01 janeiro 2008

RETRO 2007

01 janeiro 2008
Levi Nauter


As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa. Ítalo Calvino


Há um ano escrevi:

“Eu espero continuar brigando com quem quer simplesmente aproveitar as situações do dia-a-dia para tirar proveito próprio. Estou farto disso. Também não pretendo ajudar quem tem mais a dar do que receber. Darei oferta aos que realmente carecerem e não aos que nos amedrontam mostrando um mapa do inferno ou as maldições por eu ser “canguinha” ou, ainda, aos que intimam colocando no meu colo um santinho, um incenso, uma caneta ou algo assim. Chega!”

Incrivelmente, continuo com a mesma opinião, com poucas diferenças e uma constatação um tanto desesperadora: o mundo é dos vivos.

Embora eu não seja tão midiático assim, não consegui resistir aos apelos e resolvi escrever minhas retrospectivas. Elas pouco têm de pretensão, querem apenas ser registradas para deleite próprio. Afinal, esse tipo de programa (em geral sob o título Retrospectiva 2007) só interessa a quem apresenta. Ando com um hiato em meus escritos. Posso, guardadas algumas proporções, me unir à Clarisse Lispector (sempre espetacular): “Escrevo porque sou desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias.” [in A HORA DA ESTRELA]. Eu também estou de saco cheio. Menos mal que muito do que sonhei ou sonhamos (eu e a Lu) deu certo. A conclusão mais drástica desse ano é que, no geral, as pessoas querem levar vantagem em tudo. Chego a essa ponderação por tudo que vivi ao longo do ano.
Nesse ano terminei um bom período de psicanálise. A Dra. Karin Wondracek[1] fez o que pôde para eu me tornar mais criativo (penso que nem tudo está perdido). Foi um dos poucos momentos em que não me senti usurpado.
Minha relação com a Lu completou doze anos; ela entrou para os últimos cinco anos na casa dos trinta e eu cheguei à idade de Cristo. Minha valorosa mulher trabalhou bastante numa jornada de sessenta horas semanais. Oh, fibra! A Lu é meu braço forte.
Encontrei, cara a cara, alguns dos poucos amigos que merecem esse título. Vê-los foi me conhecer um pouco mais. São aquelas pessoas que não julgam, conversam, acrescentam, não ficam ‘chorando as pitangas’. Com esses poucos amigos a gente não emburrece, aproveita belos momentos de estar vivo.
Em contrapartida, briguei com outros que estavam mais para colega que para amigo. Não suporto autoritarismo, fatalismo, arrogância, falta de humildade, falta de diálogo. Por isso, ‘quebrei os pratos’. Ah, faria tudo de novo. Vá mandar nos capangas não em mim. Não sou empregado passivo, sou servidor. Alguns que conheço tenho até pena de suas mulheres.

A boa-nova desse ano é a efetivação do sonho da casa própria. Finalmente, depois de doze anos, conseguimos dar o pontapé inicial e quase acabado do nosso ninho. Nunca gastei tanto dinheiro na vida. Demoramos anos para juntar e em meses quase que vai tudo. Aí foi onde mais vi ‘atravessadores’. Cada um queria tirar um pouquinho. Que tristeza! Minha leiguice quase me fez sucumbir, isso só não ocorreu porque não somos bestas de ninguém. Estamos sofrendo para lidar com a ansiedade, aprendendo a negociar, a pedir descontos, a rogar por mais prazos. Nunca as previsões do tempo tiveram tanta importância nas nossas vidas. Foi um bom aprendizado notar pessoas considerando rápido aquilo que achei que demorou bastante.
Nesse ano aumentei minha carga-horária na docência. Sofri na tentativa de preparar aulas mais interessantes aos alunos. O feedback foi além das minhas expectativas.
Li muito, adquiri livros, CDs, DVDs. Comprei uma bicicleta (com a qual pouco andei, é verdade). Conversei com muitas pessoas, conheci um senhor de esquerda – agora, justificadamente, decepcionado. Ele foi duas vezes à Alemanha Oriental. Outros bate-papos teriam sido melhores se não tivessem ocorridos. Como ainda há quem tenha um bom discurso e uma repudiante prática. Como é fácil falar mais e fazer menos. É triste ouvir mais porcaria que sabedoria da boca de educadores. Conversei com uma pessoa extremamente preconceituosa e como foi ruim ter que – para ser coerente – ‘brigar’ com ela.
Estou numa ‘casa de passagem’. Morando enquanto a minha está sendo construída. Tenho convivido com coisas que não gosto: música, pra mim, de péssima qualidade; cachorros, visão de mundo completamente diferente da minha. É um outro aprendizado, bem difícil. Minha admiração pela cidade continua, agora mais crítico, mais ponderado. Não menos admirado.

Minhas aspirações para 2008 são:
A conclusão da nova casa, esperada e sonhada por doze anos (é ruim ser proletário). Desejo continuar me aperfeiçoando tanto na leitura quanto na profissão, se possível partindo para um vôo mais alto. Mas nada, absolutamente nada supera o sonho da paternidade. A maior emoão da minha vida será um resultado positivo de exame de gravidez com a mulher que amo. Até um quarto está sendo construído com esse fim.
Que venha 2008!

[1] Autora de algumas obras que recomendo com entusiasmo. Dentre elas, o último lançamento da editora Ultimato, Caminhos da Graça.

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