14 setembro 2005

MEUS GRILOS

14 setembro 2005
Levi Nauter

Minha casa é de madeira. Tem dias que ouço o belo barulho dos grilos – prefiro dizer que eles cantam. O problema é não agüentá-lo mais, após aproximadamente vinte minutos. O que era bom passa a ser ruim. Antes um som da natureza criada por Deus, de repente, um ensurdecedor ‘demoninho’ devido o barulho que faz.
Comecei a pensar no meu cotidiano. Sou cheio de grilos, de problemas interiores. Nalguns momentos acho isso legal pois cresço, supero-me, pareço imbatível. Se me descuido sou insuspeito, ando como quem não tem problemas, eretamente, olho pouco para os lados. Noutras ocasiões sinto-me derrotado, não avanço, milhões de coisas passam pela minha cabeça. Parece haver literalmente um grilo na minha mente. Tomo cafezinho, ligo o som (para ouvir alguma música ou alguma voz), olho televisão, rezo em pensamento – quando não de joelhos mesmo. Penso nas famigeradas frases de efeito algum, como “quem mexeu no meu queijo”
[1], “não faça tempestade em copo d’água”[2]. Choro, tento rir. Respiro fundo, confiro os batimentos cardíacos, torço para a hora passar. Suo, tomo água. Quando indagado sigo meu clichê: ‘tudo bem! E com você?’
Mas sabem o que é pior? O grilo não vai embora. Um dia bati na parede de casa devido a zoeira do bichinho. De nada adiantou, trinta segundos depois lá estava o cricrilar. Minha vida é assim e acho que não sou o único: meus grilos vêm e vão, um dia estou bem, no outro mais ou menos, em seguida, mal.
Por isso é que certas pessoas são importantes. Elas nos mostram o grilinho que o vemos como grilão. Dão-nos pistas para melhorias, perguntam para podermos responder muito mais a nós do que para elas. Existem outros que parecem ter o dom de apenas olhar, apenas fazer um gesto. Nada falam, mas tudo dizem. Ainda existem os duros na queda. São os que nunca estão satisfeitos, os desafiadores, os lançadores dos terríveis ‘por que isso, por que aquilo?’. Os mesmos que alfinetam ‘tá bom mas poderia ter ficado melhor’. Toda essa gente pode ser chata em algum momento, os grilos também o são. Acho que a vida seria sem graça com a ausência desse pessoal; os ‘moles’ me fazem ver que não sou tão ruim quanto pareço às vezes, os ‘durões’ me desafiam para o presente hoje e para o futuro. Ambos mostram minha gentetude
[3], mostram-me que só erro por ser humano, sou humano graças a eles.
Descobri, com um misto de alegria e tristeza, uma coisa: sou cricri.

NOTAS:


[1] Obra do Dr. Spencer Johnson da qual surgiu outras bem ao estilo made in USA. Ex.: “Quem mexeu no meu queijo?” para Jovens. Ah, a publicação é da Record.
[2] Segue a mesma linha do item 2. Obra de Richard Carlson, publicação da editora Rocco, o livro ganhou versões como Não faça tempestade em copo d’água (no amor), Não faça tempestade em copo d’água (no trabalho), Não faça tempestade em copo d’água (com a família), Não faça tempestade em copo d’água (para adolescentes), Não faça tempestade em copo d’água (para homens), Não faça tempestade em copo d’água (para mulheres). Viu como cansar.
[3] Expressão cunhada pelo quase imortal Paulo Freire.

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