05 junho 2008

DIÁLOGOS SOBRE A EDUCAÇÃO - sensação no concurso 1

05 junho 2008

Levi Nauter



SENSAÇÃO NO CONCURSO - 1

Agora são 13h20m de um domingo bastante quente. Estou numa sala de aula aguardando o início das provas de um concurso público. Já enfrentei um trânsito frenético de aproximadamente cinqüenta quilômetros e cá estou entre pessoas que estudam e revisam conteúdos de concursos passados; olham, conversam com os concorrentes vizinhos; saúdam-se e dizem "quanto tempo?!". De minha parte, optei por escrever a ficar tentando aprender o que não consegui ou não quis ao longo dos dois meses anteriores. Alguns dos meus concorrentes estão nitidamente nervosos; eu também. Disperso minha tensão falando com um possível leitor. Ah, sou a única pessoa do gênero masculino - por enquanto. Não tenho problemas com isso, embora reconheça que as mulheres tenham mais paciência com os alunos do que nós. Algumas das candidatas, contudo, despertam minha curiosidade. Gostaria de vê-las ministrando aulas; estão nuns trajes muito além das possibilidades da maioria do alunado, e isso pode ser (não disse que é) um entrave.

Meu texto intenta dissipar a apreensão. A possível chatice vai ao encontro da sensação que sinto exatamente agora. Há uma pasmaceira no meu entorno.

Opa, três companheiros do meu gênero adentram a sala. Já não estou só.

É sempre boa a companhia de alguém, a solidão parece uma assinatura de incapacidade comunicativa. Não me refiro do saudável momento em que se reflete a sós, tampouco de uma burra unanimidade de opinião, que a mim equivale a estar só. Refiro-me, sim, aos momentos em que estar só pode ser o começo de uma tragédia. Nós seres humanos precisamos de companhia. O outro ratifica ou retifica nossa identidade. Nesse contexto de prova, algumas colegas parecem ter resolvido a questão pelo estômago: muito salgadinho, iogurte, bolacha, água mineral, além da ilusória H2O, são algumas das iguarias que vejo.

Ouvi, há alguns minutos, uma das conversas. "Quantas questões caem na prova?", perguntou uma senhora. "Seis de legislação, vinte e quatro de Conhecimentos Específicos e dez de Língua Portuguesa" - uma resposta firme.

Fiz perguntas a mim mesmo: por que não redação? Por que não há poesia? E a arte? Esse povo gosta de literatura? De que tipo? Gosta de música?

Nunca saberei. Apenas sei que não estudei. Não agüentei o Hernandez, o Zabala e outros tantos que mal lembro o nome. Optei por ouvir música, ler ficção, visitar minha casa nova, carregar terra, voltar das férias, pensar num filho/a. Não estou nadando no dinheiro; estou vivo. Passar num concurso exige uma morte momentânea. Morre-se para os pequenos prazeres da vida e finge-se vivo para os estudos de inutilidades (na maioria das vezes). Ressuscita-se, depois, com ou sem uma nova condição financeira.

E a sirene deu o sinal. A prova vai começar. Depois retomo a escrita.


Neste momento, às 16h, deixei a grade de respostas. Sei que não passei. Ao mesmo tempo, considero uma idiotice certas questões. As pessoas que tiverem sorte poderão dar aulas não porque sabem tudo da Constituição Brasileira, por exemplo, mas porque foram boas de chute na resposta da prova. Continuo achando que saber sobre 'mandado de segurança' em nada contribui para meu desempenho de sala de aula. Saber se 'vislumbrar' é ou não rizotônico1 pouco auxilia na minha relação com os alunos. Muito menos ajuda eu saber a ordem dos capítulos da obra de Mizukami - outra questão questionável (aliteração proposital).

Portanto, volto pra casa com os mesmos dilemas. Sei da minha dedicação ao dar aulas para o ensino médio noturno (numa escola particular). Igualmente sei que muitos medalhões palestram sobre os mesmos dilemas e ganham muito mais do que eu. Não é ciúme, claro, é a denúncia de mais uma das tantas injustiças que se comete aos professores. Fica o anúncio de que ler poesia provavelmente seja mais frutífero que ouvir o blá-blá-blá de senso comum nessa que deveria ser a área de maior investimento governamental: a educação.

O único alívio é saber que um concurso público não prova minhas habilidades (ou falta delas) na sala de aula. Ao contrário, ratifica a dicotomia entre o que se deve ensinar e o que se exige numa prova seletiva. E isso me parece lamentável e desesperançoso.

Ultimamente ando possuindo poucas esperanças com a educação.







ILUSTRAÇÃO: gravura do pernambucano José Francisco Borges para a obra As palavras andantes, de Eduardo Galeano, publicada pela L&PM, 5 ed., em 2007.



1 Significa ter a vogal tônica no radical. A forma arrizotônica é o contrário (Pulava, vendia)

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