Levi Nauter
Há um ano tomei a decisão de não mais freqüentar uma igreja-instituição, formalizada, com suas regras bem ou parcialmente definidas. Tem sido uma experiência interessante, curiosa, triste e alegre. Interessante porque é uma experiência nova (sobre a qual estou escrevendo mais pausadamente - em breve vou disponibilizar por e-mails e, talvez, pelo blog[1]), instigante e até excitante saber-se querido e amado por Deus. Obviamente que continuo respeitando quem opta pela formalidade, a metodologia científica está aí - todos os trabalhos têm uma certa aparência parecida - e todos conseguem se informar e/ou formar, em que pesem as regras. Contudo, prefiro, ao menos por ora, dar-me o luxo de passar ao largo de tais requisitos eclesiais.
Acredito que o amor, a graça e a transcendência de Deus são, estranhamente, mais palpáveis fora dos templos, fora de um ciclo, muitas vezes vicioso, de irmandade cujos discursos bem podemos decorar e não apreender ("paz do Senhor", "irmão", "tudo bem?", entre outros). Muitas cotidianidades, antes com aparente pouca relevância, passam pela re-cordação (voltam ao coração) e são ressignificadas. A palavra igreja é uma delas. Tal como o amor, que propicia bifurcações de sentido, igreja passa paulatinamente a ser entendida como instiuição (todas as formalidades e hierarquias possíveis), de um lado, e como corpo (lugar da humanidade, da gentetude, portanto, da possibilidade do erro, do perdão...), de outro lado. Esse entendimento parece-me de fundamental importância para entendermos que há um lugar no qual podemos ser humanos, passíveis de erros (sobretudo a certeza de que não seremos menosprezados) e, também, para exercermos nossa possível e necessária intelectualidade. Ao mesmo tempo, um lugar de convívio que não abre mão da criticidade, do respeito, da esperança, da racionalidade, da sensibilidade.
Ocorre que essa visão não interessa aos autoritários/fundamentalistas líderes evangélicos, especialmente advindos de igrejas pentecostais, neopentecostais e afins. Interessa, sim, a dominação, a inquestionabilidade, o amém. Com tristeza, penso que há mais opressão do que libertação na "casa do pai". O evangelho genuíno, a meu ver, tem de (e não que) ser, obrigatoriamente, libertador.
Como esse é um assunto longo e quero discutí-lo com mais vagar noutro texto, vou para os finalmente: o meu espanto.
Ocorre que, após a decisão de me desinstitucionalizar, recebi (e ainda continuo) vários mails cujo conteúdo execra minha opção. Alguns disseram que me tornei humanista, que só penso racionalmente. Os mais ousados não titubearam: "você vai pro inferno", "precisas rever teus conceitos bíblicos", "a submissão a um líder é mandamento bíblico, se não cumpre isso és um rebelde". Ainda outros, mais amenos, restringiram-se a comentar que tenho posições radicais para algumas coisas e frouxas para outras.
Para meu próprio alívio e raiva de outros "irmãos", continuo pensando como cantou nosso Raul Seixas: "prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo". Melhor que isso, encontrei uma poesia do instigante teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer na qual encerra tudo o que penso sobre essas questões quase irrelevantes. Leiamos:
Quem sou eu?
Quem sou eu?
Seguidamente me dizem
Que saio da minha cela
Tão sereno, alegre e firme
Qual dono de um castelo.
Quem sou eu?
Seguidamente me dizem
Que da maneira como falo
Aos guardas, tão livremente,
Como amigo e com clareza,
Parece que esteja mandando.
Quem sou eu?
Também me dizem
Que suporto os dias do infortúnio
Impassível, sorridente e com orgulho
Como alguém que se acostumou a vencer.
Sou mesmo o que os outros dizem de mim?
Ou apenas sou o que sei de mim mesmo?
Inquieto, saudoso e doente,
Como um passarinho na gaiola,
Sempre lutando por ar, como se me sufocassem,
Faminto de cores, de flores, de pássaros,
Sedento de palavras boas, de proximidade humana...
Que sou eu?
Este ou aquele?
Sou hoje este e amanhã um outro?
Sou porventura tudo ao mesmo tempo?
Quem sou eu?
A própria pergunta nesta solidão
De mim parece pretender zombar.
Quem quer, porém, que eu seja,
Tu me conheces, ó meu Deus:
SOU TEU.
Só para lembrar, Bonhoeffer foi torturado e morto no campo de concentração durante o nazismo. Atualmente há outros torturadores por aí. Paradoxalmente fazendo tremular a bandeira do cristianismo. Ah, se Cristo descesse com o relho...
Acredito que o amor, a graça e a transcendência de Deus são, estranhamente, mais palpáveis fora dos templos, fora de um ciclo, muitas vezes vicioso, de irmandade cujos discursos bem podemos decorar e não apreender ("paz do Senhor", "irmão", "tudo bem?", entre outros). Muitas cotidianidades, antes com aparente pouca relevância, passam pela re-cordação (voltam ao coração) e são ressignificadas. A palavra igreja é uma delas. Tal como o amor, que propicia bifurcações de sentido, igreja passa paulatinamente a ser entendida como instiuição (todas as formalidades e hierarquias possíveis), de um lado, e como corpo (lugar da humanidade, da gentetude, portanto, da possibilidade do erro, do perdão...), de outro lado. Esse entendimento parece-me de fundamental importância para entendermos que há um lugar no qual podemos ser humanos, passíveis de erros (sobretudo a certeza de que não seremos menosprezados) e, também, para exercermos nossa possível e necessária intelectualidade. Ao mesmo tempo, um lugar de convívio que não abre mão da criticidade, do respeito, da esperança, da racionalidade, da sensibilidade.
Ocorre que essa visão não interessa aos autoritários/fundamentalistas líderes evangélicos, especialmente advindos de igrejas pentecostais, neopentecostais e afins. Interessa, sim, a dominação, a inquestionabilidade, o amém. Com tristeza, penso que há mais opressão do que libertação na "casa do pai". O evangelho genuíno, a meu ver, tem de (e não que) ser, obrigatoriamente, libertador.
Como esse é um assunto longo e quero discutí-lo com mais vagar noutro texto, vou para os finalmente: o meu espanto.
Ocorre que, após a decisão de me desinstitucionalizar, recebi (e ainda continuo) vários mails cujo conteúdo execra minha opção. Alguns disseram que me tornei humanista, que só penso racionalmente. Os mais ousados não titubearam: "você vai pro inferno", "precisas rever teus conceitos bíblicos", "a submissão a um líder é mandamento bíblico, se não cumpre isso és um rebelde". Ainda outros, mais amenos, restringiram-se a comentar que tenho posições radicais para algumas coisas e frouxas para outras.
Para meu próprio alívio e raiva de outros "irmãos", continuo pensando como cantou nosso Raul Seixas: "prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo". Melhor que isso, encontrei uma poesia do instigante teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer na qual encerra tudo o que penso sobre essas questões quase irrelevantes. Leiamos:
Quem sou eu?
Quem sou eu?
Seguidamente me dizem
Que saio da minha cela
Tão sereno, alegre e firme
Qual dono de um castelo.
Quem sou eu?
Seguidamente me dizem
Que da maneira como falo
Aos guardas, tão livremente,
Como amigo e com clareza,
Parece que esteja mandando.
Quem sou eu?
Também me dizem
Que suporto os dias do infortúnio
Impassível, sorridente e com orgulho
Como alguém que se acostumou a vencer.
Sou mesmo o que os outros dizem de mim?
Ou apenas sou o que sei de mim mesmo?
Inquieto, saudoso e doente,
Como um passarinho na gaiola,
Sempre lutando por ar, como se me sufocassem,
Faminto de cores, de flores, de pássaros,
Sedento de palavras boas, de proximidade humana...
Que sou eu?
Este ou aquele?
Sou hoje este e amanhã um outro?
Sou porventura tudo ao mesmo tempo?
Quem sou eu?
A própria pergunta nesta solidão
De mim parece pretender zombar.
Quem quer, porém, que eu seja,
Tu me conheces, ó meu Deus:
SOU TEU.
Só para lembrar, Bonhoeffer foi torturado e morto no campo de concentração durante o nazismo. Atualmente há outros torturadores por aí. Paradoxalmente fazendo tremular a bandeira do cristianismo. Ah, se Cristo descesse com o relho...
[1] www.levinainternet.blogspot.com
3 comentários:
Achei teu texto no mínimo instigante, por que não dizer desafiador? Devem todos (nós, os institucionalizados) rever os conceitos e fundamentos nos quais se baseia a igreja-instituição, e sei que há, mesmo que seja a minoria, pessoas que estão sacrificando tempo e a si mesmas por acreditarem que a igreja é capaz de mudar, depende de que alguém se disponha a fazê-lo. A mudança é possível desde que haja uma certa negação do que seja cômodo e confortável para o "eu" aqui e agora. Como foi citado no texto, B. foi morto e torturado em um campo de concentração, mas estava lá porque tinha convicção e princípios que mesmo os torturadores não foram capazes de demovê-lo. A igreja também necessita de seus Ches, seus B., de pessoas dispostas a falar, mostrar uma outra possibilidade de se conceber a instituição, mais próxima daquilo que Cristo pretendia ao chamar os doze (e não esqueçamos de Judas). Muitas vezes, para isso, tem que se estar "lá". Que bom que para ti o simples falar funciona, para mim, sem ação, palavras são mortas.
Discordo. Quando alguém se afasta da instituição dá um passo existencial relevante, pois a mesma tende a aprisionar e coagir. Não são só palavras de alguém que saiu porque se achava melhor do que a Igreja, mas aquele que não via mais naquilo tudo algo relevante. Bonhoeffer foi um homem que sustentou até o fim suas convicções, que iam contra o regime, este apoiava os nazistas, quem se levanta contra os lideres despóticos de nossos pulpitos? Ninguém! Haja a visto a postura alienada e de gueto que todos os evangpelicos sustentam. Continuo discordando, já que conheço o Levi e vejo nele, uma vontade genuina de SER um cristão que vive além da mera aparência.
O que escrevi não tem a intenção de discutir "Levi" pessoa, mas sim seus escritos, o que creio ser o objetivo de seu blog. Porém, deve-se tomar cuidado ao generalizar, utilizando expressões como "ninguém" e "todos". Passa-se a estar no mesmo patamar daqueles que estão sendo criticados. Gueto? Não, nem sempre a idéia intrínseca é esta, mas a de comunidade, fraternidade. Talvez a visão de mundo se demonstre muito minimizada na palavras utilizadas no comentário. Quando se trata de pessoas, não temos condições de saber tudo, principlamente o que acontece num mundo que não faz parte do nosso. O julgamento, o pré conceito, sempre são muito perigosos e limitam as possibilidades de aprendermos com o desconhecido. Há gente, sim, que vai contra os líderes, tem gente, sim, que trabalha arduamente pela mudança dos paradigmas. Há gente, sim, e sempre haverá, seja em uma condição de opressão ou pseudo liberdade, sempre haverá gente capaz de superar as espectativas e revidar. Não retiro o que disse, continuo achando (e por enquanto nada me convenceu do contrário, não que isso não possa vir a acontecer)de que o discurso só faz sentido se acompanhado de ações capazes de atingir as pessoas e movê-las em busca de uma consciência libertadora. Textos que sirvam somente para atestar idéias não constróem, mas os que chegam àqueles que precisam ouvir e saber que existe, sim, uma outra forma de se conceber o cristianismo, através de práticas coerentes com o discurso, são os que fazem a diferença significativa e atingem seu objetivo.
Postar um comentário