Levi Nauter
Tenho preferido dizer da minha satisfação de estar vivendo exatamente onde estou neste exato momento, ou seja, num lugar provisório que possui cara de interior, jeitos de periferia e muito para se aprender sobre a vida.
Outro dia parei-me para rever o Acústico Marina Lima. Num certo momento, ela chamou a instigante Fernanda Porto para cantar e tocar com ela a música Charme do mundo. Apesar de a letra ser meio água com açucar, há um momento em que o trecho, digamos, me pegou: "tudo que eu quero / sério / é todo esse mistério". A partir daí, tive de desligar o vídeo devido a reflexão que teimou em me envolver. Vi-me nesta situação: estávamos (eu e a Lu) indo morar perto da nossa construção, num lugar 18 Km mais distante donde antes moramos por doze anos.
Há todo um mistério que precisa ser apreendido nessa nova empreitada. O primeiro deles é que, sendo humanos, aonde passamos vamos criando laços fraternos. É sempre difícil cortar alguns desses laços. E o cortar a que me refiro está mais para "esticar" do que "cortar". Na verdade não cortamos nada, apenas fomos para outra cidade. As conversas diárias de outrora deram lugar a visitas. Os rostos que víamos todos os dias mudaram. O asfalto pelo qual passávamos diariamente foi trocado por uma rua de chão batido. Os poucos minutos que eu demorava pra chegar na escola onde trabalho transformaram-se em duas horas. O barulho ensurdecedor dos carros foi trocado pelo canto dos pássaros, dos sapos, das ovelhas e de algumas crianças que estão aprendendo a falar. O meu entorno mudou; estou, momentaneamente, como que sem laços.
Outro mistério é a gente daqui. Prefiro o termo gente porque ele me soa como uma palavra capaz de abarcar o amplo significado e as implicações de ser humano, de estar vivo. Minha redondeza é feita de gente simples, com poucos sonhos. Com fala mansa, eles dizem-me "aqui é assim, sempre calmo", o que tenho comprovado na prática. Estava acostumado com filas pra tudo (banco, supermercado, lojas, ferragens etc) e aqui isso praticamente não existe. À espera de um ônibus, em pleno horário de pico, as pessoas aguardam-no batendo um bom papo. Meu primeiro dia de espera foi surpreendente:
– Não tem fila pro ônibus? Indaguei curioso.
– Não, quando o ônibus chega as pessoas que precisam dele vão se ajeitando. São vários itinerários nessa parada, então não tem fila. Onde o senhor quer ir? Explicou-me um senhor prestativo.
Foi uma bela surpresa. Num mundo de correrias, lá parece que o tempo dá um tempo.
Finalizo minha pequena reflexão falando de um outro mistério que me vem chamando a atenção. Os mistérios do mato. Quando chego do trabalho, à noitinha, caminho aproximadamente oitocentos metros até a casa provisória. Durante o percurso ouço ruídos que nunca tinha escutado na minha vida. Sempre vivi em cidade com pouca árvore, mato, verde. Cantos de pássaros que eu nunca tinha escutado; o vento soprando nas acácias; o barulho parecendo uma porta se abrindo nos taquarais; meus pés pisando as pedras que parecem querer fugir; a minha respiração ofegando. Em casa, por volta das 23h, o ruído longínquo passa a ser dos eventuais caminhões que cruzam a BR-386. O ronco dos motores são de diversos tipos. Minha mente gira.
Não posso deixar de mencionar ainda um outro ruído: o barulho de betoneiras, colher de pedreiro, serra, chinelos, pedras, árvores. Tudo novo pra mim. Tudo parte de um sonho acalentado por doze anos. É extremamente difícil realizar o sonho da casa própria. Com o suor do nosso trabalho, sem a ajuda de terceiros (a não ser o Todo-Poderoso), estamos, como diria Renato Teixeira, "tocando em frente". Tudo que queremos é todo esse mistério.
Agora posso cantar o belo samba da Marisa Monte (Universo ao me redor) - que temos furado de tanto ouvir: "eu durmo sereno e acordo com o canto dos passarinhos".
Outros mistérios virão.
Outro dia parei-me para rever o Acústico Marina Lima. Num certo momento, ela chamou a instigante Fernanda Porto para cantar e tocar com ela a música Charme do mundo. Apesar de a letra ser meio água com açucar, há um momento em que o trecho, digamos, me pegou: "tudo que eu quero / sério / é todo esse mistério". A partir daí, tive de desligar o vídeo devido a reflexão que teimou em me envolver. Vi-me nesta situação: estávamos (eu e a Lu) indo morar perto da nossa construção, num lugar 18 Km mais distante donde antes moramos por doze anos.
Há todo um mistério que precisa ser apreendido nessa nova empreitada. O primeiro deles é que, sendo humanos, aonde passamos vamos criando laços fraternos. É sempre difícil cortar alguns desses laços. E o cortar a que me refiro está mais para "esticar" do que "cortar". Na verdade não cortamos nada, apenas fomos para outra cidade. As conversas diárias de outrora deram lugar a visitas. Os rostos que víamos todos os dias mudaram. O asfalto pelo qual passávamos diariamente foi trocado por uma rua de chão batido. Os poucos minutos que eu demorava pra chegar na escola onde trabalho transformaram-se em duas horas. O barulho ensurdecedor dos carros foi trocado pelo canto dos pássaros, dos sapos, das ovelhas e de algumas crianças que estão aprendendo a falar. O meu entorno mudou; estou, momentaneamente, como que sem laços.
Outro mistério é a gente daqui. Prefiro o termo gente porque ele me soa como uma palavra capaz de abarcar o amplo significado e as implicações de ser humano, de estar vivo. Minha redondeza é feita de gente simples, com poucos sonhos. Com fala mansa, eles dizem-me "aqui é assim, sempre calmo", o que tenho comprovado na prática. Estava acostumado com filas pra tudo (banco, supermercado, lojas, ferragens etc) e aqui isso praticamente não existe. À espera de um ônibus, em pleno horário de pico, as pessoas aguardam-no batendo um bom papo. Meu primeiro dia de espera foi surpreendente:
– Não tem fila pro ônibus? Indaguei curioso.
– Não, quando o ônibus chega as pessoas que precisam dele vão se ajeitando. São vários itinerários nessa parada, então não tem fila. Onde o senhor quer ir? Explicou-me um senhor prestativo.
Foi uma bela surpresa. Num mundo de correrias, lá parece que o tempo dá um tempo.
Finalizo minha pequena reflexão falando de um outro mistério que me vem chamando a atenção. Os mistérios do mato. Quando chego do trabalho, à noitinha, caminho aproximadamente oitocentos metros até a casa provisória. Durante o percurso ouço ruídos que nunca tinha escutado na minha vida. Sempre vivi em cidade com pouca árvore, mato, verde. Cantos de pássaros que eu nunca tinha escutado; o vento soprando nas acácias; o barulho parecendo uma porta se abrindo nos taquarais; meus pés pisando as pedras que parecem querer fugir; a minha respiração ofegando. Em casa, por volta das 23h, o ruído longínquo passa a ser dos eventuais caminhões que cruzam a BR-386. O ronco dos motores são de diversos tipos. Minha mente gira.
Não posso deixar de mencionar ainda um outro ruído: o barulho de betoneiras, colher de pedreiro, serra, chinelos, pedras, árvores. Tudo novo pra mim. Tudo parte de um sonho acalentado por doze anos. É extremamente difícil realizar o sonho da casa própria. Com o suor do nosso trabalho, sem a ajuda de terceiros (a não ser o Todo-Poderoso), estamos, como diria Renato Teixeira, "tocando em frente". Tudo que queremos é todo esse mistério.
Agora posso cantar o belo samba da Marisa Monte (Universo ao me redor) - que temos furado de tanto ouvir: "eu durmo sereno e acordo com o canto dos passarinhos".
Outros mistérios virão.
1 comentários:
Ler teu texto produz uma gostosa, querida e quase sensorial embriaguez. Que a riqueza da vida dilate ainda mais teus sentidos!
Grande abraço!
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