Levi Nauter, 12-05-05
Nestes dias tenho pensado sobre um assunto, graças ao nosso célebre e imortal Machado de Assis (este realmente merece o título, não só porque foi um dos mentores da Academia Brasileira de Letras). Trata-se da arte de fazer outros crerem nalgo mesmo que não seja verdade ou que seja meia verdade. Em tempos nos quais muita gente quer dar discursos, melhorar a todo custo a própria imagem a fim de diversos fins, vamos deixar o Machado explicar no que consistia a matraca dO Alienista - conto que todo brasileiro deveria ler.
"Contratava-se um homem, por um ou mais dias para andar as ruas do povoado, com uma matraca na mão. De quando em quando tocava a matraca, reunia-se gente, e ele anunciava o que lhe incumbiam - um remédio para sezões, umas terras lavradias, um soneto, um donativo eclesiástico, a melhor tesoura da vila, o mais belo discurso do ano, etc. o sistema tinha incovenientes para a paz pública; mas era conservado pela grande energia de divulgação que possuia. Por exemplo, um dos vereadores (...) desfrutava a reputação de perfeito educador de cobras e macacos, e aliás nunca domesticara um só desses bichos; mas, tinha o cuidado de fazer trabalhar a matraca todos os meses. E dizem as crônicas que algumas pessoas afirmavam ter visto cascavéis dançando no peito do vereador; afirmação perfeitamente falsa, mas só devida à absoluta confiança no sistema." ( in Papéia avulsos, RJ, SP e RS: Ed. V.M.Jackson Inc.)
É interessante notar que tudo não passava de uma representação. Dito de outra maneira, alguém com vocação ou designado para a função de matraqueiro, saía às ruas dizendo o objeto de ganha-pão. De tanto ouvir as pessoas acabavam acreditando. provavelmente o contraponto era nulo. E o certo é que funcionava.
Com certa tristesa tenho de admitir a facilidade de encontrarmos matraqueiros contemporâneos. Falam, falam, nada dizem (aliás, Tom Jobim, em Samba de uma nota só, já ratificava).Contudo, podemos pensar que esses falantes ganham bem para fazerem o papel de eco.
A política lembra-nos essa espécie de 'pão nosso de cada dia': cede-se aqui, ganha-se ali, esquece-se dos valores adquiridos adiante. E por aí vai...
Democracia não existe. Os que hoje mandam, em qualquer instância, pressupõem ter a autoridade e nós, subalternos, fingimos que obedecemos (e às vezes nem isso conseguimos). Quando obedecemos o fazemos por conveniência. Há momentos em que é melhor sermos ator. A liberdade parece não existir também. O que talvez tenhamos é a autonomia - conquistada por um árduo preço cotidiano. "Somos um bando, um bando, um bando e muitos outros" (disse Bebeto Alves). Vivemos sob o reino representativo onde, infelizmente, os maiores andam comendo os menores. Salve-se quem souber (disse Gelson Oliveira).
Matraca, matraca, como te quero!
Ah, vou cansar de ti em 2006.
1 comentários:
Tchê, já fazia um tempito que não cruzava por aqui, tá lindo que nem laranja de amostra.
Quebra-costela
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