15 janeiro 2006

MEU CORAÇÃO ESTÁ PRETO. A MORTE CHEGOU

15 janeiro 2006
Levi Nauter

A sexta-feira 13 nunca mais será a mesma para mim. O dia 13 de janeiro sempre será lembrado. Nesse dia a morte finalmente chegou, sem dó nem piedade. Roubou de mim[1] algo precioso. Tirou parte do meu coração. Tirou quem defendeu a vida até não agüentar mais viver. Pareceu um golpe baixo. Fê-la sofrer por querer bem, por amar. Com um suspiro que parecia dizer “fiz o que pude” ela nos deu tchau de mãos dadas com a morte. A morte não tem sentimentos. Danada! Por que levar minha mãe agora? Louca! Por que não brigou com alguém do teu tamanho?

Meu coração está preto. Sei que ele é feito de sangue, é vermelho. Mas, por hora, ele está preto. Porque para mim, por enquanto, está noite. Porque a ajudei colocar a urna mortuária num lugar escuro. Porque estou escrevendo no escuro. Porque tenho um aperto no meu coração. Porque há, agora, um abismo de separação entre eu e ela; uma saudade que parece escura, distante, tênue. Parece que eu estava com a mão no ombro da minha razão de ter vindo ao mundo – a mãe – e, de repente, a malvada morte veio e começou puxá-la para o lado oposto. Assim, minha mão foi descendo, passou pelo cotovelo, foi descendo, passou pela mão calejada, foi saindo, pegou forte nas juntas dos dedos, foi saindo, tocou as unhas, saiu. Fiz força para encontrar a mão dela – que parecia também querer encontrar a minha. Inútil força. A morte venceu. Apenas chorei. Como estou agora enquanto escrevo para alguém que nem sei que poderá ser.
Mas escondi um segredo da morte.

Agora estou vendo minha mãe de um outro ângulo. O ângulo divino. Ângulo do amor incondicional divino, ângulo de amor que ultrapassa o entendimento e chega a ser loucura para alguns. É muito melhor.
Lá vem ela. Forte, linda. Uma mulher sedutora, com voz firme. Está toda chique. Não vem vestindo um vestido qualquer. Vem com um modelito próprio, tirado da sua própria imaginação. Vem com uma pasta enorme. Nela há uma porção de modelos desenhados. Um modelo de roupa que fez pra mim há muito tempo atrás. Outro modelo que fez para o meu irmão. “Esse eu fiz pro Jones”, diz ela contente acrescentando que o Misael já era mais moderno e usava roupas feitas na indústria. Algumas mulheres parecem ter gostado da idéia. A mãe disse que elas não viram nada. Passou a mostrar os vestidos que fez para as minhas queridas irmãs: Lílian e Miriã. “Minhas filhas ficam lindas com as roupas que eu faço”, disse orgulhosa. Só imaginamos, disseram.
Há um livreto de receitas também com ela. E já chegou avisando que todos nós adorávamos o seu pudim de leite condensado. Uma coisa ela disse que talvez não fizesse, para evitar caras feias: doce de laranja azeda.
Numa certa altura, largou tudo o que tinha e foi, tesa, num caminho todo branco como neve. Creio que levava a firmeza e a determinação com que sempre lidou nesse mundo terreal. As mãos e as pernas fracas daqui nem pareciam ser as mesmas. Andava como quem diz “cumpri minha missão: criei meus filhos, trabalhei dignamente e amei um homem”. Não titubeava, sentia-se orgulhosa de tudo que fizera.

Pois é exatamente essa determinação que eu quero, que eu busco. A mesma firmeza, a mesma ternura, a mesma paixão.

Parece que ela me notou.

Mãe, que saudade!
Que vontade de fazer como os bebês: agarrar-te e não desgrudar
Beijar-te, sentir o teu coração
Passar a mão no teu cabelo
Relembrar as vezes que dormia contigo com medo de fantasmas

Queria ser menor que você outra vez
Pra que teu queixo encostasse na minha cabeça e
Assim tivesse a sensação de que nada seria mais seguro que o teu corpo

Tua voz pra mim era também como a voz de um trovão gentil
Acho que aprendi a costurar só pra ficar mais parecido contigo
Acho que disse tanta ‘bobagem’ só pra poder rir contigo

Como temos a mesma crença,
Vai fazendo uma roupa pra mim.

Um dia estarei perto de ti,
Vamos sentar em algum lugar aconchegante para conversar.

Até breve !!!




[1] E creio que falo pelos meus irmãos, também enlutados.

4 comentários:

Anônimo

Ah, amigo! como gostaria de dar-te um abraço nessa hora. Bem sei que é difícil. Mais ainda quando assumimos ou nos empõem o papel de forte, de torre, de pedra pra ajudar a não cair aqueles que ficaram. Os outros não sabem que também precisamos chorar a despedida, mas não! Temos que ser a torre pra enfrentar as dificuldades e as burocracias que estão por vir. E olha, que diante de 6 irmãos, eu com apenas 22 anos ( o que tinha na época) tive que salvar a pátria. De vez em quando eu choro aquele choro que tive que conter na frente de minha mãe, pra que ela não ficasse mais deprimida. Agora eu choro....lembrando de meu pai que faz companhia à tua mãe.
Desculpe-me se não disse bonitas palavras pra ti nessa hora. Tu mesmo disseste que não há uma vitória sem uma derrota e que crescemos muito após as dificuldades. Já falou EU TE AMO hoje aos teus queridos? Se não, faça já! A vida nos prega algumas peças amigo...
Quero ainda dizer-te que estou sempre por aqui, conte comigo colega!
Abraço forte, Nita

Ane Patrícia de Mira

Esqueceste de olhar bem. Juntamente com os desenhos de roupas para ti e teus irmãos, estavam expostos lindos trabalhos de crochê para a Lu e para mim. Ela jamais nos esqueceria, não é?
E tu não deves esquecer que estamos todos juntos neste barco, e que se remarmos na mesma direção chegaremos sem grandes percalços ao encontro de "nossa" mãe.
Abraços de quem sente a mesma dor e tem a mesma esperança.
Ane de Mira

Anônimo

Caro Levi,

com atraso venho te trazer as minhas condolências. Sei que o momento é difícil, a saudade deve ser muita. Mas permita-me corrigir um termo...a morte pode ter roubado tua mãe...entretanto, o dono da morte é o SENHOR, com que tua mãe está. E é este SENHOR que é o dono da tua vida. Vocês estão afastados por um pouco de tempo. Tempo e saudades que serão consoláveis pelas doces lembranças.
Meus pesares..meu mano,
Gustavo & Camila

MARI LEMES

Arrepiei, um texto visceral! Se o nascimento inaugura a chegada nesse mundo, a morte a encerra. Estou cada dia mais convencida que precisamos educar-se , na/com/para a morte também. Por ora, apenas as religiões ocupam-se dela, mas penso que a educação tem um papel relevante em estudar as nossas existências. Gostaria de acreditar que um dia, em outro plano, tod@s nos encontrássemos para viver a prometida ETERNIDADE! Sempre grata pelo prazer da leitura!

 
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