24 março 2012

[os ladrões que me desculpem]

24 março 2012


[os ladrões que me desculpem]

Levi Nauter
(...)
Eu quero ser a mendiga suja e descabelada
dormindo na vertical
Entender
Como a vida de alguém se acaba antes do final
Prefiro o Lou Reed no Velvet Underground
Gosto de Sylvia Plath, TS Elliot,
Emily Dickinson, Lucinda, Délia, Manoel de Barros
Ficam eternos por mim
(...)
Tomei um tiro
No vidro do meu carro
É a pobreza
Tirando o seu sarro
Foi meu dinheiro
Foi meu livro caro
Que façam bom proveito
Da grana que roubaram
Porque eu trabalho
E outro dinheiro eu vou ganhar
(...)

Ana Carolina[1]





Essa não é a melhor forma de retomar os textos no blog. Porém, fui furtado pela segunda vez.
Isso mesmo: os ladrões me acharam.
Em 2001, quando eu e minha esposa iniciávamos na faculdade, levaram nosso carro. Ao término da aula, fomos apressados até o carro, doidos para irmos pra casa. Mas, ‘cadê o carro?’ – perguntávamo-nos. ‘De repente a gente estacionou na outra esquina!’ – nos consolávamos. Tudo em vão. Tínhamos sido furtados.
Desta vez, hoje, 10-03-12, furtaram o som, a mochila com a qual minha filha vai à escolinha, a chapinha da esposa e o estepe zerado que ficava no porta-malas. Um carro com alarme, com fechamento automático das quatro portas (e isso é motivo de propaganda na hora de vender um carro e dizer que ele é seguro). Nada seguro pelo que notamos. Menos mal que não levaram a cadeirinha na qual a Flor passeia conosco. Voltamos para casa sem poder trancar as portas, sem conseguir baixar ou levantar os vidros dianteiros (elétricos). Com sorte, ainda nos restava o ar condicionado. Também há que se comemorar que os “queridos” não quebraram nenhum vidro, tampouco arranharam a lataria; apenas uns estraguinhos estéticos; afinal, os “meigos” tiveram um pouco de trabalho para arrancar o som. Levaram minha cópia da coletânea dos seis últimos discos do Don Moen – apenas a cópia. Ah, ia esquecendo, não deixaram o papel higiênico no porta-luvas – talvez para o caso de alguma dor... na consciência.
O furto em si não é o mais importante. A coisa que incomoda é a invasão da privacidade. O que enraivece é a ratificação da insegurança em qualquer parte (estávamos no centro de Canoas). A gente paga impostos e taxas e gorjetas e não tem absolutamente nenhum retorno satisfatório. O que me faz querer esganar esses ‘cabras’ é ver minha filha de três anos querendo a “muchila da moranguinho, papai”. O que aguça o sangue na veia é que essa gente sabe que nada lhes vai acontecer, que eu e minha família fomos mais uns. O que provoca indignação é eu estar cônscio do quanto suei minha camisa e agüentei desaforos para ter o que tenho e mesmo o pouco que me foi furtado.  O que enfurece é que nessas horas ninguém vê nada. O que me deixa ‘puto’ é que eu trabalho honestamente sessenta horas semanais para adquirir as coisas que tenho. E vem, mais uma vez repito, essa gente e surrupia o meu suor, invade a minha intimidade, adentra meu círculo mais importante e tenta, desastradamente, interromper a minha história.
Tenho convivido, por força do meu trabalho, numa comunidade na qual – sempre com as devidas ressalvas – a violência impera. Lá, por vezes, deparo-me (e até já questionei pessoalmente, não sem o risco de sofrer as conseqüências) com gente que adora riscar automóveis, roubar pneus; conseguem, do dia pra noite, cópia de chave de qualquer coisa, até de carros. Eu fico abismado com gente assim. Esse tipo de gentalha não deveria apenas ir preso, deveria trabalhar duro na prisão, deveria saber, a duras penas, o valor, o custo para se adquirir as coisas.  
Mas os ladrões que me desculpem, a minha vida é melhor que a deles. Eles são invejosos, pois não querem que eu tenha[2]. Não obstante, além de ser eu tenho (não muito, diga-se logo para evitar-se novos furtos ou roubos).
Os ladrões que me perdoem, vou continuar lutando pelos meus ideais. Vou continuar adquirindo aquilo que eu e minha família entendermos que seja o melhor para nós. Eles que me desculpem, mas não vou desistir assim tão facilmente. Terão de me engolir.
Vou dificultar ainda mais a vida deles atentando para os dispositivos de segurança. Começarei de novo e quantas outras vezes forem necessárias.
Que vocês sejam presos e trabalhem algum dia para aprenderem que a vida não é só chegar em quem suou, para roubar sem suar.
Por fim, espero que a graça divina alcance você porque para mim está difícil de demonstrá-la em situações como essa. 






NOTA
O desenho é de Kerry Millard para A ILHA DE NIM, de Wendy Orr - obra de 2008 publicada pela Brinque-Book.





[1] Excerto da intrigante poesia musicada de Ana Carolina. Ficou ótima a gravação no DVD  Ana & Jorge, de 2005, Sony/BMG.
[2] Zuenir Ventura, no livro Mal Secreto, editora Objetiva, faz uma bela diferenciação entre ciúmes, cobiça e inveja: “ciúme é querer manter o que se tem; cobiça é querer o que não se tem; inveja é não querer que o outro tenha.” (pág. 11).





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