13 maio 2007

OUTRA VEZ MINHA MÃE

13 maio 2007 1
Levi Nauter




Escrevo agora esta carta de tristeza, de saudade e de dor, mas não de desespero.
Paulo Freire






Minha mãe está outra vez na pauta da minha vida. E assim continuará, imagino, até a minha morte, quando espero reencontrá-la. Então, “nos olharemos, nos abraçaremos, falaremos de mil coisas desconexas, mas com sentido” (Freire, 2001, p. 291). Será um privilégio compartilhar para sempre nossas vivências.
Enquanto esse dia não chega vou vivendo nesse mundo com as belas lembranças que dela herdei. Sempre ouvi pessoas dizerem: “aproveite tua mãe, um dia ela não vai estar no mundo e você vai ver”. Agora tenho sentido isso na pele. É bem estranho ver comerciais de TV. Por dois motivos: primeiro, porque apenas mulheres bonitas, novinhas, sem rugas e, no entanto, com dois ou três filhos; segundo, porque vejo cenas que vivi e outras que poderia ter vivido. Mas, na verdade, o que mais sinto é saudade. Quando ouço a música-tema de um certo comercial (to louco pra te ver chegar/to louco pra te ter nas mãos) meus olhos ficam lacrimejantes. A saudade dói. Porém, a vida segue, ou deve seguir. As lembranças têm sido um ponto alto nesses meses.
O grande desafio é seguir em frente apesar das lutas e das perdas. Mais desafiador ainda é seguir de forma criativa. A criatividade parece não negar nosso passado, apenas torna-o alavanca, escada, para um novo momento, uma nova chance, uma nova leitura da vida. E ler mais de uma vez o mundo e a palavra vai-nos capacitando para, digamos, ganharmos mais corpo, mais força, a fim de (re)interpretarmos nossa vivência, tornando-nos aptos a reescrevê-la. Assim é que a criatividade ressuscita-nos torna-nos ativos, mais úteis aos que estão por perto. Esse tem sido meu esforço.
Fui criado num ambiente bastante religioso, numa teologia fundamentalista – aquela que proibia tudo, do tipo não podia-se: usar bermuda, usar barba, cabelo comprido, ouvir ‘música do mundo’ (entenda-se não cristã), olhar TV, entre outras diabólicas proibições; às mulheres, coitadas, a proibição estendia-se até que quase negassem o ser gente. Um evangelho desgraçado, sem nenhuma Graça. Deus era uma coisa, um estraga-prazer, afinal, eu precisava ser de um outro mundo. Achava Deus um ser injusto que me colocara num terrível lugar para, do céu, me controlar, ver se eu era forte e dava conta do recado. “Deus é um masoquista”, pensei muitas vezes, “gosta de ver gente sofrer”. Quão longe estava do Deus que hoje conheço.
Vi minha mãe em meio a muitas agruras. A vi chorar algumas vezes. Em inúmeros momentos ouvi a explosão de alguém sufocado pelo machismo, além do sufoco das contas a pagar. Palavrões e palavrinhas vinham à tona, tudo era, por um instante, verbalmente metralhado. Sem ter consciência, estava aprendendo com aquelas situações.

Quanto mais me volto sobre a infância distante, tanto mais descubro que tenho sempre algo a aprender dela. Dela e da adolescência difícil. É que não faço este retomo como quem se embala sentimentalmente numa saudade piegas ou como quem tenta apresentar a infância e a adolescência pouco fáceis como uma espécie de salvo-conduto revolucionário. Esta seria, de resto, uma pretensão ridícula. (Freire, 2003, p. 37)

Agora casado, mais maduro, estou notando duas influências importantíssimas que ela exerceu sobre mim e nem soube. E o bom de ela não ter sabido foi que o ensino/influência se deu naturalmente, com tranqüilidade, com paz, sem pressões porque foi vivência pura. Penso que às vezes a influência consciente pode ser maldosa, com intenções implícitas. Não foi esse o caso. Minha mãe nem teve instrução suficiente para tal percepção. O que ela teve foi, no dizer de Paulo Freire, “um saber de experiência feito”. A vida a ensinou.

Na nossa casa havia apenas um aparelho radiofônico que, inevitavelmente, era sintonizado em emissoras que apresentavam notícias ou transmitiam programas religiosos (predominantemente evangélicos). Os discos (na época LP’s) eram todos religiosos. Meu mundo girava em torno disso. Um dia, porém, numa santa data, minha mãe apareceu em casa com uma sacola cheia de gibis e uma televisão velha – presente fruto de uma faxina.
Quase apanhou. Teve de devolver ou doar a TV e consumir com os livrinhos. Estupefato, consegui salvar um exemplar. Quanto à televisão, nada pude fazer a não ser lamentar e continuar tenho que assistí-la nos vizinhos. Mas a leitura do gibi foi-me fascinante. Imagino que senti um pouco do que Paulo Freire sentia: “as palavras eram como se fossem pedaços de comida” (Freire, 2003, p. 40). Coloquei, com muito zelo, o gibi embaixo do meu colchão e fui dormir lembrando da frase que dava início à próxima cena: “cai a noite em patópolis”. Nota-se, creio, que a primeira influência tem a ver com livros e leitura; a segunda, com música.
A influência musical da mãe só foi percebida por mim agora, nesse ano. Num dia desses estava fazendo alguma coisa em casa, o rádio ligado, e, de repente “as praias do Brasil ensolarada.../eu te amo meu Brasil, eu te amo”[1]. Fiquei maravilhado e pensando: “só um minutinho, isso minha mãe cantava”. Alguns dias depois escutei “quanto riso/oh, quanta alegria/mais de mil palhaços no salão/olha quem está chorando pelo amor da Colombina no meio da multidão”. Que coisa linda! Minha mãe cantava Zé Keti[2]. Meses adiante, tentando encontrar um canal de televisão que valesse a pena assistir, passei por um que homenageava um cantor: “pare de tomar a pílula/pare de tomar a pílula...” – mais uma das que a mãe cantava. Odair José fazia parte da musicalidade de dona Ilse Nauter. E não faltaram os “nana nenéns”.
Comecei a entender por que, às vezes, preferia o pai fora de casa: era justamente o momento no qual eu sintonizava o rádio em uma emissora que tocasse uma música diferente. Era o instante em que eu poderia exercer ou dar vazão a minha curiosidade.

Talvez venha daquela fase, a da infância remota, o hábito que me acompanha até hoje, o de entregar-me, de vez em quando, a um profundo recolhimento em mim mesmo, quase como se estivesse isolado do resto, das pessoas e das coisas que me cercam. Recolhido em mim mesmo, gosto de pensar, de me encontrar no jogo aparente de perder-me. (Freire, 2003, p. 38)

Os livros têm sido importantes na minha vida. Os gibis, demonizados na minha infância, foram crescendo, expandindo e se contextualizando; da leitura simples, estou partindo para a mais profunda, mais complexa, com mais vagar e significação. Deus não é mais um estraga-prazer. Nunca foi, apenas não sabia disso. As leituras ensinaram-me a não separar o mundo espiritual do meu cotidiano, ou seja, pouco importa o que leio, em tudo há uma dimensão humana e espiritual. Sinto-me mais perto de Deus, algo impensável na minha infância. Hoje entendo, embora não concorde, com as proibições relativas à leitura. Ler tira-nos do lugar comum, torna-nos mais questionadores e, talvez, mais aptos para melhor nos expressarmos. A leitura deixa-nos incômodos. Pois, hoje, ler “Nas garras da graça”, de Max Lucado, levou-me até “Os irmãos Karamazov”, de Dostoievski: Deus. Quando li “Desventuras da vida cristã”, de Yancey e Stafford, fui para o mesmo lugar de “O processo”, de Kafka: a ingratidão e a misericórdia divina. E ao observar um cristão fundamentalista e/ou machista lembro de “Dom Casmurro”, do célebre Machado de Assis. Um evangelista ou um missionário, por sua vez, lembra-me de “Triste fim de Policarpo Quaresma”, do instigante Lima Barreto. E poderia continuar exemplificando.
Por outro lado, a música cristã e a não-cristã, ambas, sim, do mundo, têm sido cortina sonora para receber amigos, para embalar minha pequena produção, para esquentar o namoro com minha esposa, para meus protestos e momentos menos serenos. Compreendo as razões, embora com elas também não concorde, por que me proibiam de ouvir, entre outros, Legião Urbana, Titãs, Ira e, antes deles, Raul Seixas. Eles também inquietaram os calmos fiéis igrejeiros, questionaram o consumismo da fé. A música secular amplia horizontes. Todavia, hoje não tenho nenhum pudor em dizer que “prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Também entendo a brabeza de alguns com o título de um bom disco: Jesus não tem dentes no país dos banguelas (Titãs).
Descobri uma brasilidade na minha mãe, razão pela qual insisto que nossa religiosidade deveria ter mais a nossa cara. Somos um país rico em recursos e belezas naturais, temos uma miscigenação de seres humanos e, conseqüentemente, cultural. Não obstante, pouco aproveitamos desse peculiar potencial. Nossa religiosidade deveria valorizar mais o que é daqui e menos o que é de lá (do exterior). Precisaríamos mergulhar mais obra de um Guimarães Rosa para entender que quanto mais ele se embrenhava na brasilidade mais universal se tornava. E esse meu pensar começa com a semente que minha mãe plantou, ratifico, sem perceber.
O resultado da convivência com a mãe, entre muitas e muitas coisas, levou-me a ser um leitor compulsivo, bem como um apreciador da boa música. Não saio de casa sem algum exemplar para ler, nem fico um instante sem ouvir música. Aprendi a tocar bateria, violão e a cantar. Aliada a essas aprendizagens está a efetivação de minha autonomia, o que me permite ampliar ainda mais as leituras, as audições, além de confrontá-las com uma diversidade teórica existente. Está também a companhia de pessoas, inclusive pelo instrumento pós-moderno chamado internet. Meus horizontes alargaram-se. O véu que me separava de Deus já não separa mais. A implicação desse véu em mim tem sido traduzido por respeito às diferenças e no aproveitamento daquilo que é bom e inefasto. Posso dizer que vejo Deus no meu trabalho, na minha casa, pelas ruas, num bom bate-papo, num bom filme, numa boa música, num bom livro, num bom passeio, no lembrar e/ou imitar aquelas pessoas que sempre agiram para o bem de muitos e mantiveram a necessária coerência entre a prédica e a prática. Mas também vejo Deus naqueles que não têm vergonha de mudar de opinião, por terem o entendimento de que o mundo está em construção. Igualmente, Deus resplandece naqueles que humildemente reconhecem os próprios erros e, contudo, querem continuar na caminhada. Acredito sobremaneira num Deus que conhece as minhas falhas humanas, os meus desejos mais secretos ou não, nos meus anseios e medos. Creio num Deus que se fez humano para me entender, e isso faz toda a diferença durante as minhas preces. Num Deus-Pai que ultrapassa o meu entendimento e me dá infinitamente mais do que aquilo que peço ou penso.
Finalmente, para rebater o machismo, imagino que o Todo-poderoso deu-nos a mãe para que tivéssemos uma idéia do seu cuidado. Mas preveniu que “mesmo que uma mãe viesse do seu filho se esquecer, ainda assim não haveria de me esquecer de ti”. Acho que Leonardo Boff tem boas razões para ter tentado pintar, ao longo das páginas de sua obra, “O rosto materno de Deus”.


Se eu pudesse, diria à mãe que ando querendo cantar “pare de tomar a pílula” para minha querida Lu. Como não acredito em reencarnação, mas em ressurreição, talvez um dia eu possa concretizar o que posso ler em Freire (2001, p. 291/292):

Riremos juntos, relembrando tantas coisas. Tem de ter riso de criança, flores de muitas cores, um arco-íris bem bonito e passarinhos cantadores. Só depois deste momento necessário falaremos lentamente, mas nunca friamente, do que temos feito, do que estamos fazendo e do que pensamos fazer.

Enquanto isso, vou vivendo lembrando que “belezas são coisas acessas por dentro, tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento”. Viva Caetano! “Palma para todos os instrumentistas” (Paratodos, de Chico Buarque). E os livros? Leiamo-los ou “por odiarmo-los podemos simplesmente escrever um” (trecho de Livros, de Caetano Veloso).
A vida deve seguir, se possível com criatividade; “nem sempre ganhando, nem sempre perdendo” (Aprendendo a jogar, de Guilherme Arantes).

Vivam as mães!!!







NOTAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. Ana Maria Araújo Freire (org). São Paulo: Editora UNESP, 2001.

FREIRE, Paulo. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha práxis. Direção, organização e notas Ana Maria Araújo Freire. 2.ed.rev. São Paulo: Editora UNESP, 2003.

[1] Os incríveis. Leiamos um trecho: “as praias do brasil ensolarada/lalalala/elevou o amor que deus criou/lalalala/em terras brasileiras vou cantar amor/eu te amo meu brasil, eu te amo/meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil
[2] www.mpbnet.com.br/musicos/ze.keti/index.html

OUTRA VEZ MINHA MÃE

Levi Nauter




Escrevo agora esta carta de tristeza, de saudade e de dor, mas não de desespero.
Paulo Freire





Minha mãe está outra vez na pauta da minha vida. E assim continuará, imagino, até a minha morte, quando espero reencontrá-la. Então, “nos olharemos, nos abraçaremos, falaremos de mil coisas desconexas, mas com sentido” (Freire, 2001, p. 291). Será um privilégio compartilhar para sempre nossas vivências.
Enquanto esse dia não chega vou vivendo nesse mundo com as belas lembranças que dela herdei. Sempre ouvi pessoas dizerem: “aproveite tua mãe, um dia ela não vai estar no mundo e você vai ver”. Agora tenho sentido isso na pele. É bem estranho ver comerciais de TV. Por dois motivos: primeiro, porque apenas mulheres bonitas, novinhas, sem rugas e, no entanto, com dois ou três filhos; segundo, porque vejo cenas que vivi e outras que poderia ter vivido. Mas, na verdade, o que mais sinto é saudade. Quando ouço a música-tema de um certo comercial (to louco pra te ver chegar/to louco pra te ter nas mãos) meus olhos ficam lacrimejantes. A saudade dói. Porém, a vida segue, ou deve seguir. As lembranças têm sido um ponto alto nesses meses.
O grande desafio é seguir em frente apesar das lutas e das perdas. Mais desafiador ainda é seguir de forma criativa. A criatividade parece não negar nosso passado, apenas torna-o alavanca, escada, para um novo momento, uma nova chance, uma nova leitura da vida. E ler mais de uma vez o mundo e a palavra vai-nos capacitando para, digamos, ganharmos mais corpo, mais força, a fim de (re)interpretarmos nossa vivência, tornando-nos aptos a reescrevê-la. Assim é que a criatividade ressuscita-nos torna-nos ativos, mais úteis aos que estão por perto. Esse tem sido meu esforço.
Fui criado num ambiente bastante religioso, numa teologia fundamentalista – aquela que proibia tudo, do tipo não podia-se: usar bermuda, usar barba, cabelo comprido, ouvir ‘música do mundo’ (entenda-se não cristã), olhar TV, entre outras diabólicas proibições; às mulheres, coitadas, a proibição estendia-se até que quase negassem o ser gente. Um evangelho desgraçado, sem nenhuma Graça. Deus era uma coisa, um estraga-prazer, afinal, eu precisava ser de um outro mundo. Achava Deus um ser injusto que me colocara num terrível lugar para, do céu, me controlar, ver se eu era forte e dava conta do recado. “Deus é um masoquista”, pensei muitas vezes, “gosta de ver gente sofrer”. Quão longe estava do Deus que hoje conheço.
Vi minha mãe em meio a muitas agruras. A vi chorar algumas vezes. Em inúmeros momentos ouvi a explosão de alguém sufocado pelo machismo, além do sufoco das contas a pagar. Palavrões e palavrinhas vinham à tona, tudo era, por um instante, verbalmente metralhado. Sem ter consciência, estava aprendendo com aquelas situações.

Quanto mais me volto sobre a infância distante, tanto mais descubro que tenho sempre algo a aprender dela. Dela e da adolescência difícil. É que não faço este retomo como quem se embala sentimentalmente numa saudade piegas ou como quem tenta apresentar a infância e a adolescência pouco fáceis como uma espécie de salvo-conduto revolucionário. Esta seria, de resto, uma pretensão ridícula. (Freire, 2003, p. 37)

Agora casado, mais maduro, estou notando duas influências importantíssimas que ela exerceu sobre mim e nem soube. E o bom de ela não ter sabido foi que o ensino/influência se deu naturalmente, com tranqüilidade, com paz, sem pressões porque foi vivência pura. Penso que às vezes a influência consciente pode ser maldosa, com intenções implícitas. Não foi esse o caso. Minha mãe nem teve instrução suficiente para tal percepção. O que ela teve foi, no dizer de Paulo Freire, “um saber de experiência feito”. A vida a ensinou.

Na nossa casa havia apenas um aparelho radiofônico que, inevitavelmente, era sintonizado em emissoras que apresentavam notícias ou transmitiam programas religiosos (predominantemente evangélicos). Os discos (na época LP’s) eram todos religiosos. Meu mundo girava em torno disso. Um dia, porém, numa santa data, minha mãe apareceu em casa com uma sacola cheia de gibis e uma televisão velha – presente fruto de uma faxina.
Quase apanhou. Teve de devolver ou doar a TV e consumir com os livrinhos. Estupefato, consegui salvar um exemplar. Quanto à televisão, nada pude fazer a não ser lamentar e continuar tenho que assistí-la nos vizinhos. Mas a leitura do gibi foi-me fascinante. Imagino que senti um pouco do que Paulo Freire sentia: “as palavras eram como se fossem pedaços de comida” (Freire, 2003, p. 40). Coloquei, com muito zelo, o gibi embaixo do meu colchão e fui dormir lembrando da frase que dava início à próxima cena: “cai a noite em patópolis”. Nota-se, creio, que a primeira influência tem a ver com livros e leitura; a segunda, com música.
A influência musical da mãe só foi percebida por mim agora, nesse ano. Num dia desses estava fazendo alguma coisa em casa, o rádio ligado, e, de repente “as praias do Brasil ensolarada.../eu te amo meu Brasil, eu te amo”[1]. Fiquei maravilhado e pensando: “só um minutinho, isso minha mãe cantava”. Alguns dias depois escutei “quanto riso/oh, quanta alegria/mais de mil palhaços no salão/olha quem está chorando pelo amor da Colombina no meio da multidão”. Que coisa linda! Minha mãe cantava Zé Keti[2]. Meses adiante, tentando encontrar um canal de televisão que valesse a pena assistir, passei por um que homenageava um cantor: “pare de tomar a pílula/pare de tomar a pílula...” – mais uma das que a mãe cantava. Odair José fazia parte da musicalidade de dona Ilse Nauter. E não faltaram os “nana nenéns”.
Comecei a entender por que, às vezes, preferia o pai fora de casa: era justamente o momento no qual eu sintonizava o rádio em uma emissora que tocasse uma música diferente. Era o instante em que eu poderia exercer ou dar vazão a minha curiosidade.

Talvez venha daquela fase, a da infância remota, o hábito que me acompanha até hoje, o de entregar-me, de vez em quando, a um profundo recolhimento em mim mesmo, quase como se estivesse isolado do resto, das pessoas e das coisas que me cercam. Recolhido em mim mesmo, gosto de pensar, de me encontrar no jogo aparente de perder-me. (Freire, 2003, p. 38)

Os livros têm sido importantes na minha vida. Os gibis, demonizados na minha infância, foram crescendo, expandindo e se contextualizando; da leitura simples, estou partindo para a mais profunda, mais complexa, com mais vagar e significação. Deus não é mais um estraga-prazer. Nunca foi, apenas não sabia disso. As leituras ensinaram-me a não separar o mundo espiritual do meu cotidiano, ou seja, pouco importa o que leio, em tudo há uma dimensão humana e espiritual. Sinto-me mais perto de Deus, algo impensável na minha infância. Hoje entendo, embora não concorde, com as proibições relativas à leitura. Ler tira-nos do lugar comum, torna-nos mais questionadores e, talvez, mais aptos para melhor nos expressarmos. A leitura deixa-nos incômodos. Pois, hoje, ler “Nas garras da graça”, de Max Lucado, levou-me até “Os irmãos Karamazov”, de Dostoievski: Deus. Quando li “Desventuras da vida cristã”, de Yancey e Stafford, fui para o mesmo lugar de “O processo”, de Kafka: a ingratidão e a misericórdia divina. E ao observar um cristão fundamentalista e/ou machista lembro de “Dom Casmurro”, do célebre Machado de Assis. Um evangelista ou um missionário, por sua vez, lembra-me de “Triste fim de Policarpo Quaresma”, do instigante Lima Barreto. E poderia continuar exemplificando.
Por outro lado, a música cristã e a não-cristã, ambas, sim, do mundo, têm sido cortina sonora para receber amigos, para embalar minha pequena produção, para esquentar o namoro com minha esposa, para meus protestos e momentos menos serenos. Compreendo as razões, embora com elas também não concorde, por que me proibiam de ouvir, entre outros, Legião Urbana, Titãs, Ira e, antes deles, Raul Seixas. Eles também inquietaram os calmos fiéis igrejeiros, questionaram o consumismo da fé. A música secular amplia horizontes. Todavia, hoje não tenho nenhum pudor em dizer que “prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Também entendo a brabeza de alguns com o título de um bom disco: Jesus não tem dentes no país dos banguelas (Titãs).
Descobri uma brasilidade na minha mãe, razão pela qual insisto que nossa religiosidade deveria ter mais a nossa cara. Somos um país rico em recursos e belezas naturais, temos uma miscigenação de seres humanos e, conseqüentemente, cultural. Não obstante, pouco aproveitamos desse peculiar potencial. Nossa religiosidade deveria valorizar mais o que é daqui e menos o que é de lá (do exterior). Precisaríamos mergulhar mais obra de um Guimarães Rosa para entender que quanto mais ele se embrenhava na brasilidade mais universal se tornava. E esse meu pensar começa com a semente que minha mãe plantou, ratifico, sem perceber.
O resultado da convivência com a mãe, entre muitas e muitas coisas, levou-me a ser um leitor compulsivo, bem como um apreciador da boa música. Não saio de casa sem algum exemplar para ler, nem fico um instante sem ouvir música. Aprendi a tocar bateria, violão e a cantar. Aliada a essas aprendizagens está a efetivação de minha autonomia, o que me permite ampliar ainda mais as leituras, as audições, além de confrontá-las com uma diversidade teórica existente. Está também a companhia de pessoas, inclusive pelo instrumento pós-moderno chamado internet. Meus horizontes alargaram-se. O véu que me separava de Deus já não separa mais. A implicação desse véu em mim tem sido traduzido por respeito às diferenças e no aproveitamento daquilo que é bom e inefasto. Posso dizer que vejo Deus no meu trabalho, na minha casa, pelas ruas, num bom bate-papo, num bom filme, numa boa música, num bom livro, num bom passeio, no lembrar e/ou imitar aquelas pessoas que sempre agiram para o bem de muitos e mantiveram a necessária coerência entre a prédica e a prática. Mas também vejo Deus naqueles que não têm vergonha de mudar de opinião, por terem o entendimento de que o mundo está em construção. Igualmente, Deus resplandece naqueles que humildemente reconhecem os próprios erros e, contudo, querem continuar na caminhada. Acredito sobremaneira num Deus que conhece as minhas falhas humanas, os meus desejos mais secretos ou não, nos meus anseios e medos. Creio num Deus que se fez humano para me entender, e isso faz toda a diferença durante as minhas preces. Num Deus-Pai que ultrapassa o meu entendimento e me dá infinitamente mais do que aquilo que peço ou penso.
Finalmente, para rebater o machismo, imagino que o Todo-poderoso deu-nos a mãe para que tivéssemos uma idéia do seu cuidado. Mas preveniu que “mesmo que uma mãe viesse do seu filho se esquecer, ainda assim não haveria de me esquecer de ti”. Acho que Leonardo Boff tem boas razões para ter tentado pintar, ao longo das páginas de sua obra, “O rosto materno de Deus”.


Se eu pudesse, diria à mãe que ando querendo cantar “pare de tomar a pílula” para minha querida Lu. Como não acredito em reencarnação, mas em ressurreição, talvez um dia eu possa concretizar o que posso ler em Freire (2001, p. 291/292):

Riremos juntos, relembrando tantas coisas. Tem de ter riso de criança, flores de muitas cores, um arco-íris bem bonito e passarinhos cantadores. Só depois deste momento necessário falaremos lentamente, mas nunca friamente, do que temos feito, do que estamos fazendo e do que pensamos fazer.

Enquanto isso, vou vivendo lembrando que “belezas são coisas acessas por dentro, tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento”. Viva Caetano! “Palma para todos os instrumentistas” (Paratodos, de Chico Buarque). E os livros? Leiamo-los ou “por odiarmo-los podemos simplesmente escrever um” (trecho de Livros, de Caetano Veloso).
A vida deve seguir, se possível com criatividade; “nem sempre ganhando, nem sempre perdendo” (Aprendendo a jogar, de Guilherme Arantes).

Vivam as mães!!!







NOTAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. Ana Maria Araújo Freire (org). São Paulo: Editora UNESP, 2001.

FREIRE, Paulo. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha práxis. Direção, organização e notas Ana Maria Araújo Freire. 2.ed.rev. São Paulo: Editora UNESP, 2003.

[1] Os incríveis. Leiamos um trecho: “as praias do brasil ensolarada/lalalala/elevou o amor que deus criou/lalalala/em terras brasileiras vou cantar amor/eu te amo meu brasil, eu te amo/meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil
[2] www.mpbnet.com.br/musicos/ze.keti/index.html

18 abril 2007

A EDUCAÇÃO E OS SLOGANS

18 abril 2007 1
Levi Nauter
A educação no Brasil tem sido tratada com desleixo. Os índices das pesquisas não nos permitem mentir nem omitir. É elevado o número de alunos que evadem os estudos. Por outro lado, os que ainda estão nos bancos das salas de aula pouco entendem do que lêem e até do que escrevem; outros mal sabem a finalidade dos estudos. Quem não freqüenta a sala de aula é quase unânime em afirmar a irrelevância do ato de estudar, das funções da aprendizagem. Alguns, sem titubear, falam da chatice que muitas vezes impera no cotidiano escolar. Sobretudo, da dicotomia entre o que acontece dentro e fora da escola.
Ultimamente, a educação brasileira tem sido tratada como o futebol: cada um dá um pitaco. Se há uma dezena de treinadores profissionais, há, em contrpartida, milhões de pseudotreinadores. Utilizo o transporte coletivo para chegar ao meu local de trabalho. Muitas vezes mal consigo ler tal é a fúria ou a euforia em função de um time de futebol. Cada um tem um ponto de vista e considera o seu melhor que o do outro. A discussão fica acirrada. No entanto, esse papo todo, euforia ou frustração, não chega aonde deveria chegar, ou seja, quem, de fato, deveria ouvir simplesmente não ouve.
Pois, a educação nacional tem sido tratada assim. Alguém lê o livro do autor tal e pensa ter redescoberto a roda. Teorizam, teorizam e o alunado lá, trancafiado, decorando datas e discursos para alcançar a média e passar, progredir, avançar, andar, entre tantos outros verbos e palavreados - alguns fora do nosso contexto de país em desenvolvimento. Muitos ditos pensadores da educação não conhecem a dura realidade dos professores no dia-a-dia. Discursam, por exemplo, como se todas as escolas do país possuissem computador e acesso à internet. Mas isso não ocorre com todas. Muitos estão longe das salas de aula ou estão em instituições privadas cuja burocracia é completamente diferente da escola pública - objeto dessa reflexão.
Um outro problema, da escola pública, ratifique-se, é a partidarização ideológica. Claro que educar e, acima de tudo, estar vivo é um ato político, mas não político-partidário - embora dele faça parte. Quando a política-partidária sobressai atravanca o avanço do ensino dito de qualidade. Isso porque a política visa a perpetuação no/do poder, mesmo que implicitamente se negue. As decisões político-partidárias privilegiam ações que facilitem posteriores reeleições muito mais do que o contexto interno da sala de aula. A partidarização é boa para os que pensam ideologicamente conforme o partido que estiver no poder. Não me refiro à transparência quanto às opções políticas dos trabalhadores em educação, que é sempre válida. Mas há uma diferença entre dizermos da nossa opção e impô-la. A mesma partidarização burocratiza e torna morosa políticas coletivas (de outros partidos, p.e.) que não tenham a mesma característica político-partidária.
Nesse ínterim, temos duas realidades: a que acontece no interior das escolas e a que é representada pelas mantenedoras. Não é difícil, por exemplo, encontrarmos propagandas que alardeiam: "todas as escolas do município tal têm computador"; mas não fazem o mesmo eco para dizer que os mesmos estão estragados, sem conexão com a internet. O discurso é sempre no sentido de exaltar feitos que levem a, como já disse, perpetuação do poder. Raríssimas vezes o discurso visa efetivar a famigerada qualidade na educação, senão para subentender-se que ela existe. O discurso é a maior arma que se tem para perpetuar uma idéia - tanto o discurso oral como o escrito.
Quando assistimos pela TV ou ouvimos pelo rádio ou, ainda, quando escutamos de pessoas uma mesma linha de pensamento podemos dizer que a idéia expressa foi assimilada. O discurso convenceu. E a melhor maneira de fazer-se a apreensão do discurso é a exaustão da idéia que se quer perpetuar. Equivale dizer que quanto mais 'martelamos' em cima de um tema, mais ele vai como que criando corpo. Daí os slogans, as frases de efeito, o marketing por assim dizermos.
E os governos são muito criativos em criar frases. "Cidade tal, a cidade disso"; "Secretaria de Educação, educando para isso ou para aquilo", "Governo do Estado - um governo que ti-ti-ti, ti-ti-ti". E o cotidiano da sala de aula continua exatamente igual.
Por que isso acontece? Qual a forma de mudança?
Obviamente que não vou arriscar ser mais um desses palestrantes. Primeiro, porque se conselho fosse bom ninguém daria, faria como fazem os palestrantes: cobram, e bem caro, para compartilhar suas experiências. Segundo, porque não acredito em fórmulas. Portanto, dou-me o direito de simplesmente dizer que cada professor deveria ler mais, dialogar mais com os alunos, com os pais, com a vizinhança, além de repensar, a cada momento, sua práxis. Tornar a aula mais criativa independe de discursinhos bonitinhos e de slogans quaisquer. É uma tarefa nossa, professores, a partir de um mediação entre o nosso discurso e nossa prática; entre nossa cosmovisão e as esperanças futuras que temos, bem como aquilo que entendemos ser o melhor para mundo que nos cerca.
Minha opção tem sido ler curiosamente, refletir sobre meus atos, dialogar com o máximo de pessoas e não aceitar conselhos de gabinete. Também tenho aceitado o desafio de não misturar minhas opções político-partidárias com o meu trabalho cotidiano; apenas deixando-a clara, mas tentando respeitar as outras e, na medida do possível, valorizá-las como se minhas fossem.

09 março 2007

DIA DA MINHA MULHER

09 março 2007 1

Levi Nauter






Em plena comemoração pelo dia da mulher, resolvi escrever sobre a minha. Apesar do pronome possessivo, esclareço, de início, que não sou dono dela. Sou apenas esposo, marido, companheiro, amante ou coisa que o valha. Digo isso porque há quem se julga dono dos outros. Mais especificamente, há quem considera-se superior à mulher que tem. O detalhe é que isso não é dito de maneira clara. Poucos homens assumem seu machismo assim, declaradamente. Tudo fica nas entrelinhas, nos subentendidos. Em coisas como "eu trabalho, eu mando", ou "sou o chefe do lar". Mais disfarçado ainda é aquele que simplesmente não diz nada e deixa sua mulher fazendo todo o trabalho de casa, quando poderia ajudá-la, compartilhar com ela também os afazeres do, neste caso, pseudoninho do amor. Amor? Assim? Não. Isso não é amor. Que ao menos não haja vergonha de se chamar isso de sexo. Quem tem uma mulher e a ama faz sexo com amor; caso contrário , apenas sexo. A meu ver quem ama uma mulher não "faz amor", porque o amor não pode estar restrito a preliminares sexuais ou ao ato em si. Quem ama faz amor cotidianamente: ao beijar a esposa pela manhã, à noite, ao almoçar junto, ao ter prazer em estar perto dela, em querer ouvir sua voz, ao escutá-la. O amor, portanto, se vive. O "fazer amor" do senso comum é um saciar de uma necessidade humana por sexo. E amor vai além disso.


Pois, eu amo a minha mulher. Comemorar doze anos de casado, na semana da mulher, foi um privilégio ímpar. Salve LU!
Ela tem sido meu porto seguro. Sempre me surpreende com seu jeito, com suas atitudes, com seu carinho, seu falar. Com sua formação. Com ela, aprendo a viver mais, a sonhar, a correr na busca do sonho. É a minha leitora, também minha crítica. Juntos crescemos a cada dia - sem pressa para algumas coisas, com muita pressa para outras. Nossos olhares já se alfabetizaram e, com isso, nos falamos sem palavras. Seu colo é aconchegante. É maravilhoso.


Eu só consigo "voar" com meus pensamentos, ser meio fora da realidade porque tenho ela que me puxa ao chão. Com ela não me preocupo com o ativo e o passivo das nossas finanças. A Lu, estando por perto, me dá a segurança que preciso para fazer o que tem de ser feito e, talvez, arriscar um pouco mais. Um passeio não teria graça, nem charme, nem a garantia de um bom papo se ela não estivesse. Quando, por circunstâncias da vida e da nossa humanidade, não estamos bem, parece que o resto se acinzenta. Arma-se uma espécie de temporal que, graças a Deus, dificilmente acaba em graniso ou enchente. Um arco-íris aponta no horizonte.


Não tenho dúvidas: Deus está sendo generoso comigo! Deu-me um belo presente. Uma dádiva tê-la por perto. Um desafio agradável ter que cuidá-la. Sou um privilegiado por ter dois consoladores: o Espírito Santo e a esposa que amo. Estamos sonhando em fazer uma mistura divina, capaz de gerar uma mistura de nós dois - reflexos do divino: uma herança para a posteridade.





Lu eu te amo!!!





06 março 2007

VIOLÃO

06 março 2007 0
Levi Nauter
Hoje, à noite
Eu vi uma coisa estranha
Meio redonda, meio grande, meio pequena
Escura
Tinha um buraco no meio
Parecia uma bunda
Era um violão

24 fevereiro 2007

Descobri um outro eu

24 fevereiro 2007 0
Levi Nauter
Descobri um outro eu
Não sei se é id, se superego ou se ego
Ego não. Seria muito óbvio eu mesmo
Quem sabe, uma junção de mins

Foi na frente do espelho
Eu olhava, ele me olhava
Deixava-me com frio na barriga
Eu com roupa, ele sem
Não corava, tinha pose de valente
Era forte, másculo
Fazia-me chorar, rir e até correr

Lavei o rosto, tomei água
Perguntei seunome
E ouvi
Baixinho
Medo

11 fevereiro 2007

LEITURA SOBRE A AREIA

11 fevereiro 2007 0
Levi Nauter
Decidimos, eu e a Lu, passar um tempo na praia. Nesse ano teremos muita correria a fim de alcançarmos alguns sonhos. No décimo segundo ano de nossa convivência não é mais possível adiar desejos, por nada.
Para variar, enchi uma bolsa com livros – alguns há dois anos esperavam por esse dia. Filosofia, ficção e teologia estiveram perto de mim; estava na hora, não agüentava mais ter de ler por obrigação. Não esqueci do dicionário, um dos meus melhores amigos. Tampouco o caderno de anotações no qual registrei o que você está lendo agora – mais três textos saíram do descanso: (1) As duas igrejas, (2) O evangelho da guerra e (3) De crente pra crente, a serem postados no outro blog que possuo
[i].
Ler a palavra é, na maioria das vezes, um prazer. Renovo minhas forças, descubro novos mundos, novas idéias. Às vezes, porém, é dolorido porque tenho de admitir minhas muitas imperfeições, sou confrontado com conceitos que julgava tê-los apreendido, sou desafiado a mudar, a retomar e (re)alinhar minha prática com meu discurso. Ler é um misto de tesão e tensão. Ao final, acabo sempre aprendendo.
Ler o mundo, em contrapartida, não é fácil, provavelmente porque estou mais acostumado com a palavra escrita. Ocorre que ler o mundo antepõe-se a palavra e, então, as sensações ficam, digamos, à flor da pele: raiva, impaciência e um certo desequilíbrio. As conclusões, os lugares a se chegar não são tão definidos assim. Por isso, o mais freqüente é eu ficar com a reação brava. É exatamente o que estou sentindo agora.
Gosto de caminhar à beira-mar. Penso a respeito da vida, observo o movimento; o barulho das águas é como uma bela cortina musical. Mas tem uma coisa que odeio e tive que conviver: cachorro na praia. Talvez o animalzinho até mereça férias no litoral. Mas, em hipótese alguma, não na praia – junto às pessoas, ali quase nadando no mar. Mais triste é ter que agüentar o fedor de cachorro molhado, o bicho querendo cheirar a gente ou latindo como se quisesse falar aos outros companheiros: “ei, venham, vamos acabar com o descanso desse tio”. Tenham a santa paciência! Voltei pra casa e fui dormir na rede.
Aí outra cena. Em meio ao sono, um (pseudo)vizinho resolveu escutar música. Umas porcarias de música. Eu amo música, tenho muito material em casa e não me imagino sem – sobretudo a brasileira, a melhor de todas. Contudo, não obrigo meus vizinhos a ouvirem o que eu gosto. Adquiri maravilhosos CDs (Chico Buarque, Caetano e Jorge Mautner, Rita Ribeiro...) e poucos sabem; meus vizinhos nem sonham. Não foi o que aconteceu aqui.
Fui, por aproximadamente sessenta minutos, atormentado por Paulinho Mixaria – um contador de piadas gaúchas. Um horror! Levantei-me, tentei ver em qual casa o ‘artista’ tocava. Não descobri. Quando quase peguei no sono, foi a vez de um outro senhor, quase na frente da casa onde estávamos, ouvir suas predileções. Por quase duas horas tive que ouvir um tal Bonde do Forró. Nunca havia escutado o nome e o grupo. Posso garantir: é o fim da várzea! Nenhum dos artistas tinham profundidade no que diziam. Ao ouvir o Bonde, senti até vergonha de algumas letras completamente sexuadas. Lembro de uma que falava de um cara que iria tomar leite de côco com uma mulher cuja mulher ficava balançando o canudinho.
Como seria bom se as pessoas aprendessem a respeitar o espaço do outro. Os que quisessem ouvir música, que o fizessem nas suas casas com um volume adequado; os que quisessem cachorro, que ficassem com eles nas suas casas. Quem quer escrever o que bem entende, crie um blog.
Não tive escolha, ouvi um forró desgraçado até o fim. E, só por desaforo, depois escutei uma coisa dita mais culta. Leia:

Existirmos – a que será que se destina
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina

(Música CAJUÍNA, de Caetano Veloso)
Só podia ser Caetano. Aí dormi.
Que beleza!

[i] http://anotacoessobreumcristianismo.blogspot.com/ – um site com objetivo de criticizar a religião cristã-evangélica.

17 janeiro 2007

BRASILIDADE, a valorização da gentetude

17 janeiro 2007 0

Levi Nauter[1]



Mais uma vez, a importância da amizade. Louvada seja a amizade, essa incômoda sensação de carência que nos permite crescer e aprender cada vez mais. Pois, dessa vez[2], Ane de Mira fez-me uma pergunta instigante, daquelas cuja sensação é algo como “nunca tinha pensado nisso”. O que será brasilidade? E como responder de um jeito convincente?
Não tive dúvidas. Fui buscar autores com os quais me identifico, com aqueles que despertam mim o prazer de ler. Mas também lembrei de um autor que tem sido para mim uma espécie de bengala, Paulo Coimbra Guedes. Ele escreve de um jeito muito particular e tem uma frase genial: “a formalidade do texto impessoal não dá conta da importância do ato de ler, nem da importância de coisa nenhuma” (GUEDES, 2004: 15). Com ele tenho aprendido a escrever um texto menos formal e mais dialógico. Em conseqüência, Paulo Freire, o maior educador e um dos grandes cristãos brasileiros, entrou em cena. Ele é o autor do indispensável livro A importância do ato de ler. Na verdade o livro é a conferência proferida por Freire no Congresso Brasileiro de Leitura, em 1981. Na obra, há um prelúdio de como se dava o processo de escrita do autor. Ele falava sempre do seu entorno, isto é, daquilo que o envolvia no processo de fazer o que tinha a ser feito. Num momento do texto lemos que “a compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto”. O texto, portanto, deve ser um reflexo do que o autor está vivendo. Mais adiante, lemos: “me vejo então na casa mediana em que nasci (...) eu me experimentava em riscos menores que me preparavam para riscos e aventuras maiores”. E assim prossegue dizendo o que quer ou o que pensa ser necessário dizer fazendo sempre uma espécie de círculo entre o novo e o velho. O novo significando a teoria que o autor quer desenvolver e o velho sendo o contexto histórico no qual, direta ou indiretamente, a teoria foi desenvolvida. Equivale dizer que o novo só pode nascer da base em que estamos, nasce bruscamente, sujo e, posteriormente, vai sendo lapidado, polido, limpo. Antes da caracterização da brasilidade, pelo que disse até aqui, o texto e o contexto são fundamentais. Mas o texto menos formal, o que pouco se adapta a regras e opta por ser livre e, assim, dizer.
Voltando à brasilidade: podemos dar um nome desses a algo feito no Brasil? Como caracterizar didaticamente essa proposta teórica?
A primeira defesa que pode ser feita à brasilidade é a naturalidade, ou seja, se nasceu ou tem a ver única e exclusivamente com o Brasil o nome justifica a origem. Portanto, brasilidade tem ligação íntima com a história do Brasil e não somente a história do vencedor, aquela que, geralmente, está nos livros didáticos, mas, essencialmente, com a que não aparece nos livros, a intimamente ligada a, digamos, nossa raiz, nossa cultura popular. Aqui,então, a importância da contextualidade. Notemos, de soslaio, que brasilidade é também denúncia. Não é possível, por exemplo, combater a pasteurização da cultura sem antes denunciá-la, mostrá-la, desvendá-la para, enfim, apresentar outras possibilidades. E isso só é possível na medida em que estamos mais mergulhados nos valores históricos que temos do que com a valorização daquilo que nos dizem ser nossos valores. E qual a pista para isso? É, primeiro, não seguir a mídia da massa e, segundo, desconfiar de tudo que se lê ou se passa a saber.
Paulo Freire dizia que deveríamos passar do estágio de ingenuidade para o de rigorosidade (FREIRE, 2001: 233). Isso implica a atenta leitura[3] do que nos chega. Na ingenuidade, quando lemos um livro, por exemplo, ficamos satisfeitos com o que descobrimos; fechamos a obra, guardamos na estante ou devolvemos ao seu dono e nos sentimos como que deslumbrados. Na rigorosidade é diferente, somos desconfiados, não acreditamos em tudo o que lemos ou ouvimos. Começam a surgir perguntas do tipo como assim?, por quê?, quando?, onde?, para quê ou para quem? E assim por diante. O resultado desse rigor todo atinge-nos de tal forma que não mais nos contentaremos com apenas um livro, apenas uma visão de mundo, apenas um jeito de contar as coisas. Não, definitivamente não. Vamos questionar na política, por exemplo, por que se diz que há esquerda? Então, descobriremos que é, no mínimo, porque existe a direita - e todos os questionamentos acima retornarão, como num círculo.
Mas, como mudamos de um estágio para outro?
O filósofo, psicanalista e professor Rubem Alves dá uma resposta bem interessante. Ele troca ingenuidade por ignorância e afirma que "o desejo mais a ignorância conduzem a uma "excursão", uma exploração sem direção certa..." (ALVES, 2004: 93). Notemos, portanto, que o desejo é a mola que nos empurra e nos faz sair de um estágio para outro. Podemos, por associação, chamar o desejo de curiosidade.
Como vimos, é possível chamarmos de brasilidade aquilo que tem raiz nos eventos brasileiros, eventos de cunho histórico-popular, que, em geral, não têm cobertura da mídia (e o pouco que têm é graças a mídia controlada pelo Estado). A brasilidade, nesse ínterim, é um trabalho de pesquisa, de 'garimpo', tendo em vista não estar à disposição nos grandes centros do país. Vamos encontrá-la arraigada nas pessoas mais idosas, em livros não tão novos (possivelmente à disposição em bibliotecas públicas). Vamos observar nas cantigas de roda ou em eventos populares como Semana Farroupilha, Festa do Boi, Carnaval, Maracatu, entre outros. Em termos de escola, o garimpo pode ser interdisciplinar, isto é, a história, a geografia, as artes, as ciências, a educação física, as linguagens e as literaturas - entre outras - têm a contribuir significativamente para essa noção que, a princípio, pode soar narcísica. E isso só não se confirma se pensarmos na universalidade defendida por Morin[4]. O narcisismo está, nessa concepção, em não universalizar o regional, quer dizer, é preciso evidenciar elementos universais nas culturas locais.
Podemos continuar respondendo ao terceiro parágrafo deste texto. O primeiro questionamento foi exposto. A caracterização didática merece antes algumas observações. Comecemos por dizer que ao optarmos pelo termo proposta teórica deixamos claro que ela não está consolidada. Uma teoria consolidada deve ser entendida como aquela que já possui trabalhos de pesquisa defendidos academicamente, nas universidades. Outra possibilidade é que tudo o que estamos registrando neste texto já tenha sido feito por outra pessoa e sob outra nomenclatura, cultura popular, cultura regional, por exemplo. Essa espécie de disputa por nome sempre existirá, é humano, é das gentes. Isso, contudo, não desvaloriza este trabalho. Ao contrário, este soma-se aos demais e deve, de alguma forma, ser o mais divulgado possível. A ciência só tem sentido se for compartilhada. O mais recomendável seria, além dessa proposta teórica, anexar trabalhos desenvolvidos a partir dessa reflexão. Seria como que "fechar com chave de ouro".
A partir de agora, podemos começar mais efetivamente nossa caracterização da brasilidade. Para isso, temos de fazer um recorte no que vamos analisar devido a abrangência da chamada cultura. É preciso cuidado, ou a freireana rigorosidade, ao definirmos o que é cultura. Há uma complexidade nesse termo, em linhas gerais, significando o modus vivendi e faciendi de um povo. Isso abrange a culinária, a indumentária, as crenças, os conceitos ou discursos de um determinado grupo e, entre outras abrangências, a arte - talvez a maior expressão ou pelo menos a que mais se propaga. Neste sentido, parece plenamente justificado uma reflexão sobre a brasilidade a partir da arte. Ocorre que esta também possui vastidão: literatura, música, artes visuais, artes plásticas, cinema, teatro, teledramaturgia etc. Vamos nos restringir à literatura e à música. Cabe ressaltar o vasto material disponível nessas duas expressões culturais; o Brasil é um celeiro de compositores, de intérpretes, bem como de autores de muita qualidade literária. Contemporaneamente, ainda temos a saudável discussão quanto a proximidade entre a poesia e a canção, portanto, entre a palavra escrita e a palavra cantada. Equivale dizermos que vamos afunilar ainda mais nossa reflexão sobre o tema proposto. Assim, para a literatura vamos ficar com um bom representante do popular: Ariano Suassuna; no campo musical optamos por Dorival Caymmi. Em nenhum deles pretendemos (e mesmo que quiséssemos não conseguiríamos) esgotar as análises possíveis. Este texto ficaria por demais extenso e nosso intuito é tão somente provocar posteriores trabalhos e incentivar a pesquisa/reflexão teórica. Entendemos que a a reflexão teórica é um princípio ativo nas nossas decisões. Sigamos.
Na literatura de Suassuna está um mergulho nas tradições primárias de nossa cultura. O autor lança mão da nossa miscigenação e cria um cenário típico daqui, do Brasil, mas também com nuances universais. Em O auto da compadecida, sua obra mais conhecida provavelmente por causa do cinema/televisão, vemos um deus negro. É não negar nossa raiz africana; nosso país mantinha escravos até bem pouco tempo (se é que acabou) e negar isso seria servir não as nossas origens (que é misturada mesmo), seria negar, seria não querer ver que isso ocorreu e/ou ainda ocorre. É tocar no preconceito étnico. É questionar o branqueamento de Deus, afinal, quem sabe dizer, sem errar, qual a cor de Deus? E quem garante que Ele não é negro?
Ao observarmos as tramóias que a igreja faz na obra, podemos também notar que pouco mudou ainda hoje. Mais que isso, o autor - indiretamente - está discordando do que é feito. As falcatruas para continuar vivendo e não morrer e as mesmas para saciar desejos sexuais ou para ganhar alguns trocados estão registradas pelo narrador na obra. E estão não necessariamente para fins morais, estão porque o autor observou que de alguma maneira isso está entranhado na nossa cultura, no nosso modo de viver que, vulgarmente, denominamos de jeitinho brasileiro. É possível que o autor esteja questionando esse jeitinho. De qualquer forma, o mais importante é não ter na história um cenário, digamos, para inglês ver. Tem a realidade, a crueza da pobreza, os enganos e os engodos da vida cotidiana de todos nós. Não é como nas novelas que tudo acaba bem. Aliás, outra característica da brasilidade: o final nem sempre é feliz. Porque a vida é assim, dificilmente tudo acontece como se quer.
As personagens possuem nomes comuns, vida comum. Dá-nos a sensação de que poderia estar acontecendo conosco o que estamos lendo. A literatura mais popular[5] nos causa espanto, nojo, medo, compaixão, tristeza, alegria, riso, contentamento e, sobretudo, dela não nos esquecemos tão fácil. Por quê? Simplesmente porque tem a ver conosco. Tem a ver com o nosso dia-a-dia, embora o cenário seja o nordeste, o norte e, eventualmente, outro país. O que importa é o retrato de um Brasil que não está na grande mídia. Suassuna chama isso de "Brasil real".
No campo musical, mais especificamente na composição, Caymmi é um dos brasileiros que mais louvam, por assim dizermos, a terra. Sendo seu contexto o mar e seu lugar a Bahia, há um louvor às coisas do mar, do pescador, dos familiares. Fala de festas, de amores correspondidos e não correspondidos. Fala da vida.
Em O bem do mar, ele fala que o pescador tem dois amores : um bem na terra, um bem no mar. E o conteúdo trata das qualidades da mulher amante/esposa, daquela que tem sentimentos. O bem do mar é um elogio à natureza, ao mesmo tempo em que traz à tona elementos sagrados da cultura afro-brasileira - mais presente em Morena do mar[6]. Em Peguei um ita no norte podemos observar uma contação de história, no sentido de que o autor diz como saiu do norte para morar no Rio de Janeiro. Lembra dos conselhos da mãe (o respeito aos mais idosos, indiretamente) e a composição não deixa de ser uma ode a alguns lugares do país e, talvez, um bom mote para se trabalhar as regiões brasileiras. Para encerrar nossos pequenos exemplos, vale citar uma bela canção na qual os sentimentos, as angústias são cantadas. O autor conta que queria dizer tantas coisas a uma mulher e, de tão ansioso, esqueceu tudo. Vale a pena lermos:
Eu cheguei lá
Mas me esqueci
Do que ia dizer, do que ia falar...
Maria Amélia, eu passei toda noite
Sonhando
Maria Amélia, eu passei toda a noite
Pensando
Lindas palavras
Que eu preparei pra lhe dizer
Mas me esqueci, mas me esqueci[7]
Tanto em Suassuna como em Caymmi encontramos um mergulho na brasilidade (porque fala de temas tipicamente nossos, do nosso país), mas com nuances universais (a religiosidade, a paixão etc). Qualquer um desses autores poderiam ser cantados em qualquer lugar do mundo devido suas características universais. Contudo, estão mergulhados na cultura brasileira, na brasilidade, no Brasil real.
Cabe salientar que o termo em análise não significa, em nenhuma hipótese, estagnação. Em se tratando de cultura há dinamismo, há evolução e, por conseqüência, o risco da mercantilização cultural - que é quando se pasteuriza algo simplesmente ao sabor do mercado financeiro. Um exemplo atual disso é o calypso. Este é um ritmo latino. A pasteurização é um grupo utilizar-se tanto do nome quanto do ritmo com o fim de vender, vender e vender. Lembremos que Tom Jobim, em Só danço samba, já dizia: "me cansei do calypso ao tcha, tcha, tchá". Mais cansados deveríamos estar por ouvirmos letras que pouco dizem da nossa história e dão mais ênfase a dores de cotovelo a cantar a vida como ela é (portanto, não apenas dor de cotovelo). Felizmente a história tem mostrado que grupos dessa estirpe têm pouca duração.
Brasilidade é a valorização da gentetude, do ser gente, desse processo de estar vivo, ganhando, perdendo. É a valorização de uma boa conversa com amigos ou não amigos; no nosso caso, um bom chimarrão, rapadura; um bom almoço (campeiro, de preferência). O respeito ao saber dos mais velhos, porque eles têm o que Paulo Freire chama de "saber de experiência feito", ou seja, um saber que não dependeu de teoria nenhuma, mas, sim, da prática, da lida, da "mão na massa". Por outro lado, é a denúncia de que na novela o pobre ocupa os piores lugares possíveis; que nos Big Brothers da vida não tem pessoas com o biotipo brasileiro (não tem pobre, só o que comprou a revistinha sonhando em ficar rico).
Brasilidade é mostrar que pessoas continuam sendo enganadas pelas igrejas, pagando promessas e enriquecendo outros. É dizer que o preconceito contra a mulher, contra os negros continua, mesmo veladamente, e que tem de acabar. É conhecer a nossa história; saber que ninguém nos descobriu, mas nos acharam; é ler e saber sobre nossos antepassados. Saber que roubaram e continuam roubando nossas riquezas. Brasilidade é saber que, querendo ou não, somos políticos por natureza e que a diferença está em ganhar dinheiro com isso (política-partidária) ou sobreviver com isso (políticas do dia-a-dia - jogo de interesses). É reconhecer nossos direitos e nossos deveres e lutar por eles. É reconhecer que não somos perfeitos, que erramos a todo instante e que a vida vale a pena sempre. Brasilidade é notar que violência gera violência. É exigir que sejamos tratados como seres humanos, com respeito, serenidade. É saber que não somos donos da verdade e que respeitar não significa concordar.
Brasilidade é optar mais pelas coisas daqui do que as que vem norte, de países ditos desenvolvidos. Em contrapartida, não é negar que de lá possa vir coisas boas. É, sobretudo, saber que tanto lá quanto cá pode haver qualidade, porque ninguém é melhor do que ninguém. Também, já dizia Freire, ninguém ensina ninguém, o que fazemos é compartilhar saberes. Por isso, a aprendizagem é mútua, todos aprendem juntos. Mas isso só acontece se cada um de nós tiver o direito sagrado de dizer o que pensa e, claro, assumir as conseqüências do que disser.
Brasilidade é, por fim, saber quem somos, onde nascemos, nosso contexto, para onde queremos ir, a quem, para quem e para quê servimos. É ir conquistando a autonomia sem esquecer do diálogo com o outro. Brasilidade é estar vivo no amplo sentido da palavra.
















CONSULTAS E SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS

GUEDES, Paulo Coimbra. Da redação escolar ao texto... 3.ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.
FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. Ana Maria Araújo Freire (org). São Paulo: Editora UNESP, 2001.
ALVES, Rubem. Aprendiz de mim: um bairro que virou escola. Campinas: Papirus, 2004.
DOSSE, François. A história à prova do tempo: da história em migalhas ao resgate do sentido. São Paulo: UNESP, 2001.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Unicamp, 1994.
DUARTE JUNIOR, João-Francisco. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. 2.ed. Curitiba: Criar Edições, 2003.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro:a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. O texto e a construção dos sentidos. 7.ed. São Paulo: Contexto, 2003.



NOTAS
[1] Licenciado em Letras e servidor público na área da educação em Gravataí/RS.
[2] “Dessa vez” porque outra pessoa já me instigou com outra pergunta: que tipo de igreja procuras? Isso deu noutro texto, onde (ou aonde) está a igreja que busco?. Mas esse é um outro assunto.
[3] Leitura no sentido freireano do termo,ou seja, primeiro lemos o mundo a nossa volta para depois lermos a palavra. Essa é a razão de não podermos descartar toda a bagagem cultural que o aluno traz consigo ao chegar na escola.
[4] Em Os sete saberes necessários à educação do futuro, Edgar Morin propõe que se pense de forma macro e micro - não exatamente nessa mesma ordem.
[5] Que não deve ser confundida com o populismo, com o best-seller. Chamamos de best-seller aquela obra de ficção preocupada em fazer sucesso. Esta constantemente está recheada de mesmice; lendo-se um livro basta porque os demais são como que cópias. A literatura para fazer sucesso reduz os temas, os assuntos a uma espécie de "chove e não molha". Quando dizemos literatura popular estamos nos referindo àquela que tem a raiz nas coisas populares, que fala dos problemas reais da vida.
[6]Oh! Morena do mar (...) para te enfeitar/ eu trouxe as conchinhas do mar/... ai as pratas e os ouros de Yemanjá.
[7]Essa e as demais letras referidas podem ser encontradas no maravilhoso CD Para Caymmi, de Nana, Dori e Danilo - homenagem dos filhos para o patriarca Dorival no ano em que ele completou 90 anos. É imperdível assistir ao DVD. Muito bom! Esse trabalho foi ganhador do Grammy Latino 2004 como melhor álbum de samba.

07 janeiro 2007

outro BLOG

07 janeiro 2007 0
Levi Nauter



Com o objetivo de tratar mais especificamente a respeito do cristianismo, optei por criar um outro blog que denominei ANOTAÇÕES SOBRE UM CRISTIANISMO. A intenção é, pra variar, polemizar. Que graça uma novidade pra nada de novo?
Preciso de leitores, divulguem-me, pelo amor de Deus (já que é sobre o divino)!
Participem criticando, sugestionando, enviando outros textos etc.
Até,
Levi Nauter.

04 janeiro 2007

o que é boa literatura

04 janeiro 2007 0
"Boa literatura deve dizer as coisas mais terríveis."
Paulo Bentancur
escritor brasileiro

31 dezembro 2006

Riso e Graça

31 dezembro 2006 0
Levi Nauter
A vida sem o riso não tem graça

FIM DE ANO [e a vida]

Levi Nauter
“O mundo é dos vivos
O mundo é dos bancos
E os bancos dos mendigos”
Nei Lisboa


Sobre o que escrever no último texto do ano? Ao longo da semana fiquei matutando. Não queria dizer o mais óbvio, embora este texto pouco tenha de original. Imaginei que quem lesse o texto já teria recebido um “boas festas” ou “feliz ano novo”. Ademais, gosto da reflexão, do texto que diz e não apenas informa. Minha preocupação não está no texto gramaticalmente impecável, estes, na maioria das vezes, estão abarrotados de outros tipos de pecados – aqueles escondidos atrás das palavras. Tampouco gosto do pedantismo comum a alguns textos que recebo para ler. Aprecio o sarcasmo, a extroversão e as dualidades (vida/morte, alegria/tristeza etc.) – quem bem faz uso da dualidade tem tudo para produzir um bom texto.
Mas, e daí? O que escrever?

“...esse mundo é feito de maldade e ilusão (...)
Ponha-se no meu lugar.”
Dorival Caymmi

No sábado, dia 30 de dezembro, encontrei a resposta.
Fazia um bom tempo, não visitávamos Porto Alegre. Na verdade fomos obrigados a pagar uma conta a fim de continuarmos com o nome ‘limpo’na praça. Eu e a Lu decidimos almoçar. Ali estava a resposta.
Mal entramos na praça de alimentação e fomos atacados pelos garçons-vendedores. Eram homens e mulheres, jovens, que simplesmente não davam trégua a nenhum vivente ‘comedor’ em potencial. Era uma enxurrada de placas anunciando promoções, na sua maioria a diferença entre uma e outra era de, no máximo, dois reais. “Queremos essa, do bife à parmegiana, mais dois refris”. Fomos a uma mesa e enquanto esperávamos nosso pedido começamos observar ao redor. Descobrimos que todos os pontos de venda pertenciam, provavelmente, ao mesmo dono ou os garçons-vendedores casualmente eram os mesmos ou, ainda, eram gêmeos. Não tinha lado, eles atacavam todos. Se o cliente queria um chopp, pegava-se de um lugar; se o camarada queria água tônica, pegavam de outro lugar.
Veio o almoço. Os talheres eram horríveis, os meus eram cor de creme; os da Lu, de madeira. Um palito de dente pra cada um, um minúsculo pacotinho de sal, apenas um guardanapo de papel para o cliente. Pouco importa se utilizaríamos mais. Em meio a nossa refeição, observamos que uma senhora, bem-apessoada, ficava como quem em prontidão, sua tarefa era limpar a mesa para aguardar o próximo cliente. Ela parecia nervosa de tanto que cuidava da limpeza; tudo com rapidez. Ali não tínhamos dúvidas: tempo era dinheiro. A Lu almoça rápido, eu demoro mais; deixei um restinho de bife com um pedaço da única folha de alface que recebi, queria comê-los devagar enquanto ia conversando com a amada. Doce ilusão, alguns segundos depois aquela senhora chegou e tascou: “servidos”? “Não”, respondi com muita raiva. Ficamos estupefatos. Somos uma cifra, somos mais um nesse capitalismo desgraçado.
Como um filme, comecei a relembrar uma série de outras histórias vi ou passei.

“Primeiro se aprende as regras
Depois se aprende a mentir
Se cuidem dos “calavera”
Que eles andam por aí.”
Pirisca Grecco

Uma vez comprei um carro. O vendedor disse “veja, ele ta inteiro”. Tempos depois descobri que o veículo fora batido, bem batido. Aliás, vocês notaram que atualmente não temos como saber, ao olhar, se um carro é daqui ou de outro estado? Quase a totalidade dos picaretas colocam propaganda exatamente no número da placa, depois, então, descobrimos que o carro pode ser de alguma praia do nordeste.
Pagamos nossos impostos e pagamos mais algumas coisas por fora. Vejamos, por exemplo, a saúde. Tiram do nosso salário uma contribuição para o INSS e, no entanto, muitos de nós pagamos um plano de saúde particular. Contribuímos com os impostos por termos um carro; apesar disso, pagamos pedágio. Comprei uma antena parabólica, tive de pagar um técnico para instalá-la. Quando qualquer produto ou bem adquirido estraga pagamos o preço, seja indo e vindo da assistência técnica seja pagando honorários aos advogados (cuja função é ter mais instrução que nós a fim de pedir o que queremos e não sabemos como fazê-lo). Sem falar nos governantes, os (pseudo) representantes do povo.
Após um longo período quieto num canto, disse pra Lu que a sensação, às vezes, é a de que todo mundo quer ‘tirar uma casquinha’da gente. Que absurdo.
E 2007?
Eu espero continuar brigando com quem quer simplesmente aproveitar as situações do dia-a-dia para tirar proveito próprio. Estou farto disso. Também não pretendo ajudar quem tem mais a dar do que receber. Darei oferta aos que realmente carecerem e não aos que amedrontam-nos mostrando um mapa do inferno ou as maldições por eu ser “canguinha” ou, ainda, aos que intimam colocando no meu colo um santinho, um incenso, uma caneta ou algo assim. Chega.
Nem só de brigas vivemos. Há os sonhos. Muitos sonhos.
“Seremos sempre assim, sempre que precisar
Seremos sempre quem teve coragem
De errar pelo caminho e de encnotrar saída
No céu, no labirinto que é pensar a vida”
Nei Lisboa


Ouvir muita música, namorar bastante, ler muito, escrever tanto quanto possível, conversar com as pessoas. Tentar ouvir mais e falar menos. Ouvir o vento, as folhas correndo no chão, os pássaros, todos os tipos de ruído.
Não pensem, pelo que leram, que estou de mal com a vida. Ao contrário, amo estar vivo e quero durar muitos e muitos anos – sem reencarnar. Dois mil e seis foi um ano de muitas conquistas. Ocorre que estou com preguiça de contá-las. Quero praticar o chamado ócio criativo, arduamente defendido, entre outros, por Domenico De Masi.

24 dezembro 2006

Daqui a pouco fará um ano que jantei pela última vez com minha mãe

24 dezembro 2006 4
Levi Nauter



Daqui a pouco fará um ano que jantei pela última vez com minha mãe.
Não sei exatamente onde ela está, ninguém veio me dizer e não consigo crer que ela viria para esse mundo. Tampouco acredito em reencarnação. Mas isso não impede que dela eu tenha saudade. Também não é empecilho para que, ao ter de dizer seu nome numa ficha para aprovação de crédito, por exemplo, meu coração se aperte.

Casado que estou, há onze anos, penso muito em ter filhos. Considero que a Lu é a pessoa ideal para me dar esse presente. Fico imaginando os bons momentos que irei passar com ela e nosso filho (ou filha) ainda no período de gestação. Ao nascer, possivelmente seja uma criança linda – muito mais em função da Lu do que de mim. Mas isso pouco importa, nossa preocupação maior é com a saúde. Toda mãe essencialmente se preocupa com a saúde de seu filho. De minha parte, fico pensando em como brincar sem machucar a criança; em ‘será que colocaria algum apelido?’.
Minha mãe pôs em mim. Sei lá por quê. Era pibí (isso mesmo, pi – bí). A única explicação que encontro tem a ver com o início das minhas tentativas de fala. Provavelmente, ao tentar dizer meu nome, dizia pibí. E ficou. Até ela morrer fui chamado de pibí. Muitas vezes tenho saudade daquela voz ‘velha’, quase rouca, me abraçando e, ao pé do ouvido, dizendo “o pibí da mãe”.

Às vésperas do Natal 2006, em pleno domingo, parece que de algum lugar ouço essa mesma voz. E ela me faz chorar, querer abraçá-la e dizer coisas que por ‘n’ motivos deixei escapar a oportunidade. Gostaria de poder mandar uma carta pra ela desejando boas festas. Mas não há endereço. O único lugar possível é o endereço do qual ela nunca mais fará o que sempre fazia: ia até o portão para acenar com um tchau. Muitas vezes, vendo-a morrer a cada dia, seu aceno cortava meu coração. Muitas vezes entrei no carro chorando, com a Lu ao meu lado, querendo ficar mais um pouco com ela, assim parecia que a morte ficaria mais longe.

Contudo, há um ano atrás estávamos alegres. Eu, meus dois irmãos, minhas duas irmãs, minha mulher (a Lu) e minha cunhada (a Ane). Meu pai, que não tenho a mínima idéia de onde estava, parece ter optado não fazer parte daquele momento. Participamos de uma simples e linda ceia de natal. Como foi confortante ver minha mãe comendo, ceiando. Nos últimos meses antes disso pouco a vi alimentar-se. Naquele dia, talvez, tenhamos sido uma força para mais um pouco de vida e para mais uma porção de alimento. A sobremesa, sorvete, teve um grande significado pra mim: na minha infância poucas vezes pude prová-lo. Estava muito bom. A mãe que teve diabetes comia que dava gosto.

Daqui a pouco não sei qual será minha reação diante do chester, da bebida, e, ironicamente, do sorvete. Por ora, quero lembra da sua garra. Garra que a fez trabalhar duramente enquanto teve saúde; que a fez sonhar enquanto pode; que a fazia ser artista; que nos fez gente; que nos tornou ferrenhos briguentos, inconformados com as injustiças com os discursos sem práticas. Garra que nos fez gente.

Cá estou tentando seguir seu legado. Sonhando, tentando fazer arte, encontrando forças para brigar, tentando tanto quanto possível ser justo, praticar o que digo. Enfim, tentando ser gente.
Cheio de saudade de ti, mãe!
Todos nós temos saudades de ti.
E, se é possível, boas festas!!!

16 dezembro 2006

NÓS, OS BOBOS DA REPÚBLICA

16 dezembro 2006 0
Levi Nauter



Perdoem-me os canhotos (ou esquerdistas) de plantão, principalmente aqueles que, a meu ver, pouco pesam das contradições visíveis da própria esquerda. Mas é imperdoável o que temos visto na política partidária brasileira. Simplesmente lamentável. Líderes políticos, no afã do poder, fazem promessas espúrias, indignantes, àqueles que deveriam pensar muito mais em nós. Porém, ao contrário, são tratativas a fim de aumentar salários, de ter regalias e mais regalias.
É quase impossível entendermos como pode-se dar aumento para quem já ganha muito e o mínimo para quem já recebe o mínimo. Às vezes, temos a sensação de que o dinheiro de alguns sai de um outro lugar que não dos cofres públicos, ou seja, a gente paga pra essa gente. Pagamos impostos (e ai de nós se assim não fizermos), cumprimos com nossos deveres. Mas não conseguimos ver isso dos nossos (pseudo)representantes. Trabalhamos no mínimo oito horas diárias e se faltarmos ao trabalho, falta; se houver excesso, rua. E eles? Ganham aumento. Sinto muito, mas eles não fazem nada de relevante para nós que ganhamos pouco. Eles não são nossos representantes, podem representar qualquer coisa menos nós.
Não é de indignar?
Quando peço perdão à esquerda é porque acreditei nela por um longo período e estou decepcionado. Tão decepcionado que preferiria que a direita tivesse ganhado as eleições. Não agüento mais receber, na minha caixa de e-mails, mensagens querendo que eu faça parte na defesa desta ou daquela figura de nome dito respeitável e que participa do governo. Chega! Paciência tem limite! Podemos ter cara de bobos e, até certo ponto, temos sido os bobos da república. Agora, continuar sendo pode ser uma opção de alguns; mas, definitivamente, não será a minha.
Não defendo nenhum partido político. E os político-partidários terão em mim sempre "um pé atrás". Afinal, parece até piada ouvirmos de alguns: "não tenho nada, não possuo patrimônio". Que lindo eles, não? Amáveis. Vivem de altos salários e não têm sequer um patrimônio? Conte a piada para outro ou me contrate, porque, mesmo ganhando pouco, tenho patrimônio.
Pois que fiquem com suas amabilidades bem longe de mim. Que se encerrem nos seus gabinetes e não apareçam. A vida real, fora dos gabinetes, está andando. Nós, os bobos da república, infelizmente temos de pagar algumas contas desse pessoal. Contudo, também queremos ter o direito de não enxergá-los por um tempo. Quanto mais fazemos amizades com eles, mais temos de pagar suas contas. É um absurdo. Pior que isso só vendo um comunista encabeçando o aumento. Como deve ser fácil pregar um comunismo às avessas, ser comunista rico não é ruim - até eu seria.
A esquerda precisa ser repensada. Por enquanto, ela está fajuta e faz a mea-culpa com programas assistenciais. Outra característica, que não escapa a nenhum partido, é o alardeamento de belas frases. Quanto mais perto do poder, mais frases de efeito. "A cidade disso", "A cidade daquilo", "Brasil, um país disso ou daquilo". Na prática, porém, tudo fica igual: o de cima sobe e o debaixo desce. Infelizmente, por fim, os debaixo ainda não sabem do poder que têm. São como os cavalos que puxam a carroça, qual cavalo tem consciência da força que possui?






[escrevi este texto com uma indignação tal que me nego acorrigir qualquer conteúdo gramatical]

14 dezembro 2006

UMA NOVA IGREJA

14 dezembro 2006 0
Levi Nauter





Não acredito em alma gêmea, considero que há coisas melhores para se crer. Porém sou partidário das afinidades. Concordo com Maffesoli que defende a era das tribos. Vivemos numa época das grandes massas. Quase tudo é feito para atingir números, publicitário tem sido um bom mercado, além do designer. Eles têm de vender, não podem pensar de forma mais humana, ou melhor, podem, desde que seja em casa, na cama – dormindo ou não necessariamente.
É comum entrarmos numa CDteca e encontrarmos um local específico com o epíteto “os mais vendidos”. Com a neurose da norte-americanização: “the best”. Nessa mesma esteira chegou-nos o fast-food. Outro dia entrei no McDonald, coisa extremamente rara porque só faço isso a fim de pagar menos estacionamento num estabelecimento comercial de Canoas. Estava com minha esposa conversando quando, de repente, fiquei pasmo: ‘estão matando a criança’! Era uma mãe desnaturada dando um desses Mc alguma coisa para um bebê. Quando vou a algum centro de compras e preciso me alimentar, fico um pouco impressionado com a maneira pela qual somos tratados: ou (1) como consumidor ao qual deve-se vender tudo, ou (2) como ladrão cercado por “seguranças”. Talvez isso explique meu gosto quase extremado por estar em casa. Pois, continuando com a história das vendas, ao entrarmos numa livraria (evangélica ou não) também não escapamos dos the best isso ou aquilo, nem dos fast-foods livrescos sob a pseudoégide “mais de tantos milhões vendidos lá”. Em suma, somos mais um número no mix de compradores das lojas.
Não vou, não quero e nem conseguiria mudar essa situação. Quero é fazer um elogio às afinidades. Em meio a esse mundo de correrias, de falta de tempo (ou da desculpa), de compromissos insanos, entre outros, é muito bom encontrar pessoas que param para refletir, para rir, chorar, ouvir música, ler, escrever, divagar sobre a vida e sobre a espiritualidade. Param para falar da humanidade rodeada de divindade.
Tive esse privilégio nesta semana. Encontrei uma família maravilhosa (se eles lerem saberão que é sobre eles que estou falando). Disse para a Lu, em casa, e pra eles, já na casa deles: “estou chegando à minha nova igreja”. Sorrimos, nos abraçamos. Estávamos alegres, a conversa fluía. A paisagem da redondeza era linda: à frente, uma construção antiga; num lado, a Catedral Metropolitana, o Palácio Piratini; do outro lado, um pedacinho do Guaíba. Dentro da casa, dois casais conversando, compartilhando sobre a vida e suas dificuldades, sobre o Dono da Vida e seu jeito estranho e, ao mesmo tempo, amoroso de falar. Em alguns momentos todas as atenções se voltavam para uma lindíssima menina de dez meses que parecia querer chamar nossa atenção ao som dos Tribalistas. Nas nossas divagações passaram por Heidegger, Kierkegaard, Gouveia, Calvino, a Santa Bíblia. Tudo intercalado por um bom chimarrão, por algumas risadas, por música gaúcha. Falamos de assuntos pesados que só um leve momento pode trazer à tona. Não estávamos presos a nenhuma regra, não havia nenhuma formalidade, tampouco a teologia era chata. Era um diálogo profundo sem ser pedante. Não precisávamos mascarar o que não sabíamos, apenas deixávamos claro com um sonoro “não sei disso” ou “não entendi”.
Pelo menos por enquanto, essa será minha nova igreja, a verdadeira igreja-corpo, aquela que não precisa de CNPJ. Aquela que respeita as individualidades de cada um, não tenta mudar ninguém; apenas deixa claro o que pensa com a possibilidade, inclusive, de estar errada e notar apenas mais adiante, no decorrer da caminhada. Nessa igreja Deus não está gessado. Pode falar através de uma música qualquer, de um filme, de uma poesia, de uma ironia, de um riso, de uma lágrima, do silêncio e, por incrível que pareça, de uma lazanha. Sim, quando vi o anfitrião gourmet fiquei pensando que tenho de aprender a cozinhar – e isso também pode ser Deus falando, por que não?
Precioso momento. Preciosas amizades. Precioso Deus.
Só podia ser obra dEle.

26 novembro 2006

Excerto Baleiro

26 novembro 2006 0
composição do ótimo Zeca Baleiro. A música chama-se Piercing
(...) o inferno é escuro não tem água encanada
não tem porta não tem muro
não tem porteiro na entrada
e o céu será divino confortável condomínio
com anjos cantando hosanas nas alturas
onde tudo é nobre e tudo tem nome
onde os cães só latem
pra enxotar a fome
todo mundo quer quer
quer subir na vida (...)

NEOPENTECOSTALISMO - PÓS-MODERNO

Levi Nauter



Para Mim
Venha, venha
ao grande culto, à grande concentração
de fé, de fezes
venha, venha
tomar a benção, "tomar" bem são
eu determino; eu, de ter, mino
venha, venha
pare de sofrer, de só ver
venha tomar posse, tomar passe
venha se salvar, se sujar
Pra Você
você vem ter vitória
eu, a glória
você vem ter a "bem são"
eu, o bem bom
você é salvo
eu, também
você dá dinheiro
eu digo amém
você leva e traz
eu digo: paz!

15 novembro 2006

Pensamento Veloso

15 novembro 2006 0
Belezas são coisas acesas por dentro
tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento


Caetano Veloso

FATO LITERÁRIO. E AS IGREJAS?

Levi Nauter




No final de semana que passou, os interessados em livros e em seu entorno devem ter ficado felizes com o resultado do Fato Literário. Este é um prêmio criado pela Rede Brasil Sul de Comunicação, a conhecida RBS, com patrocínio do Banrisul. Consiste basicamente em premiar, com R$ 50.000,00 (R$ 40 mil do júri oficial e R$ 10 mil do júri popular), eventos de relevância sócio-cultural no estado. As chamadas são colocadas nos veículos de comunicação do Grupo RBS aproximadamente um mês antes do início da Feira do Livro e já teve três edições.
Neste ano, os finalistas eram o professor e tradutor Dr. Lawrence Flores Pereira, da UFSM; o professor e escritor Dr. Luís Augusto Fischer, da UFRGS; o Programa de Leitura Adote um Escritor, de Porto Alegre e a Associação Amigos do Livro, de Taquara. Pois os Amigos do Livro foram os grandes vencedores, ganharam nas categorias júri popular e júri oficial. Foi muito legal e emocionante assistir ao discurso do Sr. Roberto Carlos Sampaio Guedes, responsável pela idéia. Um simples pintor de paredes desbancou os professores e doutores das letras. Parece um paradoxo, dois professores cuja área de atuação são as letras, ambos têm obras escritas e, ainda assim, também aparentemente, um senhor sem nenhum domínio sobre as teorias que circundam as palavras, suas origens, conseqüências, entre tantas bifurcações possíveis, consegue ter um projeto relevante a uma comunidade.
Esse é um fato. Merecidamente ganhou o prêmio. Merecidamente chorou e discursou duas vezes. Uma fala que nos fazia chorar. Um dizer que nos empurrava contra parede e parecia questionar: e vocês que têm um nível superior, o que estão fazendo?
Fiquei pensando, enquanto ouvia-o: o que realmente estamos fazendo, nós que, por vezes, nos consideramos mais intelectualizados? Em que lugar e fazendo o que e para quem e/ou contra quem podemos ser úteis? Como podemos ser relevantes a uma comunidade de maneira a beneficiá-la de fato?
Minha insistência em pensar sobre a igreja-instituição veio à tona: como a atuação da igreja tem sido; realmente significativa? Se assim é, por que há um grande número de pessoas paradas (e não desviadas, como se costuma chamá-los)? Por que não há bibliotecas nas igrejas? Por que não se incentiva a leitura na igreja, uma leitura extra-bíblica? Por que, em geral, os projetos das igrejas são do tipo 'campanha do agasalho' e não de incentivo a criticidade? Por que nos congressos, conferencias e preleções não há espaço para diálogo? Será o medo da crítica? O desejo de não perder poder? A vontade de ter domínio sobre as pessoas?
São perguntas para pensarmos, não necessariamente para respondê-las. Algumas são doloridas, outras parecem sair daquilo consideramos comum num templo, ou seja, uma ordem. Sonho com uma igreja-instituição que possua uma biblioteca farta, uma igreja que invista em obras teológicas, em poesia, em romances, em contos, em ensaios, em entrevistas. Que não possua apenas os livros de Franck Peretti, Rick Warren, Max Lucado; mas também do joãozinho que gosta de escrever versos, da irmã fulana que adora pinturas, entre tantos outros talentos que existem nos templos.
Conversei, há um bom tempo, com um tio que não via há mais de vinte anos. Ele começou a tocar acordeon no dia em que o visitei. Fandango, chamamé e milongas. Bem interessante! Não resisti e perguntei: "o senhor não cansa de tocar assim e ainda ter de fazer o mesmo no culto?". Sua resposta deixou-me com muita raiva: "não toco na igreja, lá as músicas são diferentes, parecem não ter alegria e é proibido tocar em ritmo gaúcho. Então, prefiro tocar bastante aqui. Parece que esqueço do mundo". Foi triste ouvir isso de alguém com um bom potencial para ser mais útil do que estava sendo. A igreja não deveria dicotomizar o mundo. Claro que não somos deste mundo, mas o sentido do texto não é o isolamento, a inércia. Enquanto estamos no mundo, penso, temos de torná-lo melhor para se viver. Não é possível um lugar que não alivie o fardo nem torne o jugo mais suave - não estou defendendo um mar de rosas à Universal do Reino de Deus ou á Igreja Internacional da Graça de Deus, estas fazem um mundo cor de rosas para seus líderes que, mesmo sendo donos de redes de comunicação, continuam pedindo, descaradamente, dinheiro aos seus pobres e muitas vezes acríticos membros. Também não defendo o alívio do fardo e a suavidade do jugo com base na distorção teológica que, dentre outras formas, se manifesta nos pseudolouvores com músicas que só cantam vitória ou convidam para o "festerê", ou, ainda, alienam com letras que, como diria Tom Jobim, "fala tanto e não diz nada". Do jeito que as coisas estão, os membros têm pouca relevância na sociedade, suas opiniões pouco importam para a tomada de decisão dos políticos, por exemplo. Quando decidem criar grupos ideológicos (no sentido de defenderem um determinado ponto de vista, de uma idéia) mais brigam entre si do que compartilham. As posições sócio-políticas dos evangélicos está mais para "venha a nós o nosso reino" do que para a coletividade. E o afã pelo poder não difere em nada do dito mundo, caracterizado pela hierarquia de "manda quem pode, obedece quem precisa".
Lastimável é saber que poucos líderes se importam com isso. Em geral ficam na subjetividade do ganhar almas, ouvir a voz de Deus, meditar, se apaixonar, entronizar e outros "ar". De maneira prática, nada; a não ser, claro, um conjunto de pode ou não pode. O que a igreja-instituição mais sabe fazer é julgar e listar um conjunto de regras aos fiéis. Sabe criar seus próprios desviados e consegue "sair por cima" com frases do tipo "Deus reprime a quem ama" ou "se for de Deus prosperará".
O ganhador do prêmio Fato Literário demonstra-nos que não precisamos ser cultos para ser relevantes. Também não precisamos ser filiados a nenhuma instituição para ganharmos o prêmio máximo. Demonstra, por fim, que, uma vez laureados, devemos continuar fazendo humildemente a diferença.

FEIRA DO LIVRO, DINHEIRO E CRENÇA

Levi Nauter




Estive nos labirintos da 52ª Feira do Livro de Porto Alegre. Para quem gosta de ler não tem coisa melhor. É possível se perder em meio a tantos livros, de boa e de má qualidade, e pessoas de todas as tribos - inclusive as exóticas, com roupas extravagantes que, com isso, por vezes parecem desviar a atenção dos livros.
Concordo com Caetano Veloso quando ele afirma que "os livros são objetos transcendentes" e ainda acrescenta que "podemos amá-los do amor táctil". Exatamente esse é o amor mais utilizado durante a feira, pegamos, alisamos, folheamos e, discretamente, até cheiramos algumas obras que nos fascinam. Particularmente, fiquei curioso com A cura de Schopenhauer, de Irvin D. Yalom; deslumbrei-me com O idiota, de Dostoiévski (que capa da Editora 34!); observei um bom número de pessoas que adquiriram Política, de Aristóteles. Nesse ínterim, outros ficaram um tanto decepcionados tal como eu.
Fui decidido a comprar um livro de Michel Maffesoli. Cuidadosamente procurei o expositor e não titubiei:
– Quero saber o que tens de Maffesoli!
– Bastante coisa – respondeu-me um simpático vendedor que tratou de trazer pelo menos umas cinco obras, além de me informar a respeito de outras, publicadas por diferentes editoras.
Senti-me como um rei. Olhei todos os sumários na busca das temáticas interessantes. Não esqueci de observar o acabamento de cada obra; saber quem traduziu, qual a edição. Feitas as preliminares, comecei procurar os preços. Que decepção! Tive que deixar de lado o grande sociólogo francês e começar uma batalha mental: deixando ele, levo qual? Será que o fulano encontro em bibliotecas públicas? A sensação é triste, mas não voltei sem nada. Feliz estava com Eduardo Galeano, Paulo Freire, Arthur Rimbaud, Mário Sergio Cortella e William Shakespeare. Tenho boas companhias pelos próximos seis meses, no mínimo.
Contudo, refleti outras questões que considero importantes. Admito que tive de fazer opções entre comprar um bom livro por R$ 50,00 e um não menos bom por 30 ou 15. Isso foi possível para mim, porém, nem todas as pessoas conseguem isso, obviamente que não estou subestimando a capacidade delas, considerando-as incapazes de fazer a mesma contabilidade. Ocorre que gastei em torno de oitenta reais e fui pra casa com seis obras de peso. Infelizmente essa não é a realidade da maioria. Há pessoas que acham exagero gastar com livros, entendem existir coisas mais importantes para se fazer (e não podemos ignorar a possibilidade de compra de leite, por exemplo – mas essa pode ser outra discussão). Agora, vamos combinar, o livro poderia ser mais barato! Mais que isso, deveríamos ter bibliotecas públicas com qualidade, isto é, com os últimos lançamentos à disposição dos leitores e/ou associados. Costumo freqüentar duas bibliotecas públicas, ambas têm lançamentos recentes, desde que você esteja à procura de material (pseudo)psicografado. Desculpe-me os adeptos, mas é o fim... É mais fácil encontrarmos Ninguém é de ninguém do que Cuca Fundida ou Ecce homo. Faça um teste!
Como não poderia passar em branco, fui dar uma passadinha nos expositores de livros confessionais, mais especificamente os evangélicos. Encontrei a Sinodal (luterana) e a Luz e Vida (interdenominacional com predominância evangélico-pentecostal). Na primeira encontrei maravilhas - o excelente e denso, Paul Tillich, além de, entre outros, Dietrich Bonhoeffer. Na segunda, 'salvava-se' o Philip Yancey. No mais, uma auto-ajuda gospel. O mais triste de tudo é que pouca gente estava procurando obras cristãs-evangélicas, o que ratifica profundamente o que muitos já sabem: a grande massa cristã lê muito pouco, quase nada, se não nada. Algumas lideranças possivelmente consideram isso uma boa idéia. Cristão sem leitura é acrítico, com pouco argumento e, na maioria das vezes, é silenciado. E como diria o grande educador Paulo Freire: "os silenciados não mudam o mundo". Não escutei absolutamente nenhum programa evangélico que sugerisse aos fiéis um passeio pela Feira do Livro.Oremos para que haja duas mudanças: (1) que os preços baixem e (2) que tenhamos mais leitores cristãos (de obras cristãs e não cristãs), especialmente os evangélicos que, com tristeza tenho de admitir, pouco têm servido à sociedade. Em geral, há um assistencialismo e não um contraponto tocando nas questões profundas que transcendem um templo. Os poucos que se arriscam, têm uma linguagem (o “evangeliquêz”) recheada de frases feitas do tipo “não somos desse mundo”. Assim, fogem da responsabilidade como cristãos e cidadãos. A mudança pode começar pela leitura. Que tal? E se tivéssemos pequenas bibliotecas nos templos? E lugares para leituras? Façamos alguma coisa para termos mais leitores cristãos, porém, de uma literatura relevante, que saia do comum, que sacuda, questiona o vivente. Possivelmente será uma tarefa árdua convencer líderes evangélico-pentescostais, bem como livrarias com essa, digamos, tendência a colocarem obras que saiam do lugar comum. Nossa esperança de renovação de dia em dia, a tal novidade de vida, deve perpassar pelo solitário e prazeroso momento de exercício de parte da intelectualidade cristã: a leitura. Afinal, o que impossível para nós é possível para Deus.

02 novembro 2006

Saudade...

02 novembro 2006 0

Dorival Caymmi

...
Ai, se eu escutasse o que mamãe dizia:
“Bem, não vá deixar a sua mãe aflita
A gente faz o que o coração dita
Mas esse mundo é feito de maldade e ilusão”
Ai, se eu escutasse hoje eu não sofria

 
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