21 maio 2005

QUEM NÓIS É ?

21 maio 2005 0
Levi Nauter, em 21-05-05

Ainda espero ver as pessoas mais sinceras. Aqueles tipos que dizem o que pensam, que optam por alguns minutos de cara feia a uma vida de fachada. Gente pronta a trocar vivencias.
Infelizmente, como dizia T.S. Eliot, algumas tecnologias nos dão a sensação de intimidade, de conhecermos celebridades há anos. Mal percebemos que nos distanciamos cada vez mais; ou seja, ocorre exatamente o contrário do que pensamos. Futilidades estampam capas de revistas. Fatos e fotos (parece nome de revista) buscam aguçar nossa curiosidade na busca do nada. Somos calvos, temos barriga, estrias, chulé, dor de cabeça, unha encravada. Vomitamos, peidamos.
Somos gente, esse animal dito racional.
Nossas mazelas estão começando a cheirar mal. Talvez por isso usamos Natura, Avon, Axé, Alma de Flores. Por isso queremos West Coast, Wrangler, Ferracini, Berimbau, Blue Steel. No almoço queremos Coca-Cola, Pepsi, Bud. Adoramos comida japonesa, italiana, alemã. Onde está a brasileira?
Queremos ver fulano, cicrano e beltrano tomando umas e outras, pois é quando se põe os podres pra fora. O tesão é podermos rir do outro. Legal ver uma velha tropeçar. Às novas emprestamos as vazões de fantasia. Falamos mal de todo mundo. Mas abraçamos, dizemos “ou querido(a)”. Trabalhamos juntos porque não há alternativa. Se houvesse, ainda trabalharíamos juntos pois faz bem ao ‘social’, não admitimos ser egoístas. Nós? Capaz...
Pois continuamos sós. Nossas amizades continuam limitadas ao nosso mundo. Mundo de plástico: tem de estar numa boa temperatura; se o clima esquentar derrete, muda a forma torna-se, talvez, nada. Podamos, ignoramos, desdenhamos, fazemos de conta que não vemos nem ouvimos. Contudo, no fundo, falamos muito (mesmo que conosco mesmos).
Que vida é essa?
Em que mundo vivemos?
Que importância há numa vida de plástico?
“Quem somos nós, quem é cada um de nós
senão uma combinatória de experiências
de informações, de leituras
de imaginações?”
Ítalo Calvino
In Seis propostas para o próximo milênio,
São Paulo: Cia. das Letras, 1995.

12 maio 2005

A MATRACA NOSSA DE CADA DIA

12 maio 2005 1
Levi Nauter, 12-05-05
Nestes dias tenho pensado sobre um assunto, graças ao nosso célebre e imortal Machado de Assis (este realmente merece o título, não só porque foi um dos mentores da Academia Brasileira de Letras). Trata-se da arte de fazer outros crerem nalgo mesmo que não seja verdade ou que seja meia verdade. Em tempos nos quais muita gente quer dar discursos, melhorar a todo custo a própria imagem a fim de diversos fins, vamos deixar o Machado explicar no que consistia a matraca dO Alienista - conto que todo brasileiro deveria ler.
"Contratava-se um homem, por um ou mais dias para andar as ruas do povoado, com uma matraca na mão. De quando em quando tocava a matraca, reunia-se gente, e ele anunciava o que lhe incumbiam - um remédio para sezões, umas terras lavradias, um soneto, um donativo eclesiástico, a melhor tesoura da vila, o mais belo discurso do ano, etc. o sistema tinha incovenientes para a paz pública; mas era conservado pela grande energia de divulgação que possuia. Por exemplo, um dos vereadores (...) desfrutava a reputação de perfeito educador de cobras e macacos, e aliás nunca domesticara um só desses bichos; mas, tinha o cuidado de fazer trabalhar a matraca todos os meses. E dizem as crônicas que algumas pessoas afirmavam ter visto cascavéis dançando no peito do vereador; afirmação perfeitamente falsa, mas só devida à absoluta confiança no sistema." ( in Papéia avulsos, RJ, SP e RS: Ed. V.M.Jackson Inc.)
É interessante notar que tudo não passava de uma representação. Dito de outra maneira, alguém com vocação ou designado para a função de matraqueiro, saía às ruas dizendo o objeto de ganha-pão. De tanto ouvir as pessoas acabavam acreditando. provavelmente o contraponto era nulo. E o certo é que funcionava.
Com certa tristesa tenho de admitir a facilidade de encontrarmos matraqueiros contemporâneos. Falam, falam, nada dizem (aliás, Tom Jobim, em Samba de uma nota só, já ratificava).Contudo, podemos pensar que esses falantes ganham bem para fazerem o papel de eco.
A política lembra-nos essa espécie de 'pão nosso de cada dia': cede-se aqui, ganha-se ali, esquece-se dos valores adquiridos adiante. E por aí vai...
Democracia não existe. Os que hoje mandam, em qualquer instância, pressupõem ter a autoridade e nós, subalternos, fingimos que obedecemos (e às vezes nem isso conseguimos). Quando obedecemos o fazemos por conveniência. Há momentos em que é melhor sermos ator. A liberdade parece não existir também. O que talvez tenhamos é a autonomia - conquistada por um árduo preço cotidiano. "Somos um bando, um bando, um bando e muitos outros" (disse Bebeto Alves). Vivemos sob o reino representativo onde, infelizmente, os maiores andam comendo os menores. Salve-se quem souber (disse Gelson Oliveira).
Matraca, matraca, como te quero!
Ah, vou cansar de ti em 2006.

10 maio 2005

AINDA EM FALTA

10 maio 2005 0
Levi Nauter, 10-05-05
Reconheço que estou em falta com vocês - que para minha sorte gostam de ler o que escrevo (não sei como). Mas ando um tanto atarefado com trabalhos na faculdade. E, portanto, sem tempo. Espero que me compreendam. Enquanto isso, vamos refletir sobre o texto de outro. Um pensamento de Arthur Schopenhauer que, embora um tanto depressivo, escreve muito melhor que eu. Ele fala sobre a leitura (in Sobre livros e leitura. Trad. Philippe Humblé e Walter Carlos Costa. Porto Alegre: Paraula, 1993).
Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: só repetimos seu processo mental. Trata-se de um caso semelhante ao do aluno que, ao aprender a escrever, traça com a pena as linhas que o professor fez com o lápis. Portanto, o trabalho de pensar nos é, em grande parte, negado quando lemos. (...) Durante a leitura nossa cabeça é apenas o campo de batalha de pensamentos alheios. Quando estes, finalmente, se retiram, que resta? Daí se segue que aquele que lê muito e quase o dia inteiro, e que nos intervalos se entretém com passatempos triviais, perde, paulatinamente, a capacidade de pensar por conta própria, como quem sempre anda a cavalo acaba esquecendo como se anda a pé. Este, no entanto, é o caso de muitos eruditos: leram até ficar estúpidos. Porque a leitura contínua, retomada a todo instante, paralisa o espírito ainda mais que um trabalho manual contínuo, já que neste ainda é possível estar absorto nos próprios pensamentos. (p. 17 e 19)
 
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