
21 junho 2009
12 de junho
No feriadão de 12 de junho eu e a Lu decidimos comemorar de um jeito simples, mas, para nós especial. Assistimos a um filme e lemos um mesmo livro. Com o frio pegando, o fogão à lenha fez companhia e alimentou-nos com um cremoso caldo de ervilha (com bacon e calabresa); um tinto suave fez as vezes da água.
Eu recebera de um amigo o livro (e não obra) do John Grogan no início de 2008. Fiz um esforço sobremaneira inútil tentando chegar ao final das páginas. Desisti. Há livros que não são pra gente. Se em dou ou três capítulos não formos encantados pode não ser má ideia desistir. Porém, com o filme foi um pouco diferente. Nele resumiram vários capítulos chatos, tornaram imagem aquilo que – a meu ver – o autor não conseguiu fazer boa tradução para o mundo da escrita. Além do mais, o filme tornou o autor e sua esposa pessoas lindas, dentro dos padrões sonhados pela norte-americanidade (porque obseidade lá é fato, em que pese a ‘maquigem’ do cinema). Apesar de entender a intenção tanto do filme quanto do livro, discordei do enfoque. O centro de tudo era um cachorro. Os filhos vieram, pelo menos um nem vingou, mas o centro continuou sendo um cachorro. Meu instinto paterno diz que isso não me serve. Minha filha é infinitamente mais importante prova está eu não ter animais de estimação. No entanto, a fotografia do filme foi linda, especialmente as paisagens irlandesas (vale a pena ver a Irlanda no filme “P.S. Eu te amo”). O filme valeu pela companhia da minha namorada e da minha novíssima paixão, respectivamente, Lu e Maria Flor. Foi assim que assisti a Marley & Eu[i]. Um filme morno, mas melhor que o livro.
No outro dia, foi a vez de lermos um livro engraçado. Livro escrito de mulher para mulher. Sem redundâncias, um livro para se ler numa sentada. Cals e Catunda foram felizes na escrita que beira o popularesco. O livro é divertido e nós o adoramos. Sugerimos que todos leiam-no, sobretudo os que gostam de frases politicamente corretas.
Trata-se de Eu sento, rebolo e ainda bato um bolo..., de Andrea Cals e Marcela Catunda, publicado pela editora Matrix. O subtítulo deixa clara a intenção do livro: o guia para a mulher que não precisa de guias. Lemos a 2ª. Ed.
[i] Marley & eu, 2008, distribuído por 20th Century Fox Film Corporation. Dirigido por David Frankel e estrelado por Owen Wilson e Jennifer Aniston.
26 abril 2009
24-04-09 - Feliz Aniversário
Te amamos,
Levi & Luciane,
os pais mais bobos do mundo.
10 abril 2009
DIÁLOGOS SOBRE A EDUCAÇÃO - formação continuada
O céu. Está desde o início do começo do princípio. O céu continua. Em cima do céu há mais céu. E depois do céu do céu há mais céu. E depois de depois do céu do céu nenhum planeta, nenhum cometa, nenhum meteorito. Só céu e céu e céu sem fim nem infinito. Arnaldo Antunes
Em maio/2008, fui convidado para mediar um debate com todos os professores que trabalham com linguagem numa rede municipal de ensino. Ao longo de um dia tive de ouvir relatos de experiências consideradas exitosas e, após, fazer um comentário. Sobretudo, tinha de provocar o debate, essa fora a razão do convite.
Os três dias que antecederam o evento foram de tremenda dúvida para mim. Um convite pressupõe que o convidado tenha algo a dizer, algum conteúdo a compartilhar. O que falar? O que dizer das experiências a serem ouvidas? Ler? Ouvir uma música? Um trecho de filme? Venceu a leitura de alguns trechos de livros, talvez pela praticidade no leva-e-traz, talvez pela boa desculpa “trouxe isso porque achei que o tempo seria curto”.
Chegou o dia. O auditório estava lotado: professores de literatura, português, espanhol e inglês. Encontrei alguns profissionais que conhecia, dei boas risadas, tomei água. Sentei-me e, atentamente, acompanhei todos os relatos.
Os relatos são idiossincráticos, ainda assim têm seus discursos internos. Orlandi[1] aponta-nos que “discurso não é um conjunto de texto, é uma prática” e sugere-nos que “não se analisam seus produtos, mas os processos de sua produção”. Pois a maioria dos relatos me pareceu romanticamente polidos. Equivale dizer que, de antemão, sabemos da impossibilidade de as coisas saírem efetivamente da forma como as relatamos. Ou seja, podemos voltar ao epíteto para dizer que por trás de um relato “...há mais céu. E depois do céu do céu há mais céu.” Uma das escolas relatoras chegou cansar a platéia de tantos rodeios que fez. Não ia direto ao ponto, na razão de ter sido convidada: relatar a experiência exitosa. Para nosso alívio, uma escola alcançou o objetivo proposto (ô palavrinha que professores adoram escrever em alguns documentos).
Aplausos para as escolas. Chamaram-me.
Fiquei intrigado com a idéia de relatos exitosos. A gente já sabe que deu certo, o interesse, então, fica comprometido. Não seria mais proveitoso discutir casos cujo percurso deu errado a fim de, noutra oportunidade, aperfeiçoar a experiência e enriquecer-se tanto quanto do que foi positivo? Um educador que se diz freireano deveria pensar nessa hipótese. O mestre Paulo[2] não poupou nem a si ao relatar experiências negativas.
Feitos os relatos, chegara a hora das ‘provocações’. Por que os professores não falam? Por que um profissional tem de dar o pontapé inicial? E por que exigimos que os alunos falem quando nem nós queremos falar?
Às vezes, lembrar é resistir e, às vezes, esquecer é que é resistir. Eni Orlandi
Tive de fazer jus ao convite. Comecei lendo um trecho do teólogo, educador e psicanalista Rubem Alves. Um texto de essência provocativa. Nele, Rubem critica a falta de autonomia no pensamento; a falta de ousadia, tão necessária em nossos dias:
Percebi que estou fora de moda. Não ando na companhia daqueles com quem os educadores andam. Não lemos os mesmos livros. Com a idade, passei a ler pouco. Se me criticarem por esse pecado acadêmico, direi que devem criticar também Bernardo Soares e Nietzsche. P. 106
...Universidade...é o lugar onde se encontra a maior concentração de cegos que eu conheço. Perdão, a minha mania de exagerar! Não é que sejam cegos. É que os olhos deles só vêem o que está escrito nos livros. Se a gente pedir para os moradores da universidade fazerem um trabalho sobre coisa complicada, sobre a qual existe uma bibliografia, tudo bem; eles fazem. Mas se a gente pedir para que façam um trabalho sobre aquilo que estão vendo, eles ficam paralisados. P. 106
As tartarugas caminham solidamente sobre o chão. A vantagem é que não correm o risco de quedas. Tartarugas não quebram pernas. A desvantagem é que são míopes, vêem quase nada do mundo. Já as águias, correndo o risco das alturas, acham que o risco da queda vale a pena, pois lá de cima, sem pés no chão, se vê muito mais longe e muito mais bonito. P. 107
O debate passou a ser inevitável. Falou-se a respeito de autonomia, da liberdade na hora de escolher os conteúdos de uma determinada disciplina; sobre como criar alunos águias e não tartarugas. Interessante notar como muitos professores querem ignorar completamente a gramática. Parece que intentam o que o poeta maldito, Paulo Leminsky[1], conseguiu tão-somente na poesia:
Meu professor de análise sintática era o tipo de sujeito inexistente.
Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida, regular como um paradigma de primeira conjugação.
Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial, ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito assindético de nos torturar com um aposto.
Casou com uma regência.
Foi infeliz.
Era possessivo como um pronome.
E ela era bitransitiva.
Tentou ir para os EUA.
Não deu.
Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.
A interjeição do bigode declinava partículas expletivas, conectivos e agentes da passiva, o tempo todo.
Um dia matei-o com um objeto direto na cabeça.
Leminski, que tinha uma forte ligação com a sala de aula, brinca com aquilo que o horror de muita gente e que, no entanto, pode excluir um professor de um processo seletivo público. Equivale dizer, em outras palavras, que quando não ensinamos a gramática estamos privando o aluno de vislumbrar outras oportunidades profissionais. E o debate seguia.
Mais para o final do encontro, refletimos sobre ‘que outros fatores fazem o aluno não gostar da escola?’. Houve um silêncio inicial. Recorri, providencialmente, ao ótimo Graciliano Ramos. Em Infância, ele conta de um medo inicial:
A notícia veio de supetão: iam meter-me na escola. Já me haviam falado nisso, em horas de zanga, mas nunca me convencera de que realizassem a ameaça. A escola, segundo informações dignas de crédito, era um lugar para onde se enviavam as crianças rebeldes.
A idéia do medo da escola não rendeu tanto debate. Partimos para a análise do asseio dos ditos educadores. Será que todos se vestem adequadamente? Algumas vezes não há exagero na indumentária? Graciliano também falou disso, ao descrever uma professora:
...exigiam de mim trabalho inútil. Mas obedeci. Obedeci realmente com satisfação. Aquela brandura, a voz mansa, a consertar-me as barbaridades, a mão curta, a virar a folha, apontar a linha o vestido claro e limpo, tudo me seduzia. Além disso a extraordinária criatura tinha um cheiro agradável.
Faltou tempo para continuarmos. E chegamos num momento crucial para o evento: hora de avaliar os trabalhos. Sempre que fiz esse tipo de exercício (sempre faço um pedido de texto no qual se avalie as aulas) impressionou-me algumas discrepâncias. Tive essa impressão na formação. Alguns educadores reclamaram a falta de cafezinho, de bolachinha (eles adoram diminutivos). Outro educador reclamou de eu não ter nem mestrado nem doutorado – como se isso fosse, por si só, baliza para a qualidade. Ninguém comentou diretamente o que se disse ou se trabalhou no tempo em que estivemos em formação. Ninguém disse que os textos estavam ruins; tampouco propuseram um texto diferente ou um autor não abordado. Para ser franco, as avaliações não eram avaliações. Os escritos – que deveriam ser avaliativos – eram superficialidades. Um indício da falta de leitura de mundo e da palavra.
Nós, educadores, temos um longo caminho até o momento de conseguirmos dialogar com nossos pares. Menos mal que demos o pontapé inicial.
[1] Poeta dos mais importantes do país, foi um homem do contra. Tinha sérios problemas com o álcool. Mas sua obra é esplendida. No CD Tambong, o cantor e escritor Vitor Ramil musicou um poema do Leminski. Ficou uma obra.
NOTAS
[1] ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e leitura. 6.ed. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2001, p. 55.
[2] “...num dia de domingo, uma vez por mês, eu falava aos pais e às mães, pescadores e pescadoras, no que a gente chamava de "Círculo de Pais e Professores", eu falava, e todos em silêncio. De repente, me assustei com um corpo que tombou no chão. Um cara, dormindo, caiu. Estava muito calor, e era uma fala que em certo momento deve ter adquirido ritmo que terminou embalando-o de tal maneira que o homem dormiu, fazendo um barulho dos diabos e "despertando" a nós todos. E a queda daquele homem me provocou uma série de reflexões, inclusive a de que a gente nunca sabe se está ou não tocando as pessoas que nos ouvem. E, possivelmente, até então eu poderia estar pensando que aquele silêncio era uma aceitação à minha fala. Na verdade, em vez de estar produzindo uma fala instigadora, eu estava fazendo uma cantiga de ninar.” In FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. Ana Maria Araújo Freire (org). São Paulo: Editora UNESP, 2001, p. 163.
Na mesma obra, a partir da página 224, Freire fala a respeito de formação continuada – citando exemplo de experiências nem tão exitosas assim.
03 abril 2009
DIÁLOGOS SOBRE A EDUCAÇÃO: o caos 1
Eu estou há meses pensando em falar sobre a educação. Falar do caos que nela está instalado faz tempo. Dizer do meu desânimo em ter que me dirigir a uma instituição de ensino para lecionar – em que pesem as aulas serem bem divertidas e meu relacionamento com o alunado ser considerado tranquilo.
Para minha sorte, não vou carecer de muito esforço. O noticiário está aí para falar em meu lugar. Depois eu retomo com algumas ampliações necessárias. Vou deixar a poeira baixar. Enquanto isso, sigo estudando para um concurso cuja renda me permita viver com plenitude – coisa que a educação não faz.
Não me parece normal um ser humano ter de trabalhar 60 horas semanais a fim de ampliar sua renda, enquanto não pode aproveitar outros prazeres da vida. Não me atrai nenhum pouco passar meus finais de semana corrigindo provas, lendo produções textuais e elaborando aulas para a semana seguinte, enquanto minha filha anseia por um passeio na pracinha ou um piquenique no quintal.
Conheço um 'sem número' de companheiros que estão debandando para outros campos profissionais. Eu sou um dos que almejam isso o mais rápido possível.
Quero viver. Quero trabalhar durante o dia, ir pra casa e curtir minha mulher e minha filha. Quero ler somente pelo prazer de ler. Quero ouvir música como se comesse um alimento delicioso.
Para a sorte dos que ficarem, existem os românticos; os esperançosos. Aqueles que ainda têm o que já não me pertence mais: saco para aturar desaforos sob roupagens pedagógicas.
25 março 2009
20 março 2009
sobre leituras
"é o leitor que lê o sentido; é o leitor que confere a um objeto, lugar ou acontecimento uma certa legibilidade possível, ou que a reconhece neles; é o leitor que deve atribuir significado a um sistema de signos e depois decifrá-lo. Todos lemos a nós e ao mundo à nossa volta para vislumbrar o que somos e onde estamos. Lemos para compreender, ou para começar a compreender. Não podemos deixar de ler. Ler, quase como respirar, é nossa função essencial."
O autor desse pensamento é autor de alguns bons livros. O trecho acima está nas páginas 19 e 20 de Uma história da leitura, da Cia. das Letras. Manguel foi um dos leitores que Jorge L. Borges teve quando da perda da visão. Vale a pena ler.
19 fevereiro 2009
fala mestre
"Ser tolerante não significa negar o conflito ou dele fugir. O tolerante, pelo contrário, é tanto mais autêntico quanto melhor defenda suas posições, se convencido de seu acerto, com denodo. O tolerante, por isso mesmo, não é uma figura pálida, amorfa, pedindo desculpas toda vez que arrisca uma discordância."
Paulo Freire in 'Cartas a Cristina...', 2.ed., UNESP, 2003.
29 janeiro 2009
na função
Nunca trabalhei tanto estando em férias. Cimento, concreto, terra, brita, cortina, abajour, flores artesanais, resina acrílica, piso, toseto, massa corrida, tintas, muitas tintas. Pá, terra, serra, água sabão. Cansaço, muito cansaço. Exaustão.
Estou na correria, com a Lu, a fim de preparar tudo antes de abril quando, então, finalmente, teremos nosso presente divino: a Maria Flor. Ando acordando às 7h e dormindo lá pelas 24h. Mas tudo me tem dado um enorme prazer. Os dias parecem correr fora do normal.tem sido difícil continuar a leitura de Terapia, do David Lodge, empréstimo da querida amiga Camila H. e bem recomendado pelo leitor e fraterno amigo Guto A.. Também está brabo de pegar minha única aquisição da Feira do Livro de POA: A cabana, o badalado romance cristão, lançado em 2008 pela Sextante. Mas, ainda bem, posso deixar de fundo musical a linda Teresa Cristina – presente de uma colega de trabalho docente. Ouvi-la cantando “pra que discutir com madame”, “coração leviano” e “o meu guri” é uma obra. Salve Teresa e o samba!
Tenho sentido saudade do mundo virtual. Fico querendo ler blogs, ver e-mails, mandar e receber mensagens. Por outro lado, é bom relembrar que preciso dominar o “sistema” e não ser dominado por ele. Assim, tenho me disciplinado e tenho dia para ler eletronicamente, para mandar, receber e responder às mensagens que chegam.
Tenho olhado muito para a Lu. É provável que não a veja grávida outra vez. A emoção toma conta de nós quando a Flor parece notar que está sendo olhada. É lindo sentir seu pezinho ou mãozinha mexendo-se enquanto converso com ela. É por isto que trabalhar bastante agora tem sido um prazer: poderei dedicar-me a ela inteiramente depois.
Enquanto isso, quem acostumou com minhas respostas rápidas terá de exercitar a paciência. Tão logo possa, responderei.
[fórum social mundial – outra vez. “...e o tal de mundo não se acabou”]
Mais um FSM em nosso país. Provavelmente somos os campeões em edições desse evento. Sim, para mim ele é um evento. E só. Participei das edições ocorridas aqui, no Rio Grande do Sul. Sei do que estou falando, assim como de uma penca de conhecidos ditos de esquerda que ficarão incomodados com meus termos. Eu diria, com todo o respeito que eles merecem (e merecem!), que fazem parte de uma esquerda acrítica, não muito chegada ao diálogo e mais simpatizante do monólogo. Essa esquerda é representada por gente que quer se perpetuar no poder (direta ou indiretamente). Gente que escolheu a política partidária como “carreira” e não como um ideal cujo centro é o povo. Para esses, há muito o povo não interessa senão no financiamento de suas regalias.
Nas edições de Porto Alegre, vi boas discussões, boas intenções, grandes caminhadas, li bastantes faixas de protesto. Mas pouco, quase nada mudou – efetivamente. Os medalhões vieram, palestraram, botaram ‘pilha’ nos que podiam (por ‘n’ razões) estar lá para ouví-los (pois, sejamos sinceros conosco, a grande massa estava suando a camisa em seus postos de trabalho1) e foram embora. Voltaram para suas Universidades, para seus gabinetes, donde escrevem livros de maneira confortável. As temáticas não mudaram. Continua-se dizendo que “os países ricos deveriam subsidiar a dívida dos pobres; que estes precisam ser mais ouvidos por aqueles” e blá-blá-blá. Defensores da natureza vêm com teorias idealizadas sobre a defesa do meio ambiente, enquanto órgãos do governo não fiscalizam como deveriam e outros desmatam tanto quanto as empresas privadas. Resumindo, há muito discurso, muita idealização, mas pouca, muito pouca, ação.
Acho que os governos de esquerda precisam esquecer os de lá e fazer o que precisa para que seus países comecem a andar. Não gastarei mais a sola de minhas sandálias (porque o chique nesses eventos é andar de sandálias ou chinelo) nesses eventos inócuos. Quero curtir minha filha, minha mulher, meus discos, meus livros, meus poucos amigos. Quero continuar acordando cedo e vivendo. Quero ganhar meu dinheirinho suado, mas honesto. Não quero depender de vãs promessas politiqueiras. Ando cansado de ver as mesmas caras, os mesmos trejeitos, as mesmas indumentárias. Quando se fala de política partidária, por exemplo, vê-se uma velharia – gente desde antes da ditadura está lá no poder. E não largam o “osso”.
Temos de nos ligar mais às pessoas. Há mais vida fora do mundo político-interesseiro. Há mais prazer no mundo fora dos holofotes, fora do poder pelo simples poder. Façamos bem a nossa parte. Reclamemos a quem de direito quando for o caso. Porém, os aglomerados não resolvem o problema. Eles são como sino: fazem um eco temporário. Sem contar que no meio deles é mais fácil notar uma turma do gargarejo: riem, batem palma, assoviam, pulam, repetem palavras de ordem. Nem sabem dos porquês. Querem contatos. Contatos imediatos.
Uma outra vida também é possível.
04 janeiro 2009
[retrospectiva 2008, em dois fatos] - levi nauter
Oscar Wilde
Minha vida bem poderia ser resumida em dois fatos neste 2008. Logicamente eles não se dão a sós. Isso é o que justifica, por exemplo, o aumento da minha carga-horária de trabalho semanal. Tudo o que se passou a fim de culminar nos dois fatos foi entremeado de outras ocorrências.
O primeiro fato importante foi a aquisição da casa própria. Durante treze anos sonhamos, planejamos e poupamos para isso. No inicio parecia-nos impossível, razão por que considerávamos a hipótese de um apartamento. Eu e a Lu estudávamos. Pagar os estudos era um ‘rombo’ nas economias. Continuamos; formamo-nos. À área da educação devemos nossas aquisições. De repente, descobrimo-nos numa cidade próxima a Canoas; calma e pequena. O preço era viável. Adquirido o terreno, mais alguns anos de trabalho e a casa sairia.
O sonho tornou-se realidade. Sonhar é sempre bom. A gente raramente sonha algo ruim. No sonho tudo se concretiza. Nele ocorre, penso, a romantização do que queremos. A questão é que temos de acordar para torná-lo real.
Nunca tive tanta dor de cabeça como durante a construção da casa. Todas as pessoas com as quais negociávamos queriam uma ‘mixaria’ do nosso suado dinheirinho (no diminutivo porque era pouco mesmo). Gastamos muita sola do sapato, muita gasolina, ouvimos todos os tipos de conselhos possíveis. Poucos nos incentivaram; a maioria nos achava loucos por fazermos algo além das nossas posses (e era verdade). Retínhamos o que nos parecia bom. Líamos revistas, jornais e seguíamos a cata do sonho acalentado. É difícil viver num mundo cuja renda financeira é tão díspar. É necessário estar atento a tudo. Como já disse, todos querem ganhar. Nós? Nada ganhamos a não ser a saúde para trabalhar – graças a Deus. O lado bom é que sabemos do valor do sonho e do suor para concretizá-lo. Sabemos também o quanto é mais fácil desencorajar que incentivar.
A construção durou um ano. Gastamos o que tínhamos e o que não tínhamos. Descobrimos ser verdadeiro a maioria do que dizem a respeito dos construtores de casas de alvenaria. Lidar com eles é um exercício de paciência. Sobretudo, é preciso seguir – à risca – o conselho de Jesus Cristo com eles: “...prudente como a serpente”. Nosso conselho, a partir de agora, será encontrar estranhos a confiar em ‘conhecidos’. Optem por quem fala pouco e age mais. Não queira alguém religioso, sem conhecer sua prática. Desconfie dos que contam só vantagem, dos que são fissurados em histórias extraordinárias. Estes trabalham pouco. Raras vezes terminam o que começaram. Faça contrato e preveja uma ruptura na qual você não seja o perdedor.
Outra descoberta da construção é que alguns profissionais (muitos mesmo) dão preço pela aparência da casa e não pelo serviço a ser feito. Sei de uma pessoa que corta grama e o preço tem a ver com o tamanho da residência e sua localização e não com a quantidade do serviço a ser prestado. Isso é lamentável, mas existe. As aparências ainda falam alto. Um dos pedreiros que por aqui passaram, enquanto instalava uma torneira, deixou escapar: “torneira de rico”. Confunde-se gosto estético com ter dinheiro – uma relação que nem sempre é diretamente proporcional.
Apesar das muitas dificuldades, estamos muito felizes com esse feito. Ela demonstra 90% do nosso sonho (nunca é 100%). Olhá-la interna e externamente tem para nós um sabor todo especial. Ela tem a nossa ideologia, nosso suor, nossas lágrimas, nossos medos e ousadias.
“Crianças gostam de fazer perguntas sobre tudo. Nem todas as respostas cabem num adulto.”
Arnaldo Antunes
O segundo fato transcende a tudo que podemos imaginar. Também foi sonhado, também foi querido. Nossos olhos sempre brilharam com a possibilidade da concretização. Sempre nos pareceu que a vida não seria completa sem essa realização; que não completaríamos perfeitamente a parábola do Filho Pródigo, ou seja, que haveria um momento de ser o filho mais novo, o filho mais velho e – por fim – o momento de ser pai. Agora é a nossa vez de sermos pais.
Nosso melhor presente de 2008 chamar-se-á Maria Flor. Certamente será o melhor presente de aniversário que poderei ganhar, em comemoração aos meus trinta e cinco anos. A sensação é a de que nada mais importa a não ser minha Flor. Trabalhar manhã, tarde e noite ganhou nova motivação, ganhou um cheiro. Cheiro de Flor. Nossas conversas são a três. Nossos sonhos são a três. Não sei na numerologia, mas, para nós, três está perfeito.
Chegou a hora de demonstrarmos nosso cuidado para com um ser. O momento de praticar o que lemos, o que ouvimos e vimos e que, obviamente, nos pareceu bom. Tempo também de descartarmos aquilo que consideramos erros na nossa criação. Nossa vez de sermos imitados. Sem ilusões, no entanto, sabemos que cometeremos erros (que graça terá uma vida certinha?). Finalmente veio a hora de demonstrar nosso lado divino (pai, advogado, medico...).
Em 2008 entramos na essência da vida. Saímos da parentela, fomos para o nosso mundo; geramos outra vida. Estamos sendo e fazendo.
Que em 2009 tenhamos mais fatos!
NOTA
Soundtrack: “Hallmark Presents The Spirit Of Christmas”, da bela e elegante Amy Grant. O CD é de 2001. A orquestração é linda.
Um texto tem me ajudado a aperfeiçoar minha percepção de pai. Trata-se de Abba, pai, do psicólogo Karl Kepler.
25 dezembro 2008
às mestras
Tive o privilégio de trabalhar com elas. Muito peleei com a Andréia na tentativa, às vezes frustrada, de melhorar o acesso e a permanência do educando na escola. Foram dias de riso e choro. As fotos do Sarau Poético preenchem a saudade daqueles tempos. Parabéns, Andréia!
Com a Ingrid aprendi a rir e fazer o que precisa ser feito. Sua base sociológica era cotidianamente ratificada pela reflexão freireana. Sua garra e latinidade extrapola o senso comum. Fico admirado com tua capacidade de querer ir além, além, além... Felicidades, chavista!!!
Notas, harmonias, trilhas, documentários. Faltou tempo para discutirmos sobre arte ao longo deste e de outros anos. Com o Jorge, formaram uma dupla do barulho (afinado) cujo eco se fez ouvir pela Europa. Sou um privilegiado: ouço músicas diversas (ritmicamente, poeticamente) e dialogamos sobre as possíveis relações entre as teorias musicais e as teorias pedagógicas. Era uma questão de tempo, Áudrea.
Meu desejo é que vocês não ‘entrem’ no ‘mundinho’ acadêmico – indiretamente denunciado pelo Paulo Freire e escancaradamente denunciado pelo Rubem Alves. Que a academia não gesse o pensamento, tampouco faça diminuir em vocês o espírito do diálogo pela do monólogo. Que as múltiplas vozes não se tornem uníssonas. Que as mesmas vozes estejam afinadas e dissonantes. Que sejam instrumentos.
Força para vocês.
27 novembro 2008
paradinha estratégica
Minha pausa tem a ver com a correria do dia-a-dia, com minhas inconformidades, com minhas tristezas, com minhas poucas alegrias. Ando curtindo minha mulher, a criança que, crescendo, se mexe bastante. Estou desligado do mundo. Pouco vejo TV (principalmente noticiários), pouco ouço rádio. estou recolhido a minha insignificância. Mas, como diria o Zé Ramalho:
Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo
07 novembro 2008
às flores da minha vida
Depois de uma noite e um dia de cão, passado dentro de um hospital (outro texto tratará disso), fico cada vez mais admirado com a minha mulher – a mãe da Flor. Não posso cansar de dizer que Deus foi extremamente generoso comigo dando-me a oportunidade de conviver com ela. Por isso, meu agradecimento pelas muitas forças que recebo para continuar vivo. E para as duas flores da minha vida, ofereço uma música linda: Linda Flor (o link abaixo permite ouvi-la. Originalmente, Zélia canta essa música no CD Eu me transformo em outras – boa pedida!).
Linda Flor
Henrique Vogeler, Luiz Peixoto e Marques Porto
Ai, ioiô
Eu nasci pra sofrer
Foi olhar pra você
Meus zoinho fechou
E quando os óio eu abri
Quis gritar, quis fugir
Mas você
Eu não sei porque
Você me chamou
Ai, ioiô
Tenha pena de mim
Meu senhor do Bonfim
Pode inté se zangar
E se ele um dia souber
Que você é que é
O ioiô de iaiá
Chorei toda noite, pensei
Nos beijo de amor que te dei
Ioiô, meu benzinho do meu coração
Me leva pra casa, me deixa mais não
Chorei toda noite, pensei
Nos beijo de amor que te dei
Ioiô, meu benzinho do meu coração
Me leva pra casa, me deixa mais não
http://www.youtube.com/watch?v=ErDQY6sPwHE
24 outubro 2008
luxo só
Minha querida amiga Liliane Barsante, com quem tive o privilégio de estudar, escreveu um belo texto sobre esse (pseudo)conforto alardeado pelas empreiteiras e, não esqueçamos, subscrito pelo Estado – Caixa, por exemplo. Leiam, vale a pena: http://intransitiva.blogspot.com
Quando pensamos em onde morar, aproximadamente há um ano e meio, fomos visitar alguns lugares. Vivemos isso na prática. Cheguei ao ponto de dizer: “só um pouquinho, quanto custa sem isso tudo?”.
Graças a Deus, adquirimos um modesto terreno num lugar no qual a felicidade não mora. Por ora, não tenho cerca ao redor do pátio. Assim é que tenho de manter contato com meus vizinhos. E isso é ótimo. Tem sido uma experiência maravilhosa conversar com eles; fazer 'ponte' na bateria do carro, combinar carona, tomarmos um suco e, em época de gravidez, ganhar revistas e paparicos (isso é o que a Lu tem vivido).
E tem mais: qual a razão de tanto conforto sem o saudável suor do dia-a-dia? Por que é necessário espaço pra isso ou pra'quilo? Que monótono deve ser a vida sem suor, sem o esforço, sem as devidas opções de escolha que nos deixam genteficados. Reitero que tem sido uma bela experiência cortar grama, capinar, carregar tábua, comprar materiais de construção, dormir tarde, acordar cedo, dar um beijo na Lu antes de sair de casa, não ter bateria no carro, ter de ser um pouco pedreiro, um pouco jardineiro, um pouco bisbilhoteiro, um muito cansado.
Mas o melhor de tudo é acordar às 5h da manhã e, uma hora depois, encontrar esse presente divino que coloquei acima. O sol estava nascendo sob o fundo musical dos pássaros. Ou seja, às vezes a felicidade me encontra pelo caminho – graças a Deus.
DIÁLOGOS SOBRE A EDUCAÇÃO - minhas leituras

A pedido, este texto será parte de um trabalho feito por um grupo de estudantes de pedagogia de uma grande universidade. Isso aumenta a responsabilidade do que vou dizer; ao mesmo tempo, enobrece meu suor na tentativa muitas vezes infeliz de tentar polir meu texto. Tudo começou com a pergunta “como te tornaste um leitor?”. Dei pequenas explicações, mas senti-me eufórico ao começar a conversa. Lembrei do Nietzsche que escreveu Ecce Hommo e deu o seguinte subtítulo: de como a gente se torna o que a gente é. Obviamente que não tenho a sagacidade nietzscheana, talvez no final de meus dias terreais chegue mais perto. De outra parte, porém, não sou acrítico – o que já é um bom começo.
Minha incursão no mundo da leitura, que passou pela escrita e chegou na pesquisa vem desde a minha tenra idade. Nada tem a ver com a escola. Esta aprimorou uma alfabetização adquirida na infância pela minha mãe. Quase todos os meus irmãos chegaram com um bom nível de desenvolvimento na escola. Nela houve uma melhor sistematização daquilo que sabíamos, o acréscimo de mais algumas informações e a poda de muitas outras coisas que, segundo as professoras, era cedo saber. Na escola e em casa fui forçado a fazer muitas atividades que eu não gostava.
Meus pais pertenciam a uma religião que classifico como fundamentalista. O resultado disso foi que durante um bom período de minha infância minhas leituras se restringiram a textos bíblicos. Os evangelhos, as cartas paulinas e, claro, os salmos e os provérbios. Muita coisa eu não entendi, ou seja, li muito sem levar em conta o contexto e sem saber o significado mesmo. Lembro-me, agora, das tantas vezes que – por não haver dicionário – eu ficava tentando adivinhar o que poderia ser dracmai. Lia a parábola e não fazia a menor idéia do que fosse. Tinha apenas uma certeza: era algo de valor, do contrário, como perder tempo atrás de algo sem importância?
Outra característica desse tempo foi minha acriticidade. O sagrado foi de tal modo incutido em mim como algo irremediavelmente dado; seria perder tempo querer questionar. Até meus dez anos (acho) vivi assim.
Eis que entra minha mãe em cena. Diarista, certo dia ela ganhou uma sacola de gibis. Trouxe para casa e foi obrigada por meu pai a consumir com aquelas ‘bobagens’. Consegui salvar um exemplar debaixo do meu colchão. Sei que era da Walt Disney. Não lembro uma história sequer. Apenas recordo um título parcial sobre um belo desenho: cai a noite em Patópolis.
Na escola jamais tive momentos de leitura. Nenhuma professora ou professor falou apaixonadamente sobre algum autor – nem nacional, nem internacional. Mas castigo havia. Até a sexta série muito fui castigado. Confesso que não fui flor de se cheirar. Mas também confesso que sempre me incomodou lembrar das vezes em que cheirei o quadro-negro, com as mãos para trás. Lembro de uma colega (com quem tenho um bom contato até hoje) que muito chegou da escola com o nariz pintado de giz. Essa diabólica professora – de quem jamais esqueci o nome – adorava dar lições de moral em nós. Cortou minhas unhas, deu-me um banho com sabonete na pia do banheiro e, certa feita, proibiu-me de tossir por causa de alergia ao giz. Para ela, aluno que incomodava tinha que ficar de castigo na biblioteca. Biblioteca era lugar de silêncio, o espaço ideal para quem não ficava calado em meio as suas explanações. Lá a bibliotecária era carrancuda, odiava alunos. Já saíra da sala de aula porque nela só havia aluno. Aluno dava-lhe ojeriza. Ironicamente, porém, foi lá e por ela que ouvi a primeira história contada: As Bodas. Não lembro de que se tratava nem sei quem é o autor. Sei que gostei porque ia na contramão do que eu lia sobre as Bodas Celestiaisii.
Param por aí minhas lembranças da infância.
No final da oitava série, quase iniciando o ensino médio, agarrei uma mania devido ao meu comportamento de alguém que não é mudo: semanalmente ia para biblioteca como castigo por conversar em demasia. Essa mania carrego até hoje. Sou sócio em três bibliotecas municipais. Adoro ficar verificando as relíquias do acervo. Já aconteceu de um sócio estar procurando um determinado exemplar e eu ouvir o bibliotecário dizer “este não temos” apesar de eu saber exatamente onde se encontra o dito cujo. Consciente ou não as atitudes questionáveis dos professores muito contribuíram para o meu ingresso na leitura. Eles não me indicaram obras, jogaram-me no meio e, como que dissessem “te vira”, eu tive que fazer algo.
Ser leitor é querer saber o que se passa na cabeça de outro, para compreender melhor o que se passa na nossa. Jean Foucambert
Então comecei a ‘perder’ tempo olhando títulos, autores bem como a disposição das obras nas prateleiras. Alguns títulos começaram a chamar minha atenção. Li O guarani, do José de Alencar, odiando. A professora nos obrigou. Mas por prazer li É tarde pra saber, do Josué Guimarães. Quanta diferença ler por prazer e ler para fazer!
Já estagiário, minhas leituras mesclavam interesses literários com os profissionais. Estes enveredaram para a Qualidade Total e para a área da Informática. Foi aí que descobri a escrita. Igualmente percebi que o lido vinha à tona na hora de escrever. Um léxico se aprimorava na medida em que ia testando-o no interior de frases, períodos e parágrafos. Euforicamente notava que escrever me libertava de amarras ideológicas, isto é, eu era livre para dizer o que bem entendesse sem ser condenado por isso – afinal, eu não precisava mostrar meu texto a ninguém. Escrevia, nessa época, como uma terapia, tal ato me aliviava.
Tive dois grandes saltos literários, por assim dizer. O primeiro deles foi quando iniciei um curso técnico em segurança do trabalho. Nele os professores me ensinaram que um jornal possui mais que páginas esportivas e policiais; aprendi a ler, por exemplo, o caderno de economia. Tive aulas de redação, um português chamado instrumental e leituras que mesclavam auto-ajuda e ficção. O segundo salto foi minha entrada na faculdade de letras. Além de aprofundar bastante as leituras, aprendi a contextualização de um texto. Após a crítica e a teoria literárias comecei a perceber o lado bom de ter-se referenciais teóricos. No entanto, nunca ficar preso a eles. Aprendi que preciso duvidar dos livros, que é necessário fazer perguntas. Ler muito, e buscar referenciais é o que nos vai tornando pesquisadores. Assim é que vamos como que duvidando daquilo que nos dizem e as leituras vão sendo ampliadas. Nossas deficiências começam sobressair e vamos buscando saná-las. Torna-se um processo circular: lê-se, escreve-se, ratifica-se ou retifica-se as bases teóricas e se faz tudo novamente.
É por isso também que as leituras vão ficando mais seletivas. O processo de escolha delas vão passando pelo crivo da criticidade. Alguns textos, a meu ver, podem ser chamados tão-somente livros; outros, no entanto, de obras. Estas é que ficam. Elas nos fazem ranhuras e, sem notarmos, começa em nós um processo bem descrito pelo poeta-músico Gilberto Gil: “morrenasce, trigo, vive morre, pão”. Ou seja, a leitura nos alimenta. Torna-nos melhores.
i Lucas 15.8-10. Minhas leituras eram na terrível versão Almeida Revista e Corrigida. Anos mais tarde, chegou ao Brasil uma versão que me salvou, A Bíblia Viva: “...uma mulher tem 10 valiosas moedas de prata e perde uma...”. ufa!
ii Mateus 25, especialmente o verso 10.
22 setembro 2008
GRAVIDADE 2 - a foto

A cada dia ficamos mais ansiosos para termos nossa criança ao nosso redor.
Agora é fato. A Lu realmente está grávida; de uma única criança (quantos gêmeos nascem nesse mundo?). Ainda não sabemos o gênero, mas isso é o que menos importa.
Ele tem o tamanhão de 2 centímetros e tem feito um belo estrago lá por casa. A Lu anda enjoando tudo aquilo de que mais gostava até a gravidez. Tenho curtido tudo isso com a curiosidade de uma criança. Tudo é uma novidade, uma santa novidade.
Essa criança foi tremendamente esperada.
Que venha logo!!!
01 setembro 2008
GRAVIDADE – criança feliz
A janela abrirá devagarinho:
fará nevoeiro e tu nada verás...
Hás de tocar, a medo, a campanhia
e, silenciosa, a porta se abrirá.
Mário Quintana1
Nesta semana tive, até agora, a melhor notícia já recebeida.
Eu e a Lu, a mulher da minha vida, estamos grávidos. Ainda não fizemos os exames definitivos, por assim dizermos; porém, os realizados indicam aquilo que esperamos há um bom tempo. Um filho ou uma filha está a caminho.
A alegria é indizível. Faltam-me palavras para expressar um sentimento guardado por anos – alguns deles por opção. Quando desconfiamos desse momento, nos abraçamos e a emoção tomou conta. Além disso, ao longo da semana recebi muitos abraços e felicitações, outra novidade pra mim. Nenhuma pessoa me desejou sorte; ninguém disse “criar filhos é difícil”. Apenas sorrisos, apenas alegrias. A vida é maior e compensa qualquer eventual esforço.
Exatamente hoje, 01-09, a Lu completa 36 anos. Há presente melhor que receber um filho ou uma filha? Estamos muito felizes. Se tudo correr bem, em maio será a minha vez de ter como presente o nascimento da criança. Aniversários assim são presentes do maravilhoso e gracioso Deus.
Nossos sentimentos se misturam – o texto parece truncado, não sai da mesmice. Mas a felicidade tem disso: a gente ri, e os assuntos giram em torno da razão da felicidade. Por vezes ficamos apreensivos em como educar uma criança; noutros momentos pensamos que isso será o de menos. Como dar conta de tantos compromissos e ainda atender uma criança que depende da gente? Sei lá, sei apenas que desejamos muito tê-la.
Ficamos imaginando o rosto (com quem será parecida?), o cheirinho. Sentimo-nos – guardadas as devidas proporções – como se fôssemos deuses: estamos fazendo uma mistura de nós dois que resultará numa singularidade: ou no João Vitor ou na Maria Flor. A euforia toma conta.
De minha parte, quero escrever um texto mensal até o seu nascimento, compartilhando os acontecimentos dessa fase. Posso adiantar que também ando enjoando – eu que tanto ria de quem contava histórias parecidas. Também me parece ótimo notar a Lu com algumas sensações estranhas: achando horrível o cheiro do café e de alguns perfumes, entre outras.
Também é minha intenção ser um bom pai. Conversar muito com o filho ou filha. Não intento que a criança tenha medo de mim. Quero dar muitos abraços, muitos beijos, dizer a toda hora que a amo e que ela foi muito desejada.
Depois conto mais.
1 QUINTANA, Mário. Nariz de vidro. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2003.
18 agosto 2008
férias de julho - levi nauter
As férias de julho estavam boas. Retomei meu Calvino preferido: o literário, não o teológico. Para este é necessário um árduo trabalho de desconstrução do discurso e da ideologia apreendidos; para aquele, basta o ócio. O Ítalo me dá prazer; o João me deixa nervoso. Ambos têm peso ideológico e precisam de contexto. Mas só o literário propõe o espanto estético.
Ando enredado com ‘Se um viajante numa noite de inverno’. O que me atrai numa obra de arte é o espanto, é o fora do comum, a surpresa, o inesperado. Com Ítalo Calvino sou impelido a voltar páginas; ele vai como que me forçando a tornar-me leitor atento. O seu enredo muitas vezes me enreda. Por isso gosto desse cubano-italiano que conheci por outra figura: Umberto Eco.
O bom da literatura é não seguir a via comum das vitrines midiáticas. Do contrário, tornar-se-ia apenas moda e, com poucas exceções, passaríamos os olhos em vez de lermos. Essa leitura mais best-seller bate na tecla comum e pouco exige do leitor. A não-midiática propõe o silêncio, o despojamento da correria cotidiana e envereda para a contemplação, para as minúcias.
A literatura best-seller é como aquele motorista da cidade grande no semáforo fechado: parece que vai tirar o pai da forca – fica acelerando o carro e não titubeia em buzinar tão logo o sinal abre. Com motoristas assim fico nervoso, quero me livrar deles dando passagem ou, na pura demonstração de uma humanidade, trancá-lo a fim de ver o estrago.
A outra literatura, que me parece a mais profunda, tem a ver com o caminhar desleixado no qual cada passo é uma descoberta, uma tentativa despreocupada de se aproximar mais da realidade que vai sendo representada.
Bom, Calvino faz isso comigo. Leva-me a lugares interessantes, representa minhas mazelas e traz saídas com cara de divinas. Foi um prazer reencontrá-lo.
Vale a leitura.
12 junho 2008
LU
Não casei com a mulher melancia, nem com a moranguinho; tampouco com quaisquer dessas que andam por aí a procura de um ambiente a fim de se mostrarem assim por alguns trocados.
Casei com uma mulher maravilhosa. Humana, inteligente, discreta e que, mesmo em silêncio, me surpreende. Seu sorriso, sua voz, seus dedos. O corpo. As idéias, sua cosmovisão. Seu senso estético crivado de historicidade. Seu gosto musical. Aquilo para o que me faltam palavras. Tudo me encanta.
Outro dia, quando falava com ela por telefone, perguntei “que música tu estás ouvindo?”. Ela pôs o telefone perto do som e eu ouvi uma letra linda, quem tudo a ver com ela, de um CD que não nos cansamos de escutar. Leiam o trecho:
"Minha beleza não é efêmera
como o que eu vejo em bancas por aí
Minha natureza é mais que estampa
é um belo samba que ainda está por vir”
O som é lindo! Cantado com a bela voz da Céu, os instrumentos são um violão, uma caixa de fósforo e alguns efeitos de voz. Coisa de prima.
Lu, te amo!!!
CD "Céu", da cantora Céu. excelente pedida para esse dia 12. quatorze músicas muito bem tocadas, uma brasilidade à flor-da-pele