06 dezembro 2005

Prefiro 12 mil a 300 reais

06 dezembro 2005
Levi Nauter


Sorri com tranqüilidade
Quando alguém te calunia.
Quem sabe o que não seria
Se ele dissesse a verdade...
Mário Quintana


Foi lamentável ouvir de um representante do povo que ganha mal, apesar de receber em dia. Num país onde milhares, a maioria, ganha em média o salário mínimo ouvir de um parlamentar que sua remuneração é pouca é, no mínimo, triste. Nem parece que são eles quem aprovam esse salário de miséria – e que, às vezes nem é pago em dia.
Vamos combinar: 12 mil reais não é pouco. Seu Zé que tenha a ‘santa’ paciência!
Não dá mais para relevar. Chega de ter que apoiar coisas inaceitáveis, não éticas, imorais ou injustas, falaciosas em alguns momentos, sofismáticos noutros. De minha parte, cansei. Estou farto de viver ouvindo sobre o poder. E acho, sinceramente, que o poder corrompe. Bem nos alertava Sófocles
[1] em sua famosa peça Antígona:
"Não se conhece verdadeiramente um homem, sua alma, sentimentos e intenções, senão quando ele administra o poder e executa as leis." (p. 12)

Prefiro a ignorância bela das gentetudes a ver engravatados (ou gente com o mesmo poder) arrogantes, com falsa modéstia divagando sobre pobreza, sobre fome. Como é fácil falar de fome quando não a temos. Não é difícil falar de terra quando temos um pedaço de chão. É fácil falar “de angicos a ausentes”
[2] quando falamos, pegamos nosso cachê ou não, mas, sobretudo, voltamos a nossa cidade e continuamos publicando livros para uma certa elite aqui ou ali – mesmo sabendo que eles continuarão angicos e ausente.
Que exemplos nos dão quando não ensinam o respeito mútuo e, assim, vale bater no outro e – em nenhuma hipótese – deixa-se batido por outrem. O outro seria menos humano? O que é respeitar, conviver, cantar, almoçar ou jantar com as diferenças nesse ínterim?
Mas, como diria Vinicius de Moraes, ainda tenho “essa pequenina luz indecifrável a que às vezes os poetas dão o nome de esperança” (Moraes apud Alves, p. 67)
[3].
Sim, ainda tenho esperança.
Espero banir alguns nomes da política partidária – pelo voto, claro. Espero poder contribuir com a educação ao provocar a criticidade em meus alunos, quando lhes disser que poderão ler e escrever à vontade porque não darei nota. Espero poder rir com os desdentados sem o receio de ser ridículo, pois cansei de ficar perto de empiriquitados (as). Espero ser um profissional da educação que busca a excelência, não importando se isso será de esquerda ou de direita. Neste caminho vou querer melhorar financeiramente, mesmo que não ganhe os 12.

Continuarei político, todavia. Só deixarei de sê-lo quando morrer. Não será porque não tenho filiação que deixarei de fazer críticas ao que aí está – e ao que vier. Sei o meu lugar, sei aonde posso ir, sei dar a volta, consigo passar ao largo. Sei ser arrogante também. Sei aproveitar oportunidades, sei fazer falcatrua. Sei fazer prova e passar sem passar. Também vivo o paradoxo de ser educador e pseudoeducador freireano. Busco autonomia, embora paradoxalmente negue-a a outros. A única diferença é que não sou “malandro candidato a malandro federal” nem tenho “retrato na coluna social”[4]. E mais, não ganho 12.
O ano de 2006 poderá ser diferente. Ao eleitoral. Receberemos visitas ilustres. É assim mesmo: uns desprezam os valores, outros se contentam com os 12. É melhor que 300. por alguns meses irão nos abraçar, beijar, ligar. Até o celular, talvez, saberemos o número. Como num filme, alguns meses depois:
Que horror quando o celular não toca!
Ninguém está se lembrando de mim!
Ninguém precisa de mim!
[5]

Mas não adianta. Na pseudodemocracia que temos, na qual votar é uma obrigação, há quem
Tem um jeito manso que é so seu
Que rouba os meus sentidos
Viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo
Ri do meu umbigo
E me crava os dentes
[6]

E assim vamos vivendo de amor, diria Lupicínio Rodrigues. Devo ratificar, enfim, que ainda prefiro 12 a 300. Como nem tudo é perfeito, paro de escrever porque tenho que trabalhar para me sustentar.

NOTAS


[1] SÓFOCLES (496-406 a.C.). Antígona. Trad. Millôr Fernandes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
[2] BRANDÃO, Carlos Rodrigues. De angicos a ausentes: quarenta anos de educação popular. Porto Alegre: MOVA-RS; CORAG, 2001. Obra-relato do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos do RS.
[3] ALVES, Rubem. Se eu pudesse viver minha vida novamente. 6.ed. Organização de Raíssa Castro Oliveira. Campinas – SP: Verus Editora, 2004.
[4] Fragmentos da música Homenagem ao malandro, do grande Chico Buarque.
[5] Texto do Rubem Alves. Idem à nota 3.
[6] Fragmento da música O meu amor, de Chico Buarque.

2 comentários:

Anônimo

Por vezes, nos teus textos, como neste, sinto um certo tom de ferocidade que não condiz com a defendida esperança. Pois a esperança vê sempre uma luz no fim do túnel, não importa o quanto esteja escuro. Não sou contra a indignação, pois é ela que nos move à ação, porém jamais deixe a doçura de lado. É ela que que faz com que a vida seja suportável.

Anônimo

hay que endurecer, compañeiro...

 
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