21 outubro 2007

agora entendo

21 outubro 2007

Levi Nauter





Não suporto mais a política-partidária. Estou cônscio do mundo político, das implicações políticas de nossas ações e relações interpessoais. Mas também estou ciente do que é conviver com políticos de carteirinha, os filiados a algum partido. E, por incrível que pareça, já fui cortejado por alguns. Resisti, não cedi. Não me arrependo.
Lembro-me de vários momentos em que, direta ou indiretamente, fui persuadido a também persuadir ou induzir o outro a fazer o que "alguém" queria. Numa dessas ocasiões fui tentar convencer um grupo de adultos sobre a importância da educação.
– A educação tem de estar em primeiro lugar. Precisamos investir numa quadra esportiva - sustentava sem muita convicção.
– A gente sabe disso, apenas gostaríamos que outras coisas fossem feitas antes.
Até concordava com os humildes cidadãos presentes naquela reunião. Contudo, havia "alguém" superior que me pressionava para um outro lado - o lado de quem estava no poder. Que fosse uma sala de aula, um professor a mais, melhorias na infra-estrutura da escola. O importante era a educação vencer. A educação, nos moldes formais, tinha de ser tudo.
No saldo das reuniões com os populares o asfalto era o rei. Não havia jeito de convencer que a educação poderia ser melhor que uma rua calçada.
– Faltou problematizar mais, diziam-me os superiores.
Agora entendo.

Estando em um novo endereço, numa nova cidade e tendo que caminhar 800 metros diários percebo 'direitinho' o que aqueles cidadãos tentavam dizer com todas as forças.
Era fácil dizer que uma quadra esportiva, uma sala de aula ou um professor a mais podiam ser tão úteis quanto uma rua asfaltada. Era fácil enquanto eu pisava no asfalto. Parecia-me simples propor "pirações" e ignorar a poeira nos móveis das casas dos alunos, bem como aquela poeira que inalavam no trajeto até a escola.


Mas agora entendo. Sei o significado de viver na torcida por um tempo bom, sem chuva. Também torço para que, durante o trajeto até a parada de ônibus, nenhum carro passe "a mil" me jogando água suja ou barro. Consigo compreender o que é um calçado sujo no centro asfaltado da cidade. Já aprendi a contextualizar a frase "que chuva desgraçada". Até noto quanta educação ainda falta para alguns motoristas.
Por outro lado, vejo certa beleza no atrito calçado-barro-água. Acho engraçada a orquestra 'sapônica' produzindo uma música ininteligível. Treino meu ouvido ao diferenciar pingos da chuva numa poça d'água e no chão de terra firme. Atrai-me, ainda, o ruído dos restos d´água escondidos nas folhas das acácias, que se 'desprendem' com o vento.


É possível notar sofrimento, esperança e beleza na rua onde - momentaneamente - moro.

1 comentários:

Intransitiva

Felizes os que encontram poesia nas peripécias do seu caminho!
Uma vez li um texto do Gabriel Garcia Marquez em que ele narrava algumas mudanças na sua vida...era mais ou menos uma "mudança pra pior". Traduzindo, ele dizia que a melhora financeira na vida dele, trouxe-lhe alguns confortos e algumas "melhorias questionáveis". Vão alguns exemplos: Mudar-se para um apartamento maior, com vista para a sala do vizinho, mudar-se para uma cidade grande e respirar dióxido de carbono em excesso; ter dinheiro e gastar com plano de saúde, ter sucesso profissional e não ter tempo pra perceber os pássaros... e por aí vai.
Quando li o teu texto percebi emoção inversa a essa.
Melhoraste pra tão melhor que ainda não chegou o asfalto...risos.Pelo menos na minha opinião...pra mim que estou aqui nessa verdadeira selva de pedra em que o asfalto tornou-se o vilão das enchentes...
É colega...eu posso dizer que "melhorei pra pior" em alguns aspectos...
Quanto a tua rua quase Arcadista, hoje, eu digo que vejo poesia nela...mas na prática sabemos que um asfalto faz falta.
E na política, falta poesia...infelizmente.
Abraço!

 
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