13 julho 2009

Enquanto a prova não vem

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Levi Nauter




Neste momento estou na sala de aula de uma escola estadual a fim de participar da seleção pública de servidores (concurso público). O cargo é bom, o salário idem, a prova está no número de candidatos por vaga: aproximadamente seis mil. As ruas no entorno da escola estão abarrotadas de automóveis e ônibus. Como pode um concurso para tão poucas vagas ter tantos inscritos? Arrisco dizer que é o salário. Afinal, quem não quer ter uma boa garantia financeira, além da empregatícia?

As salas de aula em geral se parecem. São feias, sem atrativos estéticos e as classes são enfileiradas. As paredes são cheias de rabiscos: nomes de colegas de aula, de namoradinhos e namoradinhas. Corretivos líquidos tornaram-se canetas.

Fiquei divagando enquanto não chegava o momento de fazer a prova. Sei de uma penca de professores que, como eu, estão na educação por um período de tempo (e esperam que ele não se torne uma eternidade). Muitos deles farão a mesma prova que eu. Sonhamos com dias melhores. Almejamos não ser caçoados nem enxotados por alunos sem escrúpulos. Buscamos ter a tranquilidade de podermos trabalhar não mais que 40 horas semanais e viver bem com os vencimentos. Sonhamos com o dia em que seremos respeitados e considerados pela sociedade.

O prestígio de um educador há muito não passa de ficção. A dedicação exclusiva – oportunidade em que o docente poderia se aperfeiçoar intelectualmente – está restrita, por enquanto, à Universidade, sobretudo a pública. Mesmo os pseudofelizardos das escolas particulares não têm a autonomia que imaginam, senão perseguir a economia de mercado. Esta dita as regras.
Deve ser uma felicidade saber que quem passar essa etapa do concurso vai trabalhar num lugar decente, numa sala confortável. A gente passa na frente de qualquer prédio ligado à Justiça ou à Fazenda e nota ar condicionado, por exemplo – artigo raro nas escolas públicas. Estacionamento gratuito para os servidores, outra raridade na educação. Ou seja, vê-se o investimento in loco, enquanto que na educação vê-se o investimento “in poco” (ínfimo). A educação brasileira está na UTI.

Tenho uma amiga, professora e assessora parlamentar, que afirma: a educação é um barco que afundou. Ela é uma excelente profissional da educação. Possui sólida formação acadêmica e faz a diferença na comunidade onde mora. Porém, está voltando às atividades no parlamento gaúcho. E não porque odeia a educação. Ela ama. Ocorre que a educação não a ama e, portanto, a remunera muito mal. Nela já não há a necessária serenidade para (e da) busca intelectual, para a pesquisa científica – elementos fundamentais na formação tanto do professor quanto dos alunos, visando não serem mais alguns indivíduos em meio a tantos outros. Não se faz ser pensante sem investimento.

É bater na mesma tecla dizer que não tenho mais encantos com a educação. Amo dialogar com pessoas de todas as idades acerca de produção textual, de gramática e semântica. Todavia, as pliticagens governamentais e partidárias (vem delas a ideologia de valorização profissional) me assaltaram, furtaram de mim o encanto. Já me basta ser um burocrata bem remunerado. Basta-me ter bom salário e tempo curtir minha mulher e minha filha.

Enquanto esse dia não vem, infelizmente elas terão de me dividir com correções de provas, trabalhos e produções escolares. Também, em vez de poesia e ficção, vão enxergar livros pedagógicos – às vezes com blá-blá-blá de quem nunca entrou numa sala de aula.

Ainda bem que podemos sonhar.

Sonho com dias melhores.

Vamos à prova.

 
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