24 dezembro 2006

Daqui a pouco fará um ano que jantei pela última vez com minha mãe

24 dezembro 2006
Levi Nauter



Daqui a pouco fará um ano que jantei pela última vez com minha mãe.
Não sei exatamente onde ela está, ninguém veio me dizer e não consigo crer que ela viria para esse mundo. Tampouco acredito em reencarnação. Mas isso não impede que dela eu tenha saudade. Também não é empecilho para que, ao ter de dizer seu nome numa ficha para aprovação de crédito, por exemplo, meu coração se aperte.

Casado que estou, há onze anos, penso muito em ter filhos. Considero que a Lu é a pessoa ideal para me dar esse presente. Fico imaginando os bons momentos que irei passar com ela e nosso filho (ou filha) ainda no período de gestação. Ao nascer, possivelmente seja uma criança linda – muito mais em função da Lu do que de mim. Mas isso pouco importa, nossa preocupação maior é com a saúde. Toda mãe essencialmente se preocupa com a saúde de seu filho. De minha parte, fico pensando em como brincar sem machucar a criança; em ‘será que colocaria algum apelido?’.
Minha mãe pôs em mim. Sei lá por quê. Era pibí (isso mesmo, pi – bí). A única explicação que encontro tem a ver com o início das minhas tentativas de fala. Provavelmente, ao tentar dizer meu nome, dizia pibí. E ficou. Até ela morrer fui chamado de pibí. Muitas vezes tenho saudade daquela voz ‘velha’, quase rouca, me abraçando e, ao pé do ouvido, dizendo “o pibí da mãe”.

Às vésperas do Natal 2006, em pleno domingo, parece que de algum lugar ouço essa mesma voz. E ela me faz chorar, querer abraçá-la e dizer coisas que por ‘n’ motivos deixei escapar a oportunidade. Gostaria de poder mandar uma carta pra ela desejando boas festas. Mas não há endereço. O único lugar possível é o endereço do qual ela nunca mais fará o que sempre fazia: ia até o portão para acenar com um tchau. Muitas vezes, vendo-a morrer a cada dia, seu aceno cortava meu coração. Muitas vezes entrei no carro chorando, com a Lu ao meu lado, querendo ficar mais um pouco com ela, assim parecia que a morte ficaria mais longe.

Contudo, há um ano atrás estávamos alegres. Eu, meus dois irmãos, minhas duas irmãs, minha mulher (a Lu) e minha cunhada (a Ane). Meu pai, que não tenho a mínima idéia de onde estava, parece ter optado não fazer parte daquele momento. Participamos de uma simples e linda ceia de natal. Como foi confortante ver minha mãe comendo, ceiando. Nos últimos meses antes disso pouco a vi alimentar-se. Naquele dia, talvez, tenhamos sido uma força para mais um pouco de vida e para mais uma porção de alimento. A sobremesa, sorvete, teve um grande significado pra mim: na minha infância poucas vezes pude prová-lo. Estava muito bom. A mãe que teve diabetes comia que dava gosto.

Daqui a pouco não sei qual será minha reação diante do chester, da bebida, e, ironicamente, do sorvete. Por ora, quero lembra da sua garra. Garra que a fez trabalhar duramente enquanto teve saúde; que a fez sonhar enquanto pode; que a fazia ser artista; que nos fez gente; que nos tornou ferrenhos briguentos, inconformados com as injustiças com os discursos sem práticas. Garra que nos fez gente.

Cá estou tentando seguir seu legado. Sonhando, tentando fazer arte, encontrando forças para brigar, tentando tanto quanto possível ser justo, praticar o que digo. Enfim, tentando ser gente.
Cheio de saudade de ti, mãe!
Todos nós temos saudades de ti.
E, se é possível, boas festas!!!

4 comentários:

Anônimo

Há muito o que dizer, mas nem sei quais palavras usar, resumindo "saudade", única, dolorida e constante.

Camila

Essa coexistência da morte em nossa vida é algo realmente doloroso, eternamente doloroso.
Um bonito texto, Levi.
Grande abraço!

Anônimo

"Só existem dois dias no ano que nada pode ser feito. Um se chama ontem e o outro se chama amanhã, portanto, hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e, principalmente viver." Dalai Lama)
A saudade sempre nos traz muito de quem se foi.Mas a vida continua e, com certeza, sua mãe está em todos esses lugares que você citou para lembrar-lhe que HOJE é o dia certo para você realizar todos os sonhos, sem medos, sem angústias.
Um grande abraço!

Anônimo

"Só existem dois dias no ano que nada pode ser feito. Um se chama ontem e o outro se chama amanhã, portanto, hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e, principalmente viver." (Dalai Lama)
A saudade sempre nos traz muito de quem se foi.Mas a vida continua e, com certeza, sua mãe está em todos esses lugares que você citou para lembrar-lhe que HOJE é o dia certo para você realizar todos os sonhos, sem medos, sem angústias.
Um grande abraço!

 
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