em casa, poupamos um troco importante. Todo o dinheiro poupado pode ser revertido em alguma coisa (uma guia, uma telha, um saco de cimento, pregos etc).
Quero acompanhar a marcação da obra, outra etapa completamente nova pra mim e sobre a qual estou curioso. Meu negócio até bem pouco tempo era apenas ler muito, escrever e dar aulas. Agora, tudo isso – mais ligar para o cara da areia, da brita, da lage, do cimento; falar com vizinhos. Tudo pelo social. Ou melhor, tudo para pagar mais barato.
Está sendo uma aula. Fico observando aqueles senhores, aparentemente, sem nenhum estudo acadêmico e, apesar disso, dando-me um banho de sabedoria, de experiência, de esperteza. Eles são muito rápidos nos cálculos. Ainda bem que a Lu sabe bastante de contas, principalmente a pagar. Meu negócio é dizer “concordo” ou “discordo”, nada mais.

Depois conto mais.

24 julho 2007

A CASA 1

24 julho 2007 0



Levi Nauter










A partir de hoje, inicio uma série de textos extremamente pessoais tratando a respeito de um grande sonho meu e da Lu – meu amor. Demos o pontapé inicial no sonho da casa própria. Estamos muito felizes, ansiosos, com uma estranha alegria e nervosismo. Porém, tudo está sendo bem encaminhado, dando certo.
Nossa maior satisfação é estranhamente, graças a Deus, acompanhada de reflexão, de questionamento: quantas pessoas gostariam de realizar o nosso sonho? Quantos poderão fazer o que estamos tendo a oportunidade?
A resposta está em que pagamos um preço. Por vários anos deixamos de fazer o que gostaríamos para focalizar nossos objetivos. Deixamos de comer fora, de comprar uma roupa melhor, de passearmos mais, de ir a lugares mais distantes (nacionais e internacionais). Tínhamos um foco. Penso que estamos colhendo os frutos.
Particularmente, estou vivendo um momento especial nas relações interpessoais. Estou tendo que negociar. Eu que nada sei de números, de contas, de cifras, estou aprendendo a negociar, a pechinchar.


Hoje medimos alguns lugares. Tive de encontrar alguém para a terraplanagem, para aterro, para a limpeza geral do pátio. Em seguida chegou a vez da primeira negociação com a madeireira. Foi legal. Saímos de casa cedo, chegamos à noite. Isso não estava no ‘script’.
Amanhã será a vez de negociar algumas “pendências” com a Engenheira, além de preços com o pessoal do poço artesiano, das micro-estacas, da retro. Teremos de rodar na busca do melhor preço. E será um prazer, junto com a esposa, correr atrás de um sonho do qual – agora sim – parecemos mais próximos.
Depois conto mais.

01 julho 2007

profecia bezerrana

01 julho 2007 1
Levi Nauter




Se vocês estão a fim de prender o ladrão
Podem voltar pelo mesmo caminho
O ladrão está escondido lá embaixo
Atrás da gravata e do colarinho




Bezzera da Silva

08 junho 2007

DIA DOS NAMORADOS

08 junho 2007 2

Levi Nauter




Sempre gosto de frizar que minha mulher não é minha propriedade. Estamos namorando há pelo menos quinze anos. Temos vivido momentos muito especiais. Consigo, sem nenhum problema dizer “eu te amo”. Quando temos alguém tão especial essa palavra parece sair ao natural. Mas gostaria de dizer mais. Falar da vida a dois não é uma coisa tão fácil e em muitos momentos faltam-me palavras.
Essa é a razão de eu ter escolhido transcrever algumas das músicas que têm embalado nossos romances mais e menos secretos. Haveria muitas outras, mas optamos por essas devido a significação, pelo menos por ora.

A primeira composição é do maravilhoso Chico César. Está numa coletânea que vale a pena e que custa muito barato: a série millenium. A música é simplesmente linda, a harmonia tem um embalo calmo e dançante. Chama-se “quando fecho os olhos”, dele e de Carlos Rennó. Leiamos, prestando atenção especial no coro:


E aí você surgiu na minha frente,

E eu vi o espaço e o tempo em suspensão.

Senti no ar a força diferente

De um momento eterno desde então.

E aqui dentro de mim você demora;

Já tornou-se parte mesmo do meu ser.

E agora, em qualquer parte, a qualquer hora,

Quando eu fecho os olhos, vejo só você.


(coro)

E cada um de nós é um a sós,

E uma só pessoa somos nós,

Unos num canto, numa voz.

O amor une os amantes em um ímã,

E num enigma claro se traduz

Extremos se atraem, se aproximam

E se completam como sombra e luz.

E assim viemos, nos assimilando,

Nos assemelhando, a nos absorver.

E agora, não tem onde, não tem quando:

Quando eu fecho os olhos, vejo só você.



A segunda canção é do também maravilhoso Zeca Baleiro – um compositor, cantor e instrumentista de quem sou grande fã, essencialmente por sua intelectualidade, por sua poesia recheada de trocadilhos. Acho que essa música tem a ver com o nosso estar junto e, ao mesmo tempo, ouvir o que ouvimos em nossas andanças. Chama-se “mundo dos negócios”. Vale a pena ler e refletir:


Baby

vem viver comigo no mundo dos negócios

traz o teu negócio junto ao meu negócio

vamos viver do comércio barato de poemas de amor

baby

o que mais importa a poesia está morta

mas juro que não fui eu

tudo à minha volta são reclames

desejos vãos e sóis

tudo à minha volta são reclames

desejos vãos e só

baby

vamos ao cinema a vida é cinema

já vi esse filme

sempre o mesmo filme

canções de amor se parecem

porque não existe outro amor



A terceira música, de João Linhares, é cantada por uma das grandes intérpretes do Zeca Baleiro: Rita Ribeiro. Essa mulher do norte tem uma voz linda, um gingado estimulante e mistura ritmos tipicamente brasileiros com uma letra inteligente e contagiante. É o caso de “o conforto dos teus braços”. Com essa música a gente pode rir e chorar. É ótima. Também está na coletânea millenium.


Oito horas de vôo num concorde

Cinco dias num barco mar adentro

Sete noites dormindo ao relento

Sete ciganas lendo a minha sorte

Quatro dias, em pé, no trem

Da morte

Vinte léguas montado num jumento

Sete mil flores no meu pensamento

E eu trilhando os últimos espaços

Pra ficar no conforto dos teus braços

Qualquer coisa no mundo eu enfrento

Valentia de pai ou de irmão

Concorrência com o astro

Do momento

Temporal, tempestade, chuva

E vento

Holocausto, hecatombe e tufão

Desemprego, palestra e sermão

Tititi, coqueluche, casamento

Pé de ponte, mansão, apartamento

Paparazzi, sucessos e fracassos

Pra ficar no conforto dos teus braços

Qualquer coisa no mundo eu enfrento

Ladroíce, mutreta, malandragem

Álcool, droga, barato, passamento

Amnésia, larica, esquecimento

Roubalheira e má politicagem

Cabaré, palacete, sacanagem

Fome, greve, motim,

AcampamentoConfusão, batalhão, fuzilamento

Reclusão, solidão, sonhoAos pedaços

Pra ficar no conforto dos teus braços

Qualquer coisa no mundo eu enfrento



A última música que postei é também uma homenagem a uma cantora que sempre admirei. Quando ela morreu foi para mim um choque; afinal, uma cantora ousada, diferente que tinha uma carreira brilhante interrompe assim, sem muita clareza. Mas os registros estão aí, em alguns CDs. A música “as coisas tão mais lindas”, do interessante Nando Reis, faz parte do lindo CD “com você meu mundo ficaria completo”. Acho que a Lu faz isso comigo, me completa. Vale a pena lê-la.



Entre as coisas mais lindas que eu conheci

Só reconheci suas cores belas quando eu te vi

Entre as coisas bem - vindas que já recebi

Eu reconheci minhas cores nela, então eu me vi

Está em cima com o céu e o luar

Hora dos dias, semanas, meses, anos, décadas

E séculos, milênios que vão passar

Água- marinha põe estrelas no mar

Praias, baías, braços, cabos, mares, golfos

E penínsulas e oceanos que não vão secar

E as coisas lindas são mais lindas

Quando você está

Hoje você está

Onde você está

As coisas são mais lindas

Por que você está

Onde você está

Hoje você está

Nas coisas tão mais lindas




03 junho 2007

Explicação

03 junho 2007 0
Levi Nauter




Dei uma cruzada neste "blog" apenas para dizer que ando muito ocupado com outras atividades e não tenho o tempo necessário para divagar. Preparar aulas de português não é algo que considero fácil; também os assuntos teológicos estão roubando minha atenção. Aliás, sugiro que você visite o outro blog: www.anotacoessobreocristianismo.blogspot.com . Não deixe de criticar, sugerir, discordar, acrescentar etc.
Continuem lendo.

Explicação

Levi Nauter

Dei uma cruzada neste "blog" apenas para dizer que ando muito ocupado com outras atividades e não tenho o tempo necessário para divagar. Preparar aulas de português não é algo que considero fácil; também os assuntos teológicos estão roubando minha atenção. Aliás, sugiro que você visite o outro blog: www.anotacoessobreocristianismo.blogspot.com . Não deixe de criticar, sugerir, discordar, acrescentar etc.
Continuem lendo.

13 maio 2007

OUTRA VEZ MINHA MÃE

13 maio 2007 1
Levi Nauter




Escrevo agora esta carta de tristeza, de saudade e de dor, mas não de desespero.
Paulo Freire






Minha mãe está outra vez na pauta da minha vida. E assim continuará, imagino, até a minha morte, quando espero reencontrá-la. Então, “nos olharemos, nos abraçaremos, falaremos de mil coisas desconexas, mas com sentido” (Freire, 2001, p. 291). Será um privilégio compartilhar para sempre nossas vivências.
Enquanto esse dia não chega vou vivendo nesse mundo com as belas lembranças que dela herdei. Sempre ouvi pessoas dizerem: “aproveite tua mãe, um dia ela não vai estar no mundo e você vai ver”. Agora tenho sentido isso na pele. É bem estranho ver comerciais de TV. Por dois motivos: primeiro, porque apenas mulheres bonitas, novinhas, sem rugas e, no entanto, com dois ou três filhos; segundo, porque vejo cenas que vivi e outras que poderia ter vivido. Mas, na verdade, o que mais sinto é saudade. Quando ouço a música-tema de um certo comercial (to louco pra te ver chegar/to louco pra te ter nas mãos) meus olhos ficam lacrimejantes. A saudade dói. Porém, a vida segue, ou deve seguir. As lembranças têm sido um ponto alto nesses meses.
O grande desafio é seguir em frente apesar das lutas e das perdas. Mais desafiador ainda é seguir de forma criativa. A criatividade parece não negar nosso passado, apenas torna-o alavanca, escada, para um novo momento, uma nova chance, uma nova leitura da vida. E ler mais de uma vez o mundo e a palavra vai-nos capacitando para, digamos, ganharmos mais corpo, mais força, a fim de (re)interpretarmos nossa vivência, tornando-nos aptos a reescrevê-la. Assim é que a criatividade ressuscita-nos torna-nos ativos, mais úteis aos que estão por perto. Esse tem sido meu esforço.
Fui criado num ambiente bastante religioso, numa teologia fundamentalista – aquela que proibia tudo, do tipo não podia-se: usar bermuda, usar barba, cabelo comprido, ouvir ‘música do mundo’ (entenda-se não cristã), olhar TV, entre outras diabólicas proibições; às mulheres, coitadas, a proibição estendia-se até que quase negassem o ser gente. Um evangelho desgraçado, sem nenhuma Graça. Deus era uma coisa, um estraga-prazer, afinal, eu precisava ser de um outro mundo. Achava Deus um ser injusto que me colocara num terrível lugar para, do céu, me controlar, ver se eu era forte e dava conta do recado. “Deus é um masoquista”, pensei muitas vezes, “gosta de ver gente sofrer”. Quão longe estava do Deus que hoje conheço.
Vi minha mãe em meio a muitas agruras. A vi chorar algumas vezes. Em inúmeros momentos ouvi a explosão de alguém sufocado pelo machismo, além do sufoco das contas a pagar. Palavrões e palavrinhas vinham à tona, tudo era, por um instante, verbalmente metralhado. Sem ter consciência, estava aprendendo com aquelas situações.

Quanto mais me volto sobre a infância distante, tanto mais descubro que tenho sempre algo a aprender dela. Dela e da adolescência difícil. É que não faço este retomo como quem se embala sentimentalmente numa saudade piegas ou como quem tenta apresentar a infância e a adolescência pouco fáceis como uma espécie de salvo-conduto revolucionário. Esta seria, de resto, uma pretensão ridícula. (Freire, 2003, p. 37)

Agora casado, mais maduro, estou notando duas influências importantíssimas que ela exerceu sobre mim e nem soube. E o bom de ela não ter sabido foi que o ensino/influência se deu naturalmente, com tranqüilidade, com paz, sem pressões porque foi vivência pura. Penso que às vezes a influência consciente pode ser maldosa, com intenções implícitas. Não foi esse o caso. Minha mãe nem teve instrução suficiente para tal percepção. O que ela teve foi, no dizer de Paulo Freire, “um saber de experiência feito”. A vida a ensinou.

Na nossa casa havia apenas um aparelho radiofônico que, inevitavelmente, era sintonizado em emissoras que apresentavam notícias ou transmitiam programas religiosos (predominantemente evangélicos). Os discos (na época LP’s) eram todos religiosos. Meu mundo girava em torno disso. Um dia, porém, numa santa data, minha mãe apareceu em casa com uma sacola cheia de gibis e uma televisão velha – presente fruto de uma faxina.
Quase apanhou. Teve de devolver ou doar a TV e consumir com os livrinhos. Estupefato, consegui salvar um exemplar. Quanto à televisão, nada pude fazer a não ser lamentar e continuar tenho que assistí-la nos vizinhos. Mas a leitura do gibi foi-me fascinante. Imagino que senti um pouco do que Paulo Freire sentia: “as palavras eram como se fossem pedaços de comida” (Freire, 2003, p. 40). Coloquei, com muito zelo, o gibi embaixo do meu colchão e fui dormir lembrando da frase que dava início à próxima cena: “cai a noite em patópolis”. Nota-se, creio, que a primeira influência tem a ver com livros e leitura; a segunda, com música.
A influência musical da mãe só foi percebida por mim agora, nesse ano. Num dia desses estava fazendo alguma coisa em casa, o rádio ligado, e, de repente “as praias do Brasil ensolarada.../eu te amo meu Brasil, eu te amo”[1]. Fiquei maravilhado e pensando: “só um minutinho, isso minha mãe cantava”. Alguns dias depois escutei “quanto riso/oh, quanta alegria/mais de mil palhaços no salão/olha quem está chorando pelo amor da Colombina no meio da multidão”. Que coisa linda! Minha mãe cantava Zé Keti[2]. Meses adiante, tentando encontrar um canal de televisão que valesse a pena assistir, passei por um que homenageava um cantor: “pare de tomar a pílula/pare de tomar a pílula...” – mais uma das que a mãe cantava. Odair José fazia parte da musicalidade de dona Ilse Nauter. E não faltaram os “nana nenéns”.
Comecei a entender por que, às vezes, preferia o pai fora de casa: era justamente o momento no qual eu sintonizava o rádio em uma emissora que tocasse uma música diferente. Era o instante em que eu poderia exercer ou dar vazão a minha curiosidade.

Talvez venha daquela fase, a da infância remota, o hábito que me acompanha até hoje, o de entregar-me, de vez em quando, a um profundo recolhimento em mim mesmo, quase como se estivesse isolado do resto, das pessoas e das coisas que me cercam. Recolhido em mim mesmo, gosto de pensar, de me encontrar no jogo aparente de perder-me. (Freire, 2003, p. 38)

Os livros têm sido importantes na minha vida. Os gibis, demonizados na minha infância, foram crescendo, expandindo e se contextualizando; da leitura simples, estou partindo para a mais profunda, mais complexa, com mais vagar e significação. Deus não é mais um estraga-prazer. Nunca foi, apenas não sabia disso. As leituras ensinaram-me a não separar o mundo espiritual do meu cotidiano, ou seja, pouco importa o que leio, em tudo há uma dimensão humana e espiritual. Sinto-me mais perto de Deus, algo impensável na minha infância. Hoje entendo, embora não concorde, com as proibições relativas à leitura. Ler tira-nos do lugar comum, torna-nos mais questionadores e, talvez, mais aptos para melhor nos expressarmos. A leitura deixa-nos incômodos. Pois, hoje, ler “Nas garras da graça”, de Max Lucado, levou-me até “Os irmãos Karamazov”, de Dostoievski: Deus. Quando li “Desventuras da vida cristã”, de Yancey e Stafford, fui para o mesmo lugar de “O processo”, de Kafka: a ingratidão e a misericórdia divina. E ao observar um cristão fundamentalista e/ou machista lembro de “Dom Casmurro”, do célebre Machado de Assis. Um evangelista ou um missionário, por sua vez, lembra-me de “Triste fim de Policarpo Quaresma”, do instigante Lima Barreto. E poderia continuar exemplificando.
Por outro lado, a música cristã e a não-cristã, ambas, sim, do mundo, têm sido cortina sonora para receber amigos, para embalar minha pequena produção, para esquentar o namoro com minha esposa, para meus protestos e momentos menos serenos. Compreendo as razões, embora com elas também não concorde, por que me proibiam de ouvir, entre outros, Legião Urbana, Titãs, Ira e, antes deles, Raul Seixas. Eles também inquietaram os calmos fiéis igrejeiros, questionaram o consumismo da fé. A música secular amplia horizontes. Todavia, hoje não tenho nenhum pudor em dizer que “prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Também entendo a brabeza de alguns com o título de um bom disco: Jesus não tem dentes no país dos banguelas (Titãs).
Descobri uma brasilidade na minha mãe, razão pela qual insisto que nossa religiosidade deveria ter mais a nossa cara. Somos um país rico em recursos e belezas naturais, temos uma miscigenação de seres humanos e, conseqüentemente, cultural. Não obstante, pouco aproveitamos desse peculiar potencial. Nossa religiosidade deveria valorizar mais o que é daqui e menos o que é de lá (do exterior). Precisaríamos mergulhar mais obra de um Guimarães Rosa para entender que quanto mais ele se embrenhava na brasilidade mais universal se tornava. E esse meu pensar começa com a semente que minha mãe plantou, ratifico, sem perceber.
O resultado da convivência com a mãe, entre muitas e muitas coisas, levou-me a ser um leitor compulsivo, bem como um apreciador da boa música. Não saio de casa sem algum exemplar para ler, nem fico um instante sem ouvir música. Aprendi a tocar bateria, violão e a cantar. Aliada a essas aprendizagens está a efetivação de minha autonomia, o que me permite ampliar ainda mais as leituras, as audições, além de confrontá-las com uma diversidade teórica existente. Está também a companhia de pessoas, inclusive pelo instrumento pós-moderno chamado internet. Meus horizontes alargaram-se. O véu que me separava de Deus já não separa mais. A implicação desse véu em mim tem sido traduzido por respeito às diferenças e no aproveitamento daquilo que é bom e inefasto. Posso dizer que vejo Deus no meu trabalho, na minha casa, pelas ruas, num bom bate-papo, num bom filme, numa boa música, num bom livro, num bom passeio, no lembrar e/ou imitar aquelas pessoas que sempre agiram para o bem de muitos e mantiveram a necessária coerência entre a prédica e a prática. Mas também vejo Deus naqueles que não têm vergonha de mudar de opinião, por terem o entendimento de que o mundo está em construção. Igualmente, Deus resplandece naqueles que humildemente reconhecem os próprios erros e, contudo, querem continuar na caminhada. Acredito sobremaneira num Deus que conhece as minhas falhas humanas, os meus desejos mais secretos ou não, nos meus anseios e medos. Creio num Deus que se fez humano para me entender, e isso faz toda a diferença durante as minhas preces. Num Deus-Pai que ultrapassa o meu entendimento e me dá infinitamente mais do que aquilo que peço ou penso.
Finalmente, para rebater o machismo, imagino que o Todo-poderoso deu-nos a mãe para que tivéssemos uma idéia do seu cuidado. Mas preveniu que “mesmo que uma mãe viesse do seu filho se esquecer, ainda assim não haveria de me esquecer de ti”. Acho que Leonardo Boff tem boas razões para ter tentado pintar, ao longo das páginas de sua obra, “O rosto materno de Deus”.


Se eu pudesse, diria à mãe que ando querendo cantar “pare de tomar a pílula” para minha querida Lu. Como não acredito em reencarnação, mas em ressurreição, talvez um dia eu possa concretizar o que posso ler em Freire (2001, p. 291/292):

Riremos juntos, relembrando tantas coisas. Tem de ter riso de criança, flores de muitas cores, um arco-íris bem bonito e passarinhos cantadores. Só depois deste momento necessário falaremos lentamente, mas nunca friamente, do que temos feito, do que estamos fazendo e do que pensamos fazer.

Enquanto isso, vou vivendo lembrando que “belezas são coisas acessas por dentro, tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento”. Viva Caetano! “Palma para todos os instrumentistas” (Paratodos, de Chico Buarque). E os livros? Leiamo-los ou “por odiarmo-los podemos simplesmente escrever um” (trecho de Livros, de Caetano Veloso).
A vida deve seguir, se possível com criatividade; “nem sempre ganhando, nem sempre perdendo” (Aprendendo a jogar, de Guilherme Arantes).

Vivam as mães!!!







NOTAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. Ana Maria Araújo Freire (org). São Paulo: Editora UNESP, 2001.

FREIRE, Paulo. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha práxis. Direção, organização e notas Ana Maria Araújo Freire. 2.ed.rev. São Paulo: Editora UNESP, 2003.

[1] Os incríveis. Leiamos um trecho: “as praias do brasil ensolarada/lalalala/elevou o amor que deus criou/lalalala/em terras brasileiras vou cantar amor/eu te amo meu brasil, eu te amo/meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil
[2] www.mpbnet.com.br/musicos/ze.keti/index.html

OUTRA VEZ MINHA MÃE

Levi Nauter




Escrevo agora esta carta de tristeza, de saudade e de dor, mas não de desespero.
Paulo Freire





Minha mãe está outra vez na pauta da minha vida. E assim continuará, imagino, até a minha morte, quando espero reencontrá-la. Então, “nos olharemos, nos abraçaremos, falaremos de mil coisas desconexas, mas com sentido” (Freire, 2001, p. 291). Será um privilégio compartilhar para sempre nossas vivências.
Enquanto esse dia não chega vou vivendo nesse mundo com as belas lembranças que dela herdei. Sempre ouvi pessoas dizerem: “aproveite tua mãe, um dia ela não vai estar no mundo e você vai ver”. Agora tenho sentido isso na pele. É bem estranho ver comerciais de TV. Por dois motivos: primeiro, porque apenas mulheres bonitas, novinhas, sem rugas e, no entanto, com dois ou três filhos; segundo, porque vejo cenas que vivi e outras que poderia ter vivido. Mas, na verdade, o que mais sinto é saudade. Quando ouço a música-tema de um certo comercial (to louco pra te ver chegar/to louco pra te ter nas mãos) meus olhos ficam lacrimejantes. A saudade dói. Porém, a vida segue, ou deve seguir. As lembranças têm sido um ponto alto nesses meses.
O grande desafio é seguir em frente apesar das lutas e das perdas. Mais desafiador ainda é seguir de forma criativa. A criatividade parece não negar nosso passado, apenas torna-o alavanca, escada, para um novo momento, uma nova chance, uma nova leitura da vida. E ler mais de uma vez o mundo e a palavra vai-nos capacitando para, digamos, ganharmos mais corpo, mais força, a fim de (re)interpretarmos nossa vivência, tornando-nos aptos a reescrevê-la. Assim é que a criatividade ressuscita-nos torna-nos ativos, mais úteis aos que estão por perto. Esse tem sido meu esforço.
Fui criado num ambiente bastante religioso, numa teologia fundamentalista – aquela que proibia tudo, do tipo não podia-se: usar bermuda, usar barba, cabelo comprido, ouvir ‘música do mundo’ (entenda-se não cristã), olhar TV, entre outras diabólicas proibições; às mulheres, coitadas, a proibição estendia-se até que quase negassem o ser gente. Um evangelho desgraçado, sem nenhuma Graça. Deus era uma coisa, um estraga-prazer, afinal, eu precisava ser de um outro mundo. Achava Deus um ser injusto que me colocara num terrível lugar para, do céu, me controlar, ver se eu era forte e dava conta do recado. “Deus é um masoquista”, pensei muitas vezes, “gosta de ver gente sofrer”. Quão longe estava do Deus que hoje conheço.
Vi minha mãe em meio a muitas agruras. A vi chorar algumas vezes. Em inúmeros momentos ouvi a explosão de alguém sufocado pelo machismo, além do sufoco das contas a pagar. Palavrões e palavrinhas vinham à tona, tudo era, por um instante, verbalmente metralhado. Sem ter consciência, estava aprendendo com aquelas situações.

Quanto mais me volto sobre a infância distante, tanto mais descubro que tenho sempre algo a aprender dela. Dela e da adolescência difícil. É que não faço este retomo como quem se embala sentimentalmente numa saudade piegas ou como quem tenta apresentar a infância e a adolescência pouco fáceis como uma espécie de salvo-conduto revolucionário. Esta seria, de resto, uma pretensão ridícula. (Freire, 2003, p. 37)

Agora casado, mais maduro, estou notando duas influências importantíssimas que ela exerceu sobre mim e nem soube. E o bom de ela não ter sabido foi que o ensino/influência se deu naturalmente, com tranqüilidade, com paz, sem pressões porque foi vivência pura. Penso que às vezes a influência consciente pode ser maldosa, com intenções implícitas. Não foi esse o caso. Minha mãe nem teve instrução suficiente para tal percepção. O que ela teve foi, no dizer de Paulo Freire, “um saber de experiência feito”. A vida a ensinou.

Na nossa casa havia apenas um aparelho radiofônico que, inevitavelmente, era sintonizado em emissoras que apresentavam notícias ou transmitiam programas religiosos (predominantemente evangélicos). Os discos (na época LP’s) eram todos religiosos. Meu mundo girava em torno disso. Um dia, porém, numa santa data, minha mãe apareceu em casa com uma sacola cheia de gibis e uma televisão velha – presente fruto de uma faxina.
Quase apanhou. Teve de devolver ou doar a TV e consumir com os livrinhos. Estupefato, consegui salvar um exemplar. Quanto à televisão, nada pude fazer a não ser lamentar e continuar tenho que assistí-la nos vizinhos. Mas a leitura do gibi foi-me fascinante. Imagino que senti um pouco do que Paulo Freire sentia: “as palavras eram como se fossem pedaços de comida” (Freire, 2003, p. 40). Coloquei, com muito zelo, o gibi embaixo do meu colchão e fui dormir lembrando da frase que dava início à próxima cena: “cai a noite em patópolis”. Nota-se, creio, que a primeira influência tem a ver com livros e leitura; a segunda, com música.
A influência musical da mãe só foi percebida por mim agora, nesse ano. Num dia desses estava fazendo alguma coisa em casa, o rádio ligado, e, de repente “as praias do Brasil ensolarada.../eu te amo meu Brasil, eu te amo”[1]. Fiquei maravilhado e pensando: “só um minutinho, isso minha mãe cantava”. Alguns dias depois escutei “quanto riso/oh, quanta alegria/mais de mil palhaços no salão/olha quem está chorando pelo amor da Colombina no meio da multidão”. Que coisa linda! Minha mãe cantava Zé Keti[2]. Meses adiante, tentando encontrar um canal de televisão que valesse a pena assistir, passei por um que homenageava um cantor: “pare de tomar a pílula/pare de tomar a pílula...” – mais uma das que a mãe cantava. Odair José fazia parte da musicalidade de dona Ilse Nauter. E não faltaram os “nana nenéns”.
Comecei a entender por que, às vezes, preferia o pai fora de casa: era justamente o momento no qual eu sintonizava o rádio em uma emissora que tocasse uma música diferente. Era o instante em que eu poderia exercer ou dar vazão a minha curiosidade.

Talvez venha daquela fase, a da infância remota, o hábito que me acompanha até hoje, o de entregar-me, de vez em quando, a um profundo recolhimento em mim mesmo, quase como se estivesse isolado do resto, das pessoas e das coisas que me cercam. Recolhido em mim mesmo, gosto de pensar, de me encontrar no jogo aparente de perder-me. (Freire, 2003, p. 38)

Os livros têm sido importantes na minha vida. Os gibis, demonizados na minha infância, foram crescendo, expandindo e se contextualizando; da leitura simples, estou partindo para a mais profunda, mais complexa, com mais vagar e significação. Deus não é mais um estraga-prazer. Nunca foi, apenas não sabia disso. As leituras ensinaram-me a não separar o mundo espiritual do meu cotidiano, ou seja, pouco importa o que leio, em tudo há uma dimensão humana e espiritual. Sinto-me mais perto de Deus, algo impensável na minha infância. Hoje entendo, embora não concorde, com as proibições relativas à leitura. Ler tira-nos do lugar comum, torna-nos mais questionadores e, talvez, mais aptos para melhor nos expressarmos. A leitura deixa-nos incômodos. Pois, hoje, ler “Nas garras da graça”, de Max Lucado, levou-me até “Os irmãos Karamazov”, de Dostoievski: Deus. Quando li “Desventuras da vida cristã”, de Yancey e Stafford, fui para o mesmo lugar de “O processo”, de Kafka: a ingratidão e a misericórdia divina. E ao observar um cristão fundamentalista e/ou machista lembro de “Dom Casmurro”, do célebre Machado de Assis. Um evangelista ou um missionário, por sua vez, lembra-me de “Triste fim de Policarpo Quaresma”, do instigante Lima Barreto. E poderia continuar exemplificando.
Por outro lado, a música cristã e a não-cristã, ambas, sim, do mundo, têm sido cortina sonora para receber amigos, para embalar minha pequena produção, para esquentar o namoro com minha esposa, para meus protestos e momentos menos serenos. Compreendo as razões, embora com elas também não concorde, por que me proibiam de ouvir, entre outros, Legião Urbana, Titãs, Ira e, antes deles, Raul Seixas. Eles também inquietaram os calmos fiéis igrejeiros, questionaram o consumismo da fé. A música secular amplia horizontes. Todavia, hoje não tenho nenhum pudor em dizer que “prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Também entendo a brabeza de alguns com o título de um bom disco: Jesus não tem dentes no país dos banguelas (Titãs).
Descobri uma brasilidade na minha mãe, razão pela qual insisto que nossa religiosidade deveria ter mais a nossa cara. Somos um país rico em recursos e belezas naturais, temos uma miscigenação de seres humanos e, conseqüentemente, cultural. Não obstante, pouco aproveitamos desse peculiar potencial. Nossa religiosidade deveria valorizar mais o que é daqui e menos o que é de lá (do exterior). Precisaríamos mergulhar mais obra de um Guimarães Rosa para entender que quanto mais ele se embrenhava na brasilidade mais universal se tornava. E esse meu pensar começa com a semente que minha mãe plantou, ratifico, sem perceber.
O resultado da convivência com a mãe, entre muitas e muitas coisas, levou-me a ser um leitor compulsivo, bem como um apreciador da boa música. Não saio de casa sem algum exemplar para ler, nem fico um instante sem ouvir música. Aprendi a tocar bateria, violão e a cantar. Aliada a essas aprendizagens está a efetivação de minha autonomia, o que me permite ampliar ainda mais as leituras, as audições, além de confrontá-las com uma diversidade teórica existente. Está também a companhia de pessoas, inclusive pelo instrumento pós-moderno chamado internet. Meus horizontes alargaram-se. O véu que me separava de Deus já não separa mais. A implicação desse véu em mim tem sido traduzido por respeito às diferenças e no aproveitamento daquilo que é bom e inefasto. Posso dizer que vejo Deus no meu trabalho, na minha casa, pelas ruas, num bom bate-papo, num bom filme, numa boa música, num bom livro, num bom passeio, no lembrar e/ou imitar aquelas pessoas que sempre agiram para o bem de muitos e mantiveram a necessária coerência entre a prédica e a prática. Mas também vejo Deus naqueles que não têm vergonha de mudar de opinião, por terem o entendimento de que o mundo está em construção. Igualmente, Deus resplandece naqueles que humildemente reconhecem os próprios erros e, contudo, querem continuar na caminhada. Acredito sobremaneira num Deus que conhece as minhas falhas humanas, os meus desejos mais secretos ou não, nos meus anseios e medos. Creio num Deus que se fez humano para me entender, e isso faz toda a diferença durante as minhas preces. Num Deus-Pai que ultrapassa o meu entendimento e me dá infinitamente mais do que aquilo que peço ou penso.
Finalmente, para rebater o machismo, imagino que o Todo-poderoso deu-nos a mãe para que tivéssemos uma idéia do seu cuidado. Mas preveniu que “mesmo que uma mãe viesse do seu filho se esquecer, ainda assim não haveria de me esquecer de ti”. Acho que Leonardo Boff tem boas razões para ter tentado pintar, ao longo das páginas de sua obra, “O rosto materno de Deus”.


Se eu pudesse, diria à mãe que ando querendo cantar “pare de tomar a pílula” para minha querida Lu. Como não acredito em reencarnação, mas em ressurreição, talvez um dia eu possa concretizar o que posso ler em Freire (2001, p. 291/292):

Riremos juntos, relembrando tantas coisas. Tem de ter riso de criança, flores de muitas cores, um arco-íris bem bonito e passarinhos cantadores. Só depois deste momento necessário falaremos lentamente, mas nunca friamente, do que temos feito, do que estamos fazendo e do que pensamos fazer.

Enquanto isso, vou vivendo lembrando que “belezas são coisas acessas por dentro, tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento”. Viva Caetano! “Palma para todos os instrumentistas” (Paratodos, de Chico Buarque). E os livros? Leiamo-los ou “por odiarmo-los podemos simplesmente escrever um” (trecho de Livros, de Caetano Veloso).
A vida deve seguir, se possível com criatividade; “nem sempre ganhando, nem sempre perdendo” (Aprendendo a jogar, de Guilherme Arantes).

Vivam as mães!!!







NOTAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. Ana Maria Araújo Freire (org). São Paulo: Editora UNESP, 2001.

FREIRE, Paulo. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha práxis. Direção, organização e notas Ana Maria Araújo Freire. 2.ed.rev. São Paulo: Editora UNESP, 2003.

[1] Os incríveis. Leiamos um trecho: “as praias do brasil ensolarada/lalalala/elevou o amor que deus criou/lalalala/em terras brasileiras vou cantar amor/eu te amo meu brasil, eu te amo/meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil
[2] www.mpbnet.com.br/musicos/ze.keti/index.html

18 abril 2007

A EDUCAÇÃO E OS SLOGANS

18 abril 2007 1
Levi Nauter
A educação no Brasil tem sido tratada com desleixo. Os índices das pesquisas não nos permitem mentir nem omitir. É elevado o número de alunos que evadem os estudos. Por outro lado, os que ainda estão nos bancos das salas de aula pouco entendem do que lêem e até do que escrevem; outros mal sabem a finalidade dos estudos. Quem não freqüenta a sala de aula é quase unânime em afirmar a irrelevância do ato de estudar, das funções da aprendizagem. Alguns, sem titubear, falam da chatice que muitas vezes impera no cotidiano escolar. Sobretudo, da dicotomia entre o que acontece dentro e fora da escola.
Ultimamente, a educação brasileira tem sido tratada como o futebol: cada um dá um pitaco. Se há uma dezena de treinadores profissionais, há, em contrpartida, milhões de pseudotreinadores. Utilizo o transporte coletivo para chegar ao meu local de trabalho. Muitas vezes mal consigo ler tal é a fúria ou a euforia em função de um time de futebol. Cada um tem um ponto de vista e considera o seu melhor que o do outro. A discussão fica acirrada. No entanto, esse papo todo, euforia ou frustração, não chega aonde deveria chegar, ou seja, quem, de fato, deveria ouvir simplesmente não ouve.
Pois, a educação nacional tem sido tratada assim. Alguém lê o livro do autor tal e pensa ter redescoberto a roda. Teorizam, teorizam e o alunado lá, trancafiado, decorando datas e discursos para alcançar a média e passar, progredir, avançar, andar, entre tantos outros verbos e palavreados - alguns fora do nosso contexto de país em desenvolvimento. Muitos ditos pensadores da educação não conhecem a dura realidade dos professores no dia-a-dia. Discursam, por exemplo, como se todas as escolas do país possuissem computador e acesso à internet. Mas isso não ocorre com todas. Muitos estão longe das salas de aula ou estão em instituições privadas cuja burocracia é completamente diferente da escola pública - objeto dessa reflexão.
Um outro problema, da escola pública, ratifique-se, é a partidarização ideológica. Claro que educar e, acima de tudo, estar vivo é um ato político, mas não político-partidário - embora dele faça parte. Quando a política-partidária sobressai atravanca o avanço do ensino dito de qualidade. Isso porque a política visa a perpetuação no/do poder, mesmo que implicitamente se negue. As decisões político-partidárias privilegiam ações que facilitem posteriores reeleições muito mais do que o contexto interno da sala de aula. A partidarização é boa para os que pensam ideologicamente conforme o partido que estiver no poder. Não me refiro à transparência quanto às opções políticas dos trabalhadores em educação, que é sempre válida. Mas há uma diferença entre dizermos da nossa opção e impô-la. A mesma partidarização burocratiza e torna morosa políticas coletivas (de outros partidos, p.e.) que não tenham a mesma característica político-partidária.
Nesse ínterim, temos duas realidades: a que acontece no interior das escolas e a que é representada pelas mantenedoras. Não é difícil, por exemplo, encontrarmos propagandas que alardeiam: "todas as escolas do município tal têm computador"; mas não fazem o mesmo eco para dizer que os mesmos estão estragados, sem conexão com a internet. O discurso é sempre no sentido de exaltar feitos que levem a, como já disse, perpetuação do poder. Raríssimas vezes o discurso visa efetivar a famigerada qualidade na educação, senão para subentender-se que ela existe. O discurso é a maior arma que se tem para perpetuar uma idéia - tanto o discurso oral como o escrito.
Quando assistimos pela TV ou ouvimos pelo rádio ou, ainda, quando escutamos de pessoas uma mesma linha de pensamento podemos dizer que a idéia expressa foi assimilada. O discurso convenceu. E a melhor maneira de fazer-se a apreensão do discurso é a exaustão da idéia que se quer perpetuar. Equivale dizer que quanto mais 'martelamos' em cima de um tema, mais ele vai como que criando corpo. Daí os slogans, as frases de efeito, o marketing por assim dizermos.
E os governos são muito criativos em criar frases. "Cidade tal, a cidade disso"; "Secretaria de Educação, educando para isso ou para aquilo", "Governo do Estado - um governo que ti-ti-ti, ti-ti-ti". E o cotidiano da sala de aula continua exatamente igual.
Por que isso acontece? Qual a forma de mudança?
Obviamente que não vou arriscar ser mais um desses palestrantes. Primeiro, porque se conselho fosse bom ninguém daria, faria como fazem os palestrantes: cobram, e bem caro, para compartilhar suas experiências. Segundo, porque não acredito em fórmulas. Portanto, dou-me o direito de simplesmente dizer que cada professor deveria ler mais, dialogar mais com os alunos, com os pais, com a vizinhança, além de repensar, a cada momento, sua práxis. Tornar a aula mais criativa independe de discursinhos bonitinhos e de slogans quaisquer. É uma tarefa nossa, professores, a partir de um mediação entre o nosso discurso e nossa prática; entre nossa cosmovisão e as esperanças futuras que temos, bem como aquilo que entendemos ser o melhor para mundo que nos cerca.
Minha opção tem sido ler curiosamente, refletir sobre meus atos, dialogar com o máximo de pessoas e não aceitar conselhos de gabinete. Também tenho aceitado o desafio de não misturar minhas opções político-partidárias com o meu trabalho cotidiano; apenas deixando-a clara, mas tentando respeitar as outras e, na medida do possível, valorizá-las como se minhas fossem.

09 março 2007

DIA DA MINHA MULHER

09 março 2007 1

Levi Nauter






Em plena comemoração pelo dia da mulher, resolvi escrever sobre a minha. Apesar do pronome possessivo, esclareço, de início, que não sou dono dela. Sou apenas esposo, marido, companheiro, amante ou coisa que o valha. Digo isso porque há quem se julga dono dos outros. Mais especificamente, há quem considera-se superior à mulher que tem. O detalhe é que isso não é dito de maneira clara. Poucos homens assumem seu machismo assim, declaradamente. Tudo fica nas entrelinhas, nos subentendidos. Em coisas como "eu trabalho, eu mando", ou "sou o chefe do lar". Mais disfarçado ainda é aquele que simplesmente não diz nada e deixa sua mulher fazendo todo o trabalho de casa, quando poderia ajudá-la, compartilhar com ela também os afazeres do, neste caso, pseudoninho do amor. Amor? Assim? Não. Isso não é amor. Que ao menos não haja vergonha de se chamar isso de sexo. Quem tem uma mulher e a ama faz sexo com amor; caso contrário , apenas sexo. A meu ver quem ama uma mulher não "faz amor", porque o amor não pode estar restrito a preliminares sexuais ou ao ato em si. Quem ama faz amor cotidianamente: ao beijar a esposa pela manhã, à noite, ao almoçar junto, ao ter prazer em estar perto dela, em querer ouvir sua voz, ao escutá-la. O amor, portanto, se vive. O "fazer amor" do senso comum é um saciar de uma necessidade humana por sexo. E amor vai além disso.


Pois, eu amo a minha mulher. Comemorar doze anos de casado, na semana da mulher, foi um privilégio ímpar. Salve LU!
Ela tem sido meu porto seguro. Sempre me surpreende com seu jeito, com suas atitudes, com seu carinho, seu falar. Com sua formação. Com ela, aprendo a viver mais, a sonhar, a correr na busca do sonho. É a minha leitora, também minha crítica. Juntos crescemos a cada dia - sem pressa para algumas coisas, com muita pressa para outras. Nossos olhares já se alfabetizaram e, com isso, nos falamos sem palavras. Seu colo é aconchegante. É maravilhoso.


Eu só consigo "voar" com meus pensamentos, ser meio fora da realidade porque tenho ela que me puxa ao chão. Com ela não me preocupo com o ativo e o passivo das nossas finanças. A Lu, estando por perto, me dá a segurança que preciso para fazer o que tem de ser feito e, talvez, arriscar um pouco mais. Um passeio não teria graça, nem charme, nem a garantia de um bom papo se ela não estivesse. Quando, por circunstâncias da vida e da nossa humanidade, não estamos bem, parece que o resto se acinzenta. Arma-se uma espécie de temporal que, graças a Deus, dificilmente acaba em graniso ou enchente. Um arco-íris aponta no horizonte.


Não tenho dúvidas: Deus está sendo generoso comigo! Deu-me um belo presente. Uma dádiva tê-la por perto. Um desafio agradável ter que cuidá-la. Sou um privilegiado por ter dois consoladores: o Espírito Santo e a esposa que amo. Estamos sonhando em fazer uma mistura divina, capaz de gerar uma mistura de nós dois - reflexos do divino: uma herança para a posteridade.





Lu eu te amo!!!





06 março 2007

VIOLÃO

06 março 2007 0
Levi Nauter
Hoje, à noite
Eu vi uma coisa estranha
Meio redonda, meio grande, meio pequena
Escura
Tinha um buraco no meio
Parecia uma bunda
Era um violão

24 fevereiro 2007

Descobri um outro eu

24 fevereiro 2007 0
Levi Nauter
Descobri um outro eu
Não sei se é id, se superego ou se ego
Ego não. Seria muito óbvio eu mesmo
Quem sabe, uma junção de mins

Foi na frente do espelho
Eu olhava, ele me olhava
Deixava-me com frio na barriga
Eu com roupa, ele sem
Não corava, tinha pose de valente
Era forte, másculo
Fazia-me chorar, rir e até correr

Lavei o rosto, tomei água
Perguntei seunome
E ouvi
Baixinho
Medo

11 fevereiro 2007

LEITURA SOBRE A AREIA

11 fevereiro 2007 0
Levi Nauter
Decidimos, eu e a Lu, passar um tempo na praia. Nesse ano teremos muita correria a fim de alcançarmos alguns sonhos. No décimo segundo ano de nossa convivência não é mais possível adiar desejos, por nada.
Para variar, enchi uma bolsa com livros – alguns há dois anos esperavam por esse dia. Filosofia, ficção e teologia estiveram perto de mim; estava na hora, não agüentava mais ter de ler por obrigação. Não esqueci do dicionário, um dos meus melhores amigos. Tampouco o caderno de anotações no qual registrei o que você está lendo agora – mais três textos saíram do descanso: (1) As duas igrejas, (2) O evangelho da guerra e (3) De crente pra crente, a serem postados no outro blog que possuo
[i].
Ler a palavra é, na maioria das vezes, um prazer. Renovo minhas forças, descubro novos mundos, novas idéias. Às vezes, porém, é dolorido porque tenho de admitir minhas muitas imperfeições, sou confrontado com conceitos que julgava tê-los apreendido, sou desafiado a mudar, a retomar e (re)alinhar minha prática com meu discurso. Ler é um misto de tesão e tensão. Ao final, acabo sempre aprendendo.
Ler o mundo, em contrapartida, não é fácil, provavelmente porque estou mais acostumado com a palavra escrita. Ocorre que ler o mundo antepõe-se a palavra e, então, as sensações ficam, digamos, à flor da pele: raiva, impaciência e um certo desequilíbrio. As conclusões, os lugares a se chegar não são tão definidos assim. Por isso, o mais freqüente é eu ficar com a reação brava. É exatamente o que estou sentindo agora.
Gosto de caminhar à beira-mar. Penso a respeito da vida, observo o movimento; o barulho das águas é como uma bela cortina musical. Mas tem uma coisa que odeio e tive que conviver: cachorro na praia. Talvez o animalzinho até mereça férias no litoral. Mas, em hipótese alguma, não na praia – junto às pessoas, ali quase nadando no mar. Mais triste é ter que agüentar o fedor de cachorro molhado, o bicho querendo cheirar a gente ou latindo como se quisesse falar aos outros companheiros: “ei, venham, vamos acabar com o descanso desse tio”. Tenham a santa paciência! Voltei pra casa e fui dormir na rede.
Aí outra cena. Em meio ao sono, um (pseudo)vizinho resolveu escutar música. Umas porcarias de música. Eu amo música, tenho muito material em casa e não me imagino sem – sobretudo a brasileira, a melhor de todas. Contudo, não obrigo meus vizinhos a ouvirem o que eu gosto. Adquiri maravilhosos CDs (Chico Buarque, Caetano e Jorge Mautner, Rita Ribeiro...) e poucos sabem; meus vizinhos nem sonham. Não foi o que aconteceu aqui.
Fui, por aproximadamente sessenta minutos, atormentado por Paulinho Mixaria – um contador de piadas gaúchas. Um horror! Levantei-me, tentei ver em qual casa o ‘artista’ tocava. Não descobri. Quando quase peguei no sono, foi a vez de um outro senhor, quase na frente da casa onde estávamos, ouvir suas predileções. Por quase duas horas tive que ouvir um tal Bonde do Forró. Nunca havia escutado o nome e o grupo. Posso garantir: é o fim da várzea! Nenhum dos artistas tinham profundidade no que diziam. Ao ouvir o Bonde, senti até vergonha de algumas letras completamente sexuadas. Lembro de uma que falava de um cara que iria tomar leite de côco com uma mulher cuja mulher ficava balançando o canudinho.
Como seria bom se as pessoas aprendessem a respeitar o espaço do outro. Os que quisessem ouvir música, que o fizessem nas suas casas com um volume adequado; os que quisessem cachorro, que ficassem com eles nas suas casas. Quem quer escrever o que bem entende, crie um blog.
Não tive escolha, ouvi um forró desgraçado até o fim. E, só por desaforo, depois escutei uma coisa dita mais culta. Leia:

Existirmos – a que será que se destina
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina

(Música CAJUÍNA, de Caetano Veloso)
Só podia ser Caetano. Aí dormi.
Que beleza!

[i] http://anotacoessobreumcristianismo.blogspot.com/ – um site com objetivo de criticizar a religião cristã-evangélica.
 
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