A mesa estava posta. Havia pãezinhos picados, ali estavam pequenos copinhos com um pouco de vinho tinto – porque muito já era pecado. Mesa bonita, com pés bem torneados, com uma toalha à altura. Sobravam pontas e numa delas a famosa inscrição: Jesus.
A platéia de fiéis toda atenta, toda silenciosa, toda arrepiada, toda cabisbaixa, toda reflexão, toda a cata de algum pecado. Umas cem pessoas. Todas pobres, pelo menos é o que parecia. Pareciam ser os próprios problemas: sem estudos, vivendo a comer migalhas dos mais abastados, ou da migalha do próprio salário. Ficam torcendo e dizendo que um dia chegarão lá, um dia não serão ricos, não querem, apenas viverão uma vida mais decente, mais tranqüila. Querem ter um carro, uma casa própria, um telefone fixo e outro móvel, um computador que pode até ser velho – será usado pros tema dos filhos. No domingo querem ir ao cinema, uma vez por mês, claro. Sonham passear n’algum brique com ar de quem pode. Epa! Não dá, é pecado. De repente tudo parou na cabeça de um fiel. Pensar tudo isso num templo só pode ser coisa do demo. Ora, onde já se viu, isso é jactância, diriam aqueles homens de preto, de cinza, de azul e um pobre, de marrom e azul-claro.
Os homens de preto, cinza, azul e o pobre de marrom e azul-claro são os que ficam no lugar alto cujo nome é apropriado, altar, alto estar. Os simples mortais cá embaixo, cabisbaixos. Eles, ao contrário, olham tudo de cima. Empunham seus livros de capa preta e marcham rumo a mesa posta. Em meio aos seus caminhares parecem irem para algum céu. Um céu onde as ruas são de ouro, muros de jaspe, casas de sei lá, não posso arriscar o que não sei. É pecado. Mas lá vão eles: um ajeita o terno, o outro põe o livro preto perto do lugar que de tão cheio a boca fala, um não faz nada e o pobre arruma a gravata de crochê. Parecem morar bem, não devem ter a água cortada, devem olhar os programas da televisão dominical depois do culto, devem ser cultos. Menos o pobre. Esse sofre, ninguém sabe seu nome nem perguntam. É novo convertido, ainda é tímido, não sabe andar como convém aos obreiros destemidos, àqueles que não são covardes na obra. . nos bastidores ele vai bem: entrega convites para as reuniões no templo, faz orações antes de botar qualquer bolo frito na boca. Tem futuro, embora não goste muito da filha.
Chegaram! Estão na volta da mesa posta. Dois deles ganham a bandeja do pão, os outros, do vinho. Juntos, um com o pão e o outro com o vinho entram num corredor do templo. Os fiéis servem-se. Os distribuidores obreiros sentem-se felizes. Cantam uma música de fundo enquanto os fiéis comem do pão e bebem do vinho. A ordem e a decência contribuem para o progresso deles. Ninguém reclama, todos esperam sua vez. Criança não come nem bebe, não sabe discernir pecado. Adulto sabe, os fiéis sabem, os obreiros mais ainda. Há dúvidas quanto ao pecado ou pecados? Perguntem a eles. Não pecam e quando isso acontece ninguém fica sabendo pois eles são ungidos, separados.
Eu estou na última fila, no final da igreja. Mal vejo a mesa posta. Mas sei que está porque sempre está. Ao meu lado uma puta mulher. Puta porque é puta mesmo. Pecou. Deu antes da hora. E em alguns lugares quem dá antes da hora sai de casa antes da hora. Ela saiu. Mas dizem que o mundo é pequeno. Talvez seja. Ali vem o pai dela com uma bandeja de pão. Vem me oferecer, ela tenta pegar dois pedaços, ele diz não. Eu tento saber por quê. Ela é pecadora. Não toma ceia quem sai de casa. Também não toma ceia quem quer dois pedaços, isso é gula. Gula é pecado.
Ela disse que estava com fome. Ele disse “isso é o preço...” . Ela pecou. Ele eu não sei.
02 abril 2005
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