31 dezembro 2006

FIM DE ANO [e a vida]

31 dezembro 2006
Levi Nauter
“O mundo é dos vivos
O mundo é dos bancos
E os bancos dos mendigos”
Nei Lisboa


Sobre o que escrever no último texto do ano? Ao longo da semana fiquei matutando. Não queria dizer o mais óbvio, embora este texto pouco tenha de original. Imaginei que quem lesse o texto já teria recebido um “boas festas” ou “feliz ano novo”. Ademais, gosto da reflexão, do texto que diz e não apenas informa. Minha preocupação não está no texto gramaticalmente impecável, estes, na maioria das vezes, estão abarrotados de outros tipos de pecados – aqueles escondidos atrás das palavras. Tampouco gosto do pedantismo comum a alguns textos que recebo para ler. Aprecio o sarcasmo, a extroversão e as dualidades (vida/morte, alegria/tristeza etc.) – quem bem faz uso da dualidade tem tudo para produzir um bom texto.
Mas, e daí? O que escrever?

“...esse mundo é feito de maldade e ilusão (...)
Ponha-se no meu lugar.”
Dorival Caymmi

No sábado, dia 30 de dezembro, encontrei a resposta.
Fazia um bom tempo, não visitávamos Porto Alegre. Na verdade fomos obrigados a pagar uma conta a fim de continuarmos com o nome ‘limpo’na praça. Eu e a Lu decidimos almoçar. Ali estava a resposta.
Mal entramos na praça de alimentação e fomos atacados pelos garçons-vendedores. Eram homens e mulheres, jovens, que simplesmente não davam trégua a nenhum vivente ‘comedor’ em potencial. Era uma enxurrada de placas anunciando promoções, na sua maioria a diferença entre uma e outra era de, no máximo, dois reais. “Queremos essa, do bife à parmegiana, mais dois refris”. Fomos a uma mesa e enquanto esperávamos nosso pedido começamos observar ao redor. Descobrimos que todos os pontos de venda pertenciam, provavelmente, ao mesmo dono ou os garçons-vendedores casualmente eram os mesmos ou, ainda, eram gêmeos. Não tinha lado, eles atacavam todos. Se o cliente queria um chopp, pegava-se de um lugar; se o camarada queria água tônica, pegavam de outro lugar.
Veio o almoço. Os talheres eram horríveis, os meus eram cor de creme; os da Lu, de madeira. Um palito de dente pra cada um, um minúsculo pacotinho de sal, apenas um guardanapo de papel para o cliente. Pouco importa se utilizaríamos mais. Em meio a nossa refeição, observamos que uma senhora, bem-apessoada, ficava como quem em prontidão, sua tarefa era limpar a mesa para aguardar o próximo cliente. Ela parecia nervosa de tanto que cuidava da limpeza; tudo com rapidez. Ali não tínhamos dúvidas: tempo era dinheiro. A Lu almoça rápido, eu demoro mais; deixei um restinho de bife com um pedaço da única folha de alface que recebi, queria comê-los devagar enquanto ia conversando com a amada. Doce ilusão, alguns segundos depois aquela senhora chegou e tascou: “servidos”? “Não”, respondi com muita raiva. Ficamos estupefatos. Somos uma cifra, somos mais um nesse capitalismo desgraçado.
Como um filme, comecei a relembrar uma série de outras histórias vi ou passei.

“Primeiro se aprende as regras
Depois se aprende a mentir
Se cuidem dos “calavera”
Que eles andam por aí.”
Pirisca Grecco

Uma vez comprei um carro. O vendedor disse “veja, ele ta inteiro”. Tempos depois descobri que o veículo fora batido, bem batido. Aliás, vocês notaram que atualmente não temos como saber, ao olhar, se um carro é daqui ou de outro estado? Quase a totalidade dos picaretas colocam propaganda exatamente no número da placa, depois, então, descobrimos que o carro pode ser de alguma praia do nordeste.
Pagamos nossos impostos e pagamos mais algumas coisas por fora. Vejamos, por exemplo, a saúde. Tiram do nosso salário uma contribuição para o INSS e, no entanto, muitos de nós pagamos um plano de saúde particular. Contribuímos com os impostos por termos um carro; apesar disso, pagamos pedágio. Comprei uma antena parabólica, tive de pagar um técnico para instalá-la. Quando qualquer produto ou bem adquirido estraga pagamos o preço, seja indo e vindo da assistência técnica seja pagando honorários aos advogados (cuja função é ter mais instrução que nós a fim de pedir o que queremos e não sabemos como fazê-lo). Sem falar nos governantes, os (pseudo) representantes do povo.
Após um longo período quieto num canto, disse pra Lu que a sensação, às vezes, é a de que todo mundo quer ‘tirar uma casquinha’da gente. Que absurdo.
E 2007?
Eu espero continuar brigando com quem quer simplesmente aproveitar as situações do dia-a-dia para tirar proveito próprio. Estou farto disso. Também não pretendo ajudar quem tem mais a dar do que receber. Darei oferta aos que realmente carecerem e não aos que amedrontam-nos mostrando um mapa do inferno ou as maldições por eu ser “canguinha” ou, ainda, aos que intimam colocando no meu colo um santinho, um incenso, uma caneta ou algo assim. Chega.
Nem só de brigas vivemos. Há os sonhos. Muitos sonhos.
“Seremos sempre assim, sempre que precisar
Seremos sempre quem teve coragem
De errar pelo caminho e de encnotrar saída
No céu, no labirinto que é pensar a vida”
Nei Lisboa


Ouvir muita música, namorar bastante, ler muito, escrever tanto quanto possível, conversar com as pessoas. Tentar ouvir mais e falar menos. Ouvir o vento, as folhas correndo no chão, os pássaros, todos os tipos de ruído.
Não pensem, pelo que leram, que estou de mal com a vida. Ao contrário, amo estar vivo e quero durar muitos e muitos anos – sem reencarnar. Dois mil e seis foi um ano de muitas conquistas. Ocorre que estou com preguiça de contá-las. Quero praticar o chamado ócio criativo, arduamente defendido, entre outros, por Domenico De Masi.

1 comentários:

Ane Patrícia de Mira

É isso aí e resumindo (o que ando fazendo bastante, aliás): nada além de ser feliz.

 
LEVI NA INTERNET ◄Design by Pocket, BlogBulk Blogger Templates